Amália Rodrigues, uma imagem construída com inteligência
Tiago Baptista,
33 anos, conservador do Arquivo Nacional das Imagens em
Movimento/Cinemateca Portuguesa (ANIM), é autor do livro "Ver Amália.
Os filmes de Amália Rodrigues", editado recentemente pela
Tinta-da-China.
"A imagem da Amália era algo cuidadosamente
construído e cuidado pela fadista. Isto é um elogio pois revela
inteligência de uma mulher que soube gerir a sua carreira e fazer da
sua imagem, até certo ponto, aquilo que ela quis", disse à Lusa o
investigador.
Tiago Baptista afirmou que "o cinema foi caixa de
ressonância da popularidade da fadista", que "progressivamente foi
revelando talento de actriz apesar do papéis ingratos e mal construídos
que lhe davam".
"As suas personagens - prosseguiu - tinham quase
sempre pouca densidade psicológica e o público estava já à espera de
ver na tela a Amália Rodrigues".
Um fenómeno de "transferência",
qualificou Tiago Baptista, explicando: "Havia uma transferência da
Amália figura pública para a personagem de ficção".
O historiador
sublinhou que a "naturalidade" da interpretação de Amália Rodrigues no
cinema é a recusa de todo um trabalho genérico de representação, daí
parecer "liberta dos tiques e convenções da época".
Refere o
autor que apesar de lamentar várias vezes interpretar sempre fadistas
no cinema, Amália, "tal como não conseguia fazer playback", também não
conseguiu deixar de "investir a sua própria personalidade nas
personagens cinematográficas".
"A fadista, por muito que
recusasse 'fazer de Amália', a vontade de emprestar toda a
espontaneidade e naturalidade às suas personagens condenava-a sempre 'a
fazer de Amália'", sublinhou.
Para o conservador do ANIM, "o
cinema é meio mais fácil e mais óbvio para perceber o carácter
construído dessa imagem, até porque nos filmes somos levados a
confrontar aquilo que sabemos da imagem pública da Amália com as
personagens que vemos na tela".
"É - enfatizou -, no intervalo
entre uma coisa e outra onde se joga todos os estereótipos e clichés
que associamos ao fado e à figura da fadista".
O livro é uma
análise da curta carreira cinematográfica da fadista que quando chegou
ao cinema, em 1947, em "Capas negras", de Armando Miranda, "era já
muito popular e conhecida" e daí o interesse dos realizadores e
produtores.
"As ilhas encantadas" (1965) de Carlos Villardebó foi o último filme em que participou não desempenhando um papel de fadista.
A
passagem dos dez anos sobre a morte da fadista foi "um bom contexto"
para o "obrigar a escrever", pois "as ideias já vinham de trás".
"Vendaval
maravilhoso" (1949), de Leitão de Barros, foi o primeiro filme de
Amália que o autor viu, tendo ficado "impressionado" pelo seu
desempenho, o que lhe despertou a curiosidade.
"Ver Amália" levou
seis meses de investigação. Autor de vários artigos e títulos sobre
cinema, o investigador tinha editado, anteriormente, "A invenção do
Cinema português".