Carminho - Fado
Records - Junho 10, 2009
Este é um dos poucos momentos em que se foge à santa trindade (guitarra
portuguesa, viola baixo e guitarra clássica) que ocupa um disco próximo
da tradição, mas sem purismos.
Como é que se elogia uma fadista? Nove em dez vezes fala-se em alma, definição incorpórea e simplista para o que é uma equação com inúmeras variáveis: o timbre, a precisão, a dicção imaculada, a intensidade de cada arroubo. Mas ninguém é apenas uma coisa, pelo que sabemos que estamos na presença de uma grande fadista quando ela encerra contradições e ambiguidades.
Carminho tem uma característica única: consegue ser simultaneamente popular e contida, tão visceral quanto lúdica. Ouçam com atenção a sequência que a leva de “Palavras dadas” a “Espelho quebrado”. Em “Palavras dadas” não há rédeas na voz, ela dá todas as notas que quer, põe-se a estilar - basta ver o que faz a cada roubado, ou como canta palavras como “verdade” ou “amor”, prolongando aquele “ó”. É popular, é quase popularucha, mas é extraordinária, cheia de cor, com um prazer danado em pôr os pulmões cá para fora.
Esse é um dos segredos: o prazer que retiramos de a ouvir cantar é muito lúdico, mas não no sentido de encenação, antes no sentido de um prazer primário, quase gutural, algo que afecta o corpo. É o puro prazer de ouvir uma grande voz, com inatas qualidades fadistas, voz satisfeita que satisfaz.
Mas reparem o que ela faz a um dificílimo tema como “Espelho quebrado”, que Amália cantou: sentimos-lhe a respiração, mas a voz é muito mais contida. Quando sobe não sobe porque sim mas porque é impossível não subir, e quando desce (em “depois de o murmurar, deixou-me”) nota uma grande sensibilidade ao valor das palavras, ocupando apenas o espaço que o contra-baixo e a guitarra acústica deixam, com grande respeito pelo silêncio que o tema precisa.
Este é um dos poucos momentos em que se foge à santa trindade (guitarra portuguesa, viola baixo e guitarra de fado) que ocupa um disco próximo da tradição, mas sem purismos. Ela é magnífica quando pode ser gaiteira, como na “Marcha de Alfama” (controlo exímio do vibrato), e sabe dar calor à voz num fado melancólico e lindíssimo como “O Tejo corre no Tejo”, ou dar peso e fundura a uma coisa magnífica como “A voz”.
Carminho tem apenas 24 anos e canta como se nunca tivesse feito outra coisa. Tem a capacidade de nos fazer crer que o tempo parou e o fado está a nascer hoje, mesmo à nossa frente, como se não houvesse história. É uma ilusão e a essa ilusão chamamos Arte.
Carminho tem uma característica única: consegue ser simultaneamente popular e contida, tão visceral quanto lúdica. Ouçam com atenção a sequência que a leva de “Palavras dadas” a “Espelho quebrado”. Em “Palavras dadas” não há rédeas na voz, ela dá todas as notas que quer, põe-se a estilar - basta ver o que faz a cada roubado, ou como canta palavras como “verdade” ou “amor”, prolongando aquele “ó”. É popular, é quase popularucha, mas é extraordinária, cheia de cor, com um prazer danado em pôr os pulmões cá para fora.
Esse é um dos segredos: o prazer que retiramos de a ouvir cantar é muito lúdico, mas não no sentido de encenação, antes no sentido de um prazer primário, quase gutural, algo que afecta o corpo. É o puro prazer de ouvir uma grande voz, com inatas qualidades fadistas, voz satisfeita que satisfaz.
Mas reparem o que ela faz a um dificílimo tema como “Espelho quebrado”, que Amália cantou: sentimos-lhe a respiração, mas a voz é muito mais contida. Quando sobe não sobe porque sim mas porque é impossível não subir, e quando desce (em “depois de o murmurar, deixou-me”) nota uma grande sensibilidade ao valor das palavras, ocupando apenas o espaço que o contra-baixo e a guitarra acústica deixam, com grande respeito pelo silêncio que o tema precisa.
Este é um dos poucos momentos em que se foge à santa trindade (guitarra portuguesa, viola baixo e guitarra de fado) que ocupa um disco próximo da tradição, mas sem purismos. Ela é magnífica quando pode ser gaiteira, como na “Marcha de Alfama” (controlo exímio do vibrato), e sabe dar calor à voz num fado melancólico e lindíssimo como “O Tejo corre no Tejo”, ou dar peso e fundura a uma coisa magnífica como “A voz”.
Carminho tem apenas 24 anos e canta como se nunca tivesse feito outra coisa. Tem a capacidade de nos fazer crer que o tempo parou e o fado está a nascer hoje, mesmo à nossa frente, como se não houvesse história. É uma ilusão e a essa ilusão chamamos Arte.
João Bonifácio
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