Vasco de Lima Couto
Letristas - Actualizado em Fevereiro 08, 2023
"Eu sou um poeta. Maldito, mas poeta. Sou, também, actor. Incómodo, mas actor. Como actor, empresto. Como poeta, dou.
Entre estas duas posições, vivo. Não represento nenhuma escola, porque não preciso de falar ao tempo do meu povo. Sou o tempo do meu povo! Se algum mérito possuo, é o de não ser intelectual partido, para intelectuais de partido. Canto como sei e sei como sinto. Não dou respostas convenientes, porque - felizmente, sou inconveniente. Entre o homem chateado e a criança maravilhada, rasgo o tempo que possuo. O mais que queiram ver, em mim, é estrume de animal que mastiga a comida que não merece e que o povo paga."
Vasco de Lima Couto reflectia sobre as coisas do seu tempo. Pensava sobre a vida cultural e social do seu país, principalmente quando se embrenhava nelas. Em 1972, fala deste modo sobre a sua vida de actor:
"O Teatro está cheio de espertos. Tanto lhes faz que seja assim como assado, e como isso a que chamam teatro lhes facilita os dias, eles vão de peça em peça, sem talento e sem religião. Depois, os que comandam esta anarquia da inteligência, que finge não querer actores porque lhes têm de pagar de acordo com a força do seu trabalho; preferem contratar amadores, com jeito ou não, que, ingénuos e incipientes, podem ser enganados.
E o resultado está à vista. Há peças que caem redondas porque não foram vestidas, só foram cobertas. (...) O actor, hoje não pode ser só o hábil senhor que se movimenta e inflexiona. Tem que ser, por dedução, a inteligência e a cultura de quem espera e a angústia colectiva de quem procura. A experiência só por si não chega. O actor tem que estar atento aos movimentos sociais da sua época mesmo quando pelas circunstâncias anormais da vida tem de transigir.
Mas não deverá nunca transigir servindo-se da benevolência idiota dos mecenas, porque esses - como dizia Afonso Lopes Vieira - entram na poesia como os camelos no jardim. Ninguém proíbe ninguém de ser inteligente!"
É extraordinária a actualidade destas palavras no nosso panorama teatral. Infelizmente, mudou apenas uma coisa. Os mediocres, incipientes e amadores, continuam a encher os palcos dos nossos teatros (e, já agora, das nossas televisões), mas a receberem tanto ou mais de cachet, quanto os actores de qualidades comprovadas.
Nascido no Porto a 26 de Novembro de 1924, vem a falecer em Lisboa no dia 10 de Março de 1980. Estreou-se nos palcos em 27 de Março de 1947 "empurrado" por Alves da Cunha. Percorreu todo o país em digressão falando de poetas e de teatro até que, em 13 de Março de 1951, ingressa na Companhia de Amélia Rey Colaço - Robles Monteiro, para o elenco da peça "La Niña Boba", de Lope de Vega, que seria posta em cena em 7 de Abril de 1953, com Gina Santos como "menina tonta", Helena Féliz, Álvaro Benamor e Maria Albergaria.
Lima Couto representou em mais de 40 peças ao longo de toda a sua carreira, nunca acusando qualquer atitude de concessão ao "status" ou amolecimento das linhas mestras da sua personalidade criativa e, por vezes, revolucionária.
Mas, como refere João Aguiar no Diário de Noticias de dia 14 de Março de 1980, "será exagerado dizer que Vasco de Lima Couto foi 'actor por acréscimo'. Algumas das suas interpretações não serão esquecidas tão cedo".
Por volta de 1952, Lima Couto volta ao Porto para se juntar ao Teatro Experimental, onde permanece cerca de oito anos. Aí, representou peças tão importantes como: "A Morte de um Caixeiro Viajante", de Miller; "As Guerras de Alecrim e Manjerona", de António José da Silva; "Volpone", de Ben Johnson; "Edda Gabler", de Ibsen; "Ratos e Homens", de Steinbeck; "Tio Vania", de Tchecov, entre outras.
