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António Zambujo "Para sermos artistas temos de ser egoístas"

Entrevistas - Julho 21, 2011
Zambujo dá acordes brasileiros na música portuguesa. E africanos ou de Nova Orleães. A abertura do Festival Músicas do Mundo, amanhã, em Sines, é cantada na sua voz

António Zambujo tem quatro discos editados - "Guia" foi considerado um dos melhores de 2010. Todos procuram trazer uma nova abordagem ao fado e à música tradicional portuguesa, influenciados pelo cante alentejano, pelo jazz, pelo Brasil e por África. O cantor abre amanhã a maior festa de músicas do mundo, em Sines.

Nasceu em Beja, Alentejo. Filho único, ficava com a avó enquanto os pais trabalhavam. Que memórias guarda da infância?

Parecem vidas paralelas. A da criança com uma infância normal, que brincava, e aquela que tem o primeiro contacto com a música. A minha avó ensinou--me as modas alentejanas e tinha muitos instrumentos em casa. Não tocava mas tinha piano, acordeão, harmónica. Comecei a explorar os instrumentos com quatro anos.

Passava muitas horas numa taberna em frente à casa da sua avó. Porquê?

A Adega do Sintra. Foi aí, aos cinco anos, que começou o meu alcoolismo [risos]. Eram velhotes reformados que iam lá. Bebiam o mata-bicho de manhã e gostavam de me ouvir cantar. Como andava por ali, convidavam-me para cantar na taberna e em troca davam-me um copo, dos pequenos, onde eles bebiam o vinho, mas com gasosa. Ia todo contente cantar com eles, beber e brindar. Era giro.

E mais tarde, aos oito, entrou no Conservatório de Música do Baixo Alentejo para aprender clarinete. Porquê este instrumento?

Foi um amigo dos meus pais, professor de clarinete, que sugeriu que eu estudasse Música. Escolhi clarinete por proximidade, mas depois apaixonei-me pelo instrumento. Hoje ainda gosto muito e temos um clarinetista a tocar connosco [José Conde].

Como foi a descoberta da música no conservatório?

A primeira fase é muito chata. Na música não existe um método eficaz que capte a atenção das crianças. Aprender solfejo com cinco ou seis anos é uma seca!

É difícil?

É uma questão de vocação. Para quem tem jeito para a música não é muito difícil. Mas é chato.

Hoje toca guitarra. Quando é que ela aparece?

Bem mais tarde, em miúdo nunca me interessei. Uma prima ensinou-me uns acordes e comecei a explorar. Foi efeito espelho, imitava o que os outros faziam. Como já sabia de música, foi mais fácil.

Percebeu cedo que queria ser músico?

Em criança sentia que a música ia ser importante na minha vida, mas a decisão racional foi antes de terminar o liceu. Pensava ser arquitecto e a pressão dos pais fazia-me ficar indeciso - querem sempre um filho médico ou advogado, qualquer coisa que dê dinheiro. Nunca músico. Sem saber bem como, abdiquei da arquitectura. Senti que era isso.

O fado esteve sempre presente na sua vida?

Está na vida dos portugueses. Há sempre alguém da família que tem discos de fadistas. Quando andava no 5.o e 6.o ano era impensável dizer na escola que gostava de fado. Tínhamos um grupo de quatro amigos, meio clandestino. Quando havia furos íamos para casa de um deles. O pai era fadista amador e tinha discos e livros de poesia. Nós ouvíamos, uns tocavam, outros cantavam - nessa altura só cantava - e aprendíamos. Era engraçado.

E é como fadista que se vê hoje?

Não, sou músico. Seria injusto para os fadistas dizer que o sou. O fado e a música tradicional, como a do Alentejo e a dos Açores, são os pilares onde se alicerça o meu trabalho. Mais tarde, o jazz, a música brasileira e a de Cabo Verde.

Como é que os fadistas da velha guarda lidam com a sua abordagem ao fado?

Isso não tem importância. Para sermos músicos, criadores, artistas, temos de ser egoístas. Faço o que sai de dentro de mim sem me preocupar com críticas. Elas não me vão moldar. Aceito-as a todas, mas não dou importância. O segundo disco saiu e em 2004 e era bastante diferente dos cânones tradicionais do fado. Fez confusão a muitos, mas quando saiu o terceiro perceberam que existe coerência e que a minha intenção não é mudar nada.

Como foi o seu primeiro concerto?

Uma seca [risos]. Foi na Ovibeja. O som até era bom, mas as condições eram péssimas. Tinha chovido e a única coisa que me lembro é de sair do palco e estar tudo escuro. Havia um buraco nos degraus, caí e fui para o hospital. A lembrança que tenho do meu primeiro concerto é ir para o hospital com a perna toda rasgada (risos).

E o primeiro a que assistiu?

Não me lembro. Mas o que me marcou foi o do Caetano Veloso, há cerca de quatro anos, no Cool Jazz. Fez um concerto sozinho, só voz e violão, e foi o primeiro concerto a que levei o meu filho, que tem 12 anos.

O seu encontro com Lisboa dá-se aos 20 anos. Como?

Vim ver a Ana Sofia Varela [fadista alentejana] cantar no Clube do Fado. Ali conheci o Mário Pacheco, que me convidou para cantar nessa noite e passou a convidar-me para fazer substituições.

E foi também no Clube do Fado que foi convidado para o "Amália", do Filipe la Féria.

Num dos dias que fui lá cantar estava um produtor que me disse para ir fazer um casting para o "Amália". Sabia que queria ser músico, mas não sabia como. Arrisquei e o Filipe [la Féria] gostou. Estive no elenco quatro anos. Conheci pessoas e fui convidado para cantar em casas de fado. Depois gravei o meu primeiro disco. Quando sai já tinha gravado o segundo e comecei a dar concertos.

Altura em que a sua carreia começou a ganhar forma...

Mas não definitiva, vai-se formando. O importante é fazer um trabalho consistente e continuar a evoluir de disco para disco, para que as pessoas gostem de ouvir.

E quando é que se aproxima da música brasileira?

Quando ouço João Gilberto. Fiquei com vontade de saber tudo e de tocar assim. Explorei Chico Buarque, Caetano Veloso, Vinicius, Tom Jobim...

Que se começam a reflectir nos seus trabalhos.

O Brasil aparece no terceiro disco. No segundo tinha encontrado o Tom Waits, Chet Baker... E tem umas coisas de jazz.

E agora?

Agora estou em fase de concertos, ao mesmo tempo que preparo o quinto disco. Vai ser gravado no final do ano e apresentado em Abril, no Grande Auditório da Gulbenkian.

O que representa ser elogiado por Caetano Veloso e ver o "Guia", seu último disco, considerado um dos melhores da música portuguesa em 2010?

Deixa-me muito feliz, claro. É reconhecimento. Caetano Veloso é um ídolo e fiquei sensibilizado com o que escreveu. Mas no fundo é mais importante para as outras pessoas que descobrem quem é o rapaz que o Caetano elogiou. Se gostarem, compram os discos e vão aos concertos. É importante, mas não gosto de bajulação. Deixa-me feliz, só isso.

Que música tem ouvido?

Na Bulgária deram-me uma série de discos de música tradicional, de grupos corais e instrumentais. Claro que Tom Waits, Chet Baker, João Gilberto ou Chico Buarque estão sempre presentes.

Quer dizer que não ouve fado?

Não. Só quando saem discos de pessoas que gosto. Camané, Ana Moura, Ricardo Ribeiro, Carminho, Aldina. Compro os discos e oiço. De resto não ligo muito.i


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