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Amália em entrevista à revista Gente

Amália Rodrigues deu, em Novembro de 1973, uma entrevista para a Gente. A jornalista foi Feliciana Ferreira e as fotografias são de um dos mais prestigiados fotógrafos, Homem Cardoso.

Amália fala, essencialmente, da sua maneira de ser. Refere a jornalista que Amália se encontra algo nervosa, acendendo cigarros atrás de cigarros. 1973 tinha sido um ano em cheio para Amália. À data da entrevista tinha cantado já em Estocolmo, em grande parte das principais cidades de Itália, em Paris, Barcelona, Rio de Janeiro e Beirute. Haviam sido entregues dois importantes prémio: o Diapasão de Ouro para a Melhor Cantora Ligeira da Europa e o Trullo de Ouro, ambos dados em Itália. E 6 edições de discos, em Portugal e no Mundo.

Nesta entrevista percebe-se a grandeza da fadista, intelectual e emocionalmente.
Diz-nos Amália: «Na minha vida não obedeço a critérios. Nunca pensei, não penso. Tenho reflexos rápidos, o que não quer dizer que sejam certos. Faço as coisas segundo o meu gosto e ocasião.» E isto é tão verdade, que podemos dar o exemplo da polémica que houve em Portugal quando ela, em 1965 (salvo erro) resolve editar alguns poemas de Luis de Camões, nomeadamente, Lianor, Erros Meus e Dura Memória. O escritor José Cardoso Pires, Júlio de Sousa (artista plástico) e José Gomes Ferreira acham mal. David Mourão Ferreira, Alexandre O’Neill e Urbano Tavares Rodrigues apoiam-na. A todos eles Amália responde: «Os versos que os poetas escrevem são para serem cantados e conhecidos. Os poetas pertencem ao povo: eu sou do povo.»

Mais adiante na entrevista Amália refere: «As pessoas têm a mania de dizer que sou autoritária, mas não. O que sou é teimosa. Dentro de mim há uma maneira de ser que age independentemente. Vivo à base da intuição e do instinto. Sim é a mesma natureza que me faz cantar o fado. Nunca aprendi a cantar, nem sei porque canto. É a minha natureza, não tenho outra explicação para o meu modo de ser como pessoa e como profissional.»
E para corroborar ainda mais esta ideia, transcrevo do livro Amália – Uma biografia de Vitor Pavão dos Santos: «Se não fosse eu ter tanta força dentro de mim, cheirar com o meu nariz, olhar com os meus olhos, ouvir com os meus ouvidos, senão fosse ter o meu critério tão forte, tinha passado a vida a ceder às pessoas. Isto não, isto é que é, não cante isto, cante aquilo. Mas eu nunca lhes fiz a vontade, fiz sempre a minha. E foi a única maneira de fazer a vontade a toda a gente.» E no final da entrevista à revista Gente, Amália refere: «Tenho uma espécie de inteligência-bruxa, intuitiva, que me diz do bem e do mal. Sim, talvez seja esta a minha arma, a minha única e exclusiva arma

Fernando Dacosta, no seu livro Nascido no Estado Novo, ao referir a ligação que Amália Rodrigues tinha com Natália Correia, afirma (com conhecimento próprio): «Eram ambas excessivamente grandes, egocêntricas, possessivas para conviverem uma com a outra nos mesmos espaços. A solidão espiritual e intelectual que sentiam asfixava-as, exacerbava-as por vezes até à insuportabilidade.Cantar e escrever fizera-se a sua salvação – cantar e escrever entre pequenas cortes de algodão em rama com que tentavam aquietar o mistério inculcado em si pelo destino. (...) Refugiava-se na casa de São Bento (a sua pirâmide mágica) como uma castelã. Dela contemplava os outros e o mundo – nela aguardava a morte: - Para mim o universo acaba quando eu morrer. Quando me dá para a tristeza dá-me para me matar, é um sentimento profundo, uma quase não vontade de cá andar. Sou uma espécie de balão solto no ar, sem estar ligado a nada, não gosto do que tenho. Sinto que cheguei ao fim das ilusões que não tive.» (...)

Tocada pelo absoluto, precisava no seu quotidiano de pessoas simples, vulgares, que lhe restituíssem o equilíbrio psicológico necessário para se sentir apaziguada. Tinha a obsessão do reverso do negrume: a cor, as flores, a gargalhada, o convívio, o sol. “O campo é o único sítio onde me sinto livre e contente. Apetece-me, quando estou nele, ter assas e voar.”

Passou o último dia na sua quinta do Brejão, no Alentejo. Acompanhou o pôr do Sol (chamou as amigas, tal a sua magnitude, para o verem) e, horas depois, partiu. Não morreu, voou.”
José Daniel Ferreira


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