Em 1960 volta para a capital portuguesa onde representará a figura de D. Afonso IV na peça "Castro", de António Ferreira. "Teve enorme êxito, o qual, segundo as próprias palavras, se deve à direcção de Paulo Renato".
Durante dois anos trabalhou para o Teatro da Câmara - Estufa Fria, sob a direcção de Pedro Bom, mas considerava o tipo repertório lá representado como "chato e despido de qualquer realidade".
O grande sucesso vem com o "Mercador de Veneza", de Shakespeare, onde Vasco de Lima Couto representava o papel de Lancelote Gobbo. "O êxito foi tal que, ao sair de cena, num dos melhores momentos da peça, o público interrompia a representação com uma salva de palmas".
Em 1966 vai para o Teatro da Trindade, para representar "Todos eram meus filhos", de Miller. A peça vai em tournée pelo pais inteiro.
Um ano depois vai para o TEL (Teatro Experimental de Lisboa) onde representa, basicamente, peças de Luzia Maria Martins.
Mas a situação do TEL era desastrosa. Vasco de Lima Couto viu-se sem dinheiro, sendo "obrigado" a ir trabalhar para a televisão, em peças que em nada lhe interessavam. Chega mesmo a aceitar o convite de Vasco Morgado para representar o "Vison Voador", no Villaret.
Em 1971 concorre ao "Festival da Canção" com o célebre e polémico "Zé Brasileiro Português de Braga".
Conhece finalmente África, por quem se apaixona. Em Angola, inicia uma série de programas na Emissora Oficial, como colaborador e assistente literário. Era o programa "Cantar de Amigo", dedicado à divulgação da poesia portuguesa. Aí, "muitos dos que sistematicamente o ignoravam na crítica, na presença e na divulgação, eram citados sem qualquer ressentimento".
Trava conhecimentos com o jornalista João Aguiar, sub-chefe de redacção do Diário Falado e produtor radiofónico. Este, leva Lima Couto a interpretar na rádio uma adaptação do romance "Um Cântico para Leibowitz", à altura com o nome, "A crónica de S. Leibowitz". "O original gravado, um dos raros documentos que se salvaram depois da independência, é a amostra mais que convincente do grande talento e capacidade de um actor".
Nos inicios de 1974, inexplicavelmente, Vasco de Lima Couto regressa a Portugal.
Com grande mágoa encontra António Pedro afastado do TEP. Vai para a Cornucópia, que depressa abandona para se fixar uns meses em Paris. Ao regressar, ingressa na Companhia Maria Matos para representar o "Encoberto", de Natália Correia.
No entanto surge uma vida nocturna intensa, cada vez mais ligado ao fado. No "Painel do Fado", na "Taberna de S. Jorge" (no Porto) ou na "Taberna do Embuçado", Vasco de Lima Couto escreve, lê e ouve cantar a sua poesia. Grandes nomes da canção (ligeira e fado) cantam as suas palavras: Amália Rodrigues, Carlos do Carmo e Simone de Oliveira, entre outras.
"No principio e no fim de tudo, estava a poesia. E à medida que o tempo foi passando, o "resto" foi ficando pelo caminho, como veste que se usa bem, mas que depois se larga - nem sempre por vontade própria, mas sempre com intima tranquilidade. Lima Couto sabia que, através do tumulto emocional, ideológico e politico, ele haveria de desentender-se com o "establishment", pois isso acontecera antes, acontecera sempre; e, como antes, como sempre, o "establishment" não lhe perdoaria e fechar-lhe-ia as portas. Mas sabia também que havia duas coisas que nunca ninguém lhe poderia tirar: Uma, a liberdade que lhe advinha de não ter nada para perder; a outra, a sua condição e essência de poeta."
Vasco de Lima Couto reflectia sobre as coisas do seu tempo. Pensava sobre a vida cultural e social do seu país, principalmente quando se embrenhava nelas. Em 1972, fala deste modo sobre a sua vida de actor:
"O Teatro está cheio de espertos. Tanto lhes faz que seja assim como assado, e como isso a que chamam teatro lhes facilita os dias, eles vão de peça em peça, sem talento e sem religião. Depois, os que comandam esta anarquia da inteligência, que finge não querer actores porque lhes têm de pagar de acordo com a força do seu trabalho; preferem contratar amadores, com jeito ou não, que, ingénuos e incipientes, podem ser enganados.
E o resultado está à vista. Há peças que caem redondas porque não foram vestidas, só foram cobertas. (...) O actor, hoje não pode ser só o hábil senhor que se movimenta e inflexiona. Tem que ser, por dedução, a inteligência e a cultura de quem espera e a angústia colectiva de quem procura. A experiência só por si não chega. O actor tem que estar atento aos movimentos sociais da sua época mesmo quando pelas circunstâncias anormais da vida tem de transigir.
Mas não deverá nunca transigir servindo-se da benevolência idiota dos mecenas, porque esses - como dizia Afonso Lopes Vieira - entram na poesia como os camelos no jardim. Ninguém proíbe ninguém de ser inteligente!"
É extraordinária a actualidade destas palavras no nosso panorama teatral. Infelizmente, mudou apenas uma coisa. Os mediocres, incipientes e amadores, continuam a encher os palcos dos nossos teatros (e, já agora, das nossas televisões), mas a receberem tanto ou mais de cachet, quanto os actores de qualidades comprovadas.
Nascido no Porto a 26 de Novembro de 1924, vem a falecer em Lisboa no dia 10 de Março de 1980. Estreou-se nos palcos em 27 de Março de 1947 "empurrado" por Alves da Cunha. Percorreu todo o país em digressão falando de poetas e de teatro até que, em 13 de Março de 1951, ingressa na Companhia de Amélia Rey Colaço - Robles Monteiro, para o elenco da peça "La Niña Boba", de Lope de Vega, que seria posta em cena em 7 de Abril de 1953, com Gina Santos como "menina tonta", Helena Féliz, Álvaro Benamor e Maria Albergaria.
Lima Couto representou em mais de 40 peças ao longo de toda a sua carreira, nunca acusando qualquer atitude de concessão ao "status" ou amolecimento das linhas mestras da sua personalidade criativa e, por vezes, revolucionária.
Mas, como refere João Aguiar no Diário de Noticias de dia 14 de Março de 1980, "será exagerado dizer que Vasco de Lima Couto foi 'actor por acréscimo'. Algumas das suas interpretações não serão esquecidas tão cedo".
Por volta de 1952, Lima Couto volta ao Porto para se juntar ao Teatro Experimental, onde permanece cerca de oito anos. Aí, representou peças tão importantes como: "A Morte de um Caixeiro Viajante", de Miller; "As Guerras de Alecrim e Manjerona", de António José da Silva; "Volpone", de Ben Johnson; "Edda Gabler", de Ibsen; "Ratos e Homens", de Steinbeck; "Tio Vania", de Tchecov, entre outras.
Em 1960 volta para a capital portuguesa onde representará a figura de D. Afonso IV na peça "Castro", de António Ferreira. "Teve enorme êxito, o qual, segundo as próprias palavras, se deve à direcção de Paulo Renato".
Durante dois anos trabalhou para o Teatro da Câmara - Estufa Fria, sob a direcção de Pedro Bom, mas considerava o tipo repertório lá representado como "chato e despido de qualquer realidade".
O grande sucesso vem com o "Mercador de Veneza", de Shakespeare, onde Vasco de Lima Couto representava o papel de Lancelote Gobbo. "O êxito foi tal que, ao sair de cena, num dos melhores momentos da peça, o público interrompia a representação com uma salva de palmas".
Em 1966 vai para o Teatro da Trindade, para representar "Todos eram meus filhos", de Miller. A peça vai em tournée pelo pais inteiro.
Um ano depois vai para o TEL (Teatro Experimental de Lisboa) onde representa, basicamente, peças de Luzia Maria Martins.
Mas a situação do TEL era desastrosa. Vasco de Lima Couto viu-se sem dinheiro, sendo "obrigado" a ir trabalhar para a televisão, em peças que em nada lhe interessavam. Chega mesmo a aceitar o convite de Vasco Morgado para representar o "Vison Voador", no Villaret.
Em 1971 concorre ao "Festival da Canção" com o célebre e polémico "Zé Brasileiro Português de Braga".
Conhece finalmente África, por quem se apaixona. Em Angola, inicia uma série de programas na Emissora Oficial, como colaborador e assistente literário. Era o programa "Cantar de Amigo", dedicado à divulgação da poesia portuguesa. Aí, "muitos dos que sistematicamente o ignoravam na crítica, na presença e na divulgação, eram citados sem qualquer ressentimento".
Trava conhecimentos com o jornalista João Aguiar, sub-chefe de redacção do Diário Falado e produtor radiofónico. Este, leva Lima Couto a interpretar na rádio uma adaptação do romance "Um Cântico para Leibowitz", à altura com o nome, "A crónica de S. Leibowitz". "O original gravado, um dos raros documentos que se salvaram depois da independência, é a amostra mais que convincente do grande talento e capacidade de um actor".
Nos inicios de 1974, inexplicavelmente, Vasco de Lima Couto regressa a Portugal.
Com grande mágoa encontra António Pedro afastado do TEP. Vai para a Cornucópia, que depressa abandona para se fixar uns meses em Paris. Ao regressar, ingressa na Companhia Maria Matos para representar o "Encoberto", de Natália Correia.
No entanto surge uma vida nocturna intensa, cada vez mais ligado ao fado. No "Painel do Fado", na "Taberna de S. Jorge" (no Porto) ou na "Taberna do Embuçado", Vasco de Lima Couto escreve, lê e ouve cantar a sua poesia. Grandes nomes da canção (ligeira e fado) cantam as suas palavras: Amália Rodrigues, Carlos do Carmo e Simone de Oliveira, entre outras.
"No principio e no fim de tudo, estava a poesia. E à medida que o tempo foi passando, o "resto" foi ficando pelo caminho, como veste que se usa bem, mas que depois se larga - nem sempre por vontade própria, mas sempre com intima tranquilidade. Lima Couto sabia que, através do tumulto emocional, ideológico e politico, ele haveria de desentender-se com o "establishment", pois isso acontecera antes, acontecera sempre; e, como antes, como sempre, o "establishment" não lhe perdoaria e fechar-lhe-ia as portas. Mas sabia também que havia duas coisas que nunca ninguém lhe poderia tirar: Uma, a liberdade que lhe advinha de não ter nada para perder; a outra, a sua condição e essência de poeta."
João Aguiar
Diário de Noticias, 14 de Março de 1980
Diário de Noticias, 14 de Março de 1980
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sem querer bater mais no ceguinho… esta é a triste realidade no meio do Fado:
quando começei a tocar profissionalmen te, houve alguém que me explicou que antigamente, para se fazer carreira no Fado, era preciso ter carteira profissional e "ir a exame", literalmente. feito (o referido) por um guitarrista, um violista, o nosso grande Alfredo, um poeta e um ou dois fadistas da vellha guarda!
e os que não serviam para o bom nome do Fado era-lhes pedido ou sugerido "para irem lavar escadas"!
palavras do nosso mais polémico fadista ALFREDO MARCENEIRO!
Portanto se quiserem voltar a ter a integridade que já existiu entre os fadistas e os musicos, voltem ao passado, pois ao fim de 35 anos de LIBERDADE, esta só tem piorado o bom nome que existia sobre o Fado!
UM INCONFORMADO Citação