José Pracana - Quarenta anos de fados e guitarradas nas paredes de casa
Chegámos a casa de José Pracana, guitarrista açoriano, e os convidados preparavam-se para comer. A comida do avião deixa muito a desejar, é bem sabido. José abre uma garrafa de tinto, e enche para si um copo, que o acompanhará durante a conversa, como manda o Fado.
Adolescente, ouvia fascinado os grandes nomes do Fado na rádio, sem desconfiar que anos depois, com dezanove anos, a estudar em Lisboa, entraria no famoso círculo do Fado de Lisboa e tocaria ao lado de gigantes como Alfredo Marceneiro ou Amália Rodrigues. Em Lisboa, o estudo que fazia era mais o estudo do Fado e da boémia, confessa-nos.
É esse o tempo que o guitarrista expõe na sua cave, que decorou com guitarras e toalhas de mesa xadrez, a lembrar uma casa de fados, e onde se reúne com amigos para as "fadistices", o fado despretensioso e desregrado que prefere.
Na parede que dedica a Alfredo Marceneiro, guarda alguns dos objectos icónicos do fadista português - o lenço, o boné e os óculos escuros. Para além destes, sem dúvida os mais valiosos, expõe também um bilhete de avião, da primeira e única viagem que Alfredo Marceneiro fez. Na altura, o fadista e o guitarrista açoriano foram a Faro cantar e tocar.
Outra das paredes da cave está reservada a Maria Teresa de Noronha, ao seu marido e cunhado - os "célebres Sabrosas."
Nas fotografias estão também muitas caras desconhecidas do Fado, amadores "fabulosos" que passaram despercebidos do grande público.
"Cá está Ela!Eu tinha vinte e cinco anos, a Amália tinha cinquenta e um, e ela está com uma expressão fantástica a cantar, num bar que eu tinha em Cascais com o meu amigo Luís Franco, que é daqui de São Miguel", mostra orgulhoso José Pracana. "Foi a altura própria para ter este bar", diz o guitarrista. Abrir agora em São Miguel uma casa de fados não está fora de questão.
Admiramos de relance a fotografia, porque o nosso interesse vai para um documento algo estranho na parede. Parece um contrato, ou um abaixo-assinado, com uma beata de um cigarro de enrolar colada em baixo. Sim, uma beata de Amália, guardada por brincadeira: "Isto é uma história engraçada. Ela estava em Santa Maria, em 1953. Ela apagou a beata, e o Dr. Moreira, que era o director da Alfândega, lá viu esta coisa e por graça fez este documento, em que uma data de ‘testemunhas’ asseguram que isto é a beata da Amália."