Carlos do Carmo - Um homem na cidade
Records - Agosto 10, 2008
"Um
Homem na Cidade" é unanimemente considerado a sua grande
obra-prima discográfica e indubitavelmente um dos grandes discos da
música portuguesa de sempre.
Álbum conceptual sobre a cidade de Lisboa,
inteiramente com poemas de José Carlos Ary dos Santos, dele constam os
seguintes temas, alguns dos quais se tornariam clássicos: "Um Homem na
Cidade" (música de José Luís Tinoco), "O Cacilheiro" (música de Paulo
de Carvalho), "Fado do Campo Grande" (música de António Victorino
d’Almeida), "O Amarelo da Carris" (música de José Luís Tinoco),
"Namorados da Cidade" (música de Fernando Tordo), "Nova Feira da Ladra"
(música de Frederico de Brito), "O Homem das Castanhas" (música de
Paulo de Carvalho), "Rosa da Noite" (música de Joaquim Luís Gomes),
"Fado Varina" (música de Mário Moniz Pereira), "Fado dos Azulejos"
(música de Martinho d'Assunção), "Fado da Pouca Sorte" (música de
Fernando Tordo) e "Balada para Uma Velhinha" (música de Martinho
d'Assunção).
A execução instrumental esteve a cargo de Raul Nery (1.ª guitarra), António Chaínho (2.ª guitarra), Martinho da Assunção (viola) e José Maria Nóbrega (viola baixo), nem mais nem menos que a fina-flor no que respeita a instrumentistas da área do fado.
Como já se disse todos os poemas são da lavra de Ary dos Santos. «Foi uma ideia que o Ary teve. Resultou em vários temas da cidade, alguns considerados intemporais, outros que teriam a ver com referências que, com o tempo, serão apenas aguarelas de Lisboa», recorda Carlos do Carmo.
E acrescenta: «O Ary dos Santos gostava muito de fado e tinha uma grande ternura pelos fadistas antigos. Não está feito nenhum levantamento disso, mas tenho a certeza de que existem bons fados do Ary, que ele, num gesto de generosidade e ternura, deixou em algumas casas de fado. Tinha uma particular ternura pelas pessoas velhas e deixava numa noite umas quadras ou uns decassílabos a uma fadista antiga. Esse seu gosto pelo fado foi sublinhado no trabalho que fizemos».
E ao contrário do que geralmente sucede na concepção de canções, Ary dos Santos escreveu as letras sobre as músicas: «Os compositores foram-se deslocando a casa do Ary, tivemos momentos inesquecíveis. Cada poema era feito em cima da música e normalmente cada fado não demorava mais do que três horas a ser feito pelo Ary, que tinha uma imaginação que diria genial».
Sobre a génese do belíssimo "Fado do Campo Grande", com música de maestro António Victorino d’Almeida, então adido cultural em Viena, Carlos do Carmo conta: «Fomos os três à Gôndola, em frente da Gulbenkian, e depois viemos para casa. Mas no trajecto que fizemos da Av. de Berna para a Av. dos Estados Unidos da América, ao passarmos no Campo Grande, estava ali um prédio em ruínas e o António disse: "Se tivesse dinheiro não deixava que demolissem esta casa, onde passei a minha infância, e era aqui que gostava de viver o resto dos meus dias". E o Ary ouviu-o. Nessa noite surgