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"O fado não tem que ter rigor, tem que ter vigor" - entrevista a José Pracana

Entrevistas - Março 23, 2009
O açoriano José Pracana, de 63 anos, pertenceu ao círculo íntimo dos nomes grandes do fado português, Amália Rodrigues e Alfredo Marceneiro.

A convite do Teatro Micaelense tem vindo a realizar uma série de espectáculos intitulados "Fados e Guitarradas - Noites temáticas" evocando fadistas, poetas e compositores, através de interpretações de fados e guitarradas. Reformado da TAP, José Pracana iniciou em 1964 a sua carreira como fadista amador, já participou em diversos programas televisivos e ganhou o "Prémio Fado Amador/2005", instituído pela Fundação Amália Rodrigues".

Que ciclo é este de "Fados e Guitarradas - Noites Temáticas" no Teatro Micaelense?

As noites temáticas nasceram de um convite do Teatro Micaelense, através da sua directora, Ana Teixeira da Silva, para eu organizar umas noites de fado no teatro. Fizemos uma reunião e sugeri fazer-se o fado no foyer e recriar uma casa de fados e não o fazer no palco, diante da plateia. Isto para haver o verdadeiro fado, o fado mais intimista. E o primeiro programa resolvi dedicar a Frederico Valério, que foi um grande compositor e o homem que fez aqueles fados que toda a gente conhece e que a Amália cantava maravilhosamente: "O Ai Mouraria", "O Fado Malhoa", "Não Sei Porque Te foste Embora", enfim, e para isso trouxe uma fadista, a Lina Rodrigues, que já tinha actuado no "Musico Amália", contei com a colaboração do violista Dinis Raposo, de São Miguel que, além de tocar muito bem viola, é construtor de guitarras também. E trouxe o Filipe de Brito, grande acordeonista, e que tem uma particularidade: toca acordeão como se estivesse a tocar guitarra ou a cantar o fado.

 

Olhando para o calendário, Abril está quase aí e no Teatro a segunda noite, a 17, promete...

Em Abril vamos ter uma segunda noite que se vai chamar "A nova geração do fado". Vou ter como convidados a Aldina Duarte e o António José Sambujo, dois fadistas da nova geração e que são formidáveis.

 

Porque não traz Kátia Guerreiro, Marisa... Também não pertencem à nova geração do fado?

São, mas a Marisa e a Kátia já estão num patamar que tem os seus guitarristas, os seus espectáculos. É difícil trazer, não quer dizer que não se pudesse trazer ou combinar.

 

Têm o genuíno que procura?

Gosto imenso de ouvir a Kátia Guerreiro, tal como a Marisa e são duas simpatias de pessoas. Para a mim, a Kátia é mais fadista. A Marisa é mais um espectáculo, um show para se ver, embora cante muito bem, mas ainda lhe falta talvez até idade para cantar o fado com mais sentimento.

 

Conviveu de perto com os grandes nomes do fado, de Alfredo Marceneiro a Amália Rodrigues. Olhando para esta nova geração de fadistas e comparando com o passado e com esses grandes nomes com quem tocou e conviveu, o que é que falta?

Todas as gerações são boas. Tive o privilégio de ter conhecido gente como a Amália Rodrigues, a Maria Teresa de Noronha, a Lucília do Carmo, a Hermínia Silva, o Alfredo Marceneiro, Carlos Ramos, Manuel d’Almeida e até alguns que trouxe cá aos Açores, fadistas extraordinários. Mas neste momento estamos a ter uma geração extraordinária de gente que se tem dedicado ao fado. São intérpretes extraordinários e, por exemplo, nos instrumentos, também se revelam óptimos guitarristas. De há uns anos a esta parte, houve uma grande evolução na maneira de tocar, e até mais na viola do que na guitarra. A guitarra teve um período que evoluiu até por causa do Carlos Paredes e é engraçado também ligar o fado de Coimbra ao fado de Lisboa. Mas a viola também deu um grande passo e curiosamente o Dinis Raposo - somos os artistas residentes para estas coisas do teatro - é um desses da nova geração que deu um passo fantástico na viola.

 

O que mudou no modo de tocar a viola. Parece o parente pobre do fado...

Mas não é. A viola é no fado o suporte harmónico e rítmico, enquanto a guitarra é o instrumento melódico. Mas lá porque é o suporte harmónico e rítmico não quer dizer que não evolua, e hoje em dia os violistas têm mais conhecimentos musicais e, portanto, também transformam isso. Embora - é preciso ter cuidado, tudo tem o seu limite - quando começam a querer misturar com o jazz ou com música brasileira, é preciso ter muito cuidado porque então retiram as características do fado. O fado também tem as suas características.

 

É avesso a estas experimentações?

Não, não sou avesso às experimentações. As abordagens ainda bem que se fazem. Agora há determinadas características que não se podem perder. Sabe que o fado é difícil de definir musicalmente. Sabemos distinguir quando é um fado. Se ouvir um cançonetista, sabe que é cançonetista e se ouvir um fadista sabe que é fadista. Mas qual é a diferença entre eles? É difícil explicar.

 

Há um timbre de voz...

Exactamente, há uma emoção, há uma intenção, é fundamentalmente expressão. O fado é uma provocação como toda a arte e aí não tem que haver a preocupação da falha. O fado não tem que ter rigor, tem que ter vigor, porque se tivesse que ter rigor era escrito e não há uma pauta. Isso é que faz a diferença entre a música popular e a erudita, que é escrita. Justamente, a beleza do fado está na criatividade, na imaginação da altura, no que vai saindo. Se estou a tocar umas variações, o violista é natural que, de repente, se perca um bocado de mim, mas logo a seguir percebe para onde é que eu vou e vai atrás. Houve ali uma pequena falha, mas isso não tem importância absolutamente nenhuma. Ainda bem que é assim porque aí reconhecemos que é verdadeiro. Quando é muito ensaiado e certinho, perde um bocado da expressão. Cai na rotina, já é uma coisa que está batida.

 

Como é que Alfredo Marceneiro encarava o fado?

Tive o privilégio de o conhecer intimamente. Foi uma fonte de inspiração para mim, sem dúvida nenhuma. Foi um criador e um homem modesto: lembro-me de uma vez lhe perguntar: "oh Tio Alfredo, quando compôs aquele fado...", ele respondia "nunca fui compositor, sou estilista. Fui buscar músicas que a minha mãe cantava, até pregões, e daí fazia fado". Ele sabia que para se ser compositor era preciso ter outros recursos musicais que ele não tinha, mas ele, por outro lado, tinha o talento que, muitas vezes, os tais compositores não têm.

 

Já apareceu algum ‘Alfredo Marceneiro’ nos tempos mais recentes?

Sabe que, para esses génios, não há substituição. Muitas vezes, eu oiço ‘a nova Amália’... Não há novas Amálias. Houve a Amália e há outras fadistas que podem ter imensa qualidade, mas não são novas Amálias. São outras pessoas.

 

Que opinião tem de Amália?

Um génio extraordinário. Também tive o privilégio de ser amigo de Amália e de ter ido a casa dela e de ela ter ido a minha casa. Discutíamos muito e ela tinha uma certa ciumeira por causa do Marceneiro e dizia-me "ah você gosta é do Marceneiro".

 

Qual era a relação entre Amália e o Alfredo Marceneiro?

Boa, mas o Marceneiro era um homem que tinha um feitio esquisito e era ciumento. Sabia que a Amália tinha ido para além de Portugal e o Marceneiro tinha-se ficado por Portugal. Ele às vezes tinha uma certa mágoa e apercebíamo-nos disso. Mas ele tinha uma grande admiração pela Amália e a Amália por ele.

Paulo Simões/Paulo Faustino


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