João Braga - Cantar ao Fado
Não apenas porque usou a grande poesia portuguesa. Qualquer medíocre podia fazer esse exercício fútil. Mas porque se encontrou nela e através dela se revelou a si próprio. Basta ouvir.
A música não se limita a acompanhar ou a interpretar o poema, funde-se com ele, transfigura-o e cria no sentido próprio da palavra um objecto de arte original e único, que já não pertence a Camões ou a Pessoa, a O'Neil ou a Manuel Alegre - que lhe pertence a ele, João braga, à sua visão e à sua voz. Um caminho arriscado? Com certeza.
O sucesso parece estar cada vez mais ligado ao sentimentalismo e à vulgaridade. Não suportar nem uma coisa nem outra nasceu evidentemente com ele. Só que não transigir pede coragem e acreditar que a popularidade não exige concessões não dispensa inteligência e a cultura.
E de ano para ano o seu percurso mostrou que não precisava de se diminuir para chegar ao público e se tornar para sempre parte do património do fado.
Por isso, este último disco reafirma muito naturalmente um homem insubmisso que responde ao destino com a liberdade de quem canta "ao fado" contra o fatalismo.
Uma liberdade que lhe permite passar, com inestimável ajuda de Jaime Santos Jr., da irónica amargura de O'Neil ("Um Carnaval") a um Pessoa quase desconhecido, à procura do mítico paraíso do Sul ("Bem Sei"); ou da comovida homenagem de Manuel Alegre a "Adriano" (Correia de Oliveira) à "Ternura" triste de Mourão-Ferreira. Variável, múltiplo, complexo - e com o prodigioso domínio técnico, sem o qual o resto nada valeria - João Braga voltou. Obrigado.
Alberto Saraiva Citação