Interviews - Dezembro 19, 2006
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A Joana Amendoeira participou, em 1994, pela primeira vez, na Grande Noite do Fado de Lisboa. No ano seguinte, ganhou o primeiro prémio de interpretação feminina, no mesmo concurso, no Porto. Que importância é que esse prémio teve no futuro da sua carreira?
Nessa altura tinha 12 anos e, portanto, não estava propriamente consciente da sua importância. Mas foi um grande incentivo, fez-me sonhar e apaixonar cada vez mais por cantar, e por querer aprender e evoluir. Foi muito bom receber esse prémio.
Sendo o fado uma música que aborda sentimentos como o amor ou a saudade, não é pouco propícia a ser cantada por uma criança de 12 anos?
Quando tinha 12 anos interpretava consoante a minha vivência. Sempre me aconselharam a cantar palavras que pudesse sentir de alguma forma, e não cantar fados como «Povo que lavas no rio» ou «Ai quem me dera ter outra vez vinte anos» [risos]. Sempre tive pessoas que me aconselharam, não só os meus pais, mas vários fadistas com quem me relacionei. E continuo a defender essa ideia, ou seja, que se deve cantar aquilo que se sente. As palavras que se passam às pessoas têm de ser muito verdadeiras dentro de nós. Apesar de não termos vivido histórias tristes como aquelas que cantamos, podemos imagina-las.
Aos 12 anos pensava mais nas melodias do que nas palavras. À medida que fui crescendo, fui interiorizando muito mais e comecei a reparar muito mais nos poemas, e na forma como se dizem as palavras. No fado a mensagem é muito importante, e isso passa também pela maneira como dizemos os poemas. Foi, sobretudo, a partir do terceiro disco que notei mais essa maturidade no relacionamento com as palavras. Os primeiros ainda foram discos da adolescência.
Em 2004 recebeu o prémio revelação da Casa da Imprensa. Ao fim de cinco discos e muitos concertos, ainda se sente uma revelação?
Há sempre pessoas que não nos conhecem e para as quais posso ser uma revelação.
E em termos de maturidade musical?
Sinto que está a desenvolver-se cada vez mais. Não comecei a cantar há dois ou três anos, e isso cria alicerces na forma como se vê, se sente e se canta o fado. Apesar de ser bastante jovem, não me sinto bem com 24 anos. Talvez porque tenho sido sempre um pouco precoce [risos]. Talvez seja esta a minha forma de estar na vida.
Já realizou vários concertos em diversos locais do mundo. Qual é a reacção do público estrangeiro ao fado?
Tem sido sempre extremamente calorosa, apesar de as pessoas, muitas vezes, não entenderem as palavras, embora faça um esforço por tentar explicar do que trata cada um dos fados. Na Suécia, por exemplo, este ano já estive duas vezes com a diferença de seis meses. E desde há dois anos estão a descobrir e a apaixonar-se pelo fado.
E que razões contribuem para que essa “paixão” sobreviva às diferenças linguísticas?
É uma forma de expressão muito intensa. Obviamente que o amor ou a saudade são sentimentos que estão presentes em todo o mundo. A forma como nos expressamos, a sonoridade da guitarra portuguesa, fá-los apaixonarem-se e recordarem histórias das suas próprias vidas em culturas muito diferentes da nossa.
E já soube de várias pessoas que aprenderam a falar português para ouvir fado.
Essa receptividade do público estrangeiro em relação ao fado relaciona-se de alguma forma com a difusão da chamada World Music?
As pessoas estão cada vez mais a sentir a necessidade de não se deixarem globalizar, de conhecerem as tradições, seja do flamenco, do tango ou do fado. Isso obviamente tem sido muito importante para a divulgação do fado. Mas mesmo à parte dos festivais de World Music, a programação de muitas salas contempla cada vez mais o fado.
O fado começa, agora, a passar para outros circuitos que não os da World Music, o que traduz o seu interesse crescente. Mas, de facto, começou pela World Music.
Na música «Sem querer» podemos ouvir: “Abandonei a tristeza/ Sem perceber que a beleza/ da alegria também chora”. Este excerto pode ser uma metáfora para a ideia de fado?
Exactamente. Aliás, o Hélder Moutinho, que é de uma família de fadistas como o Camané ou o Pedro Moutinho, conseguiu explicitar a própria essência do fado nesse poema.
E a alegria também chora?
Sim. Podemo-nos emocionar quando estamos alegres.
Brincando um pouco com outro dos fados que interpreta no seu mais recente disco, que flor gostaria que plantassem à varanda para lhe oferecer?
Uma rosa.
E o que é que a Joana Amendoeira tem à flor da pele?
Muitos sentimentos. Tenho a alma de fadista, o amor, a saudade, a vida. Pode-se resumir tudo a isso, à vida. O fado é isso mesmo.
In Primeiro de Janeiro
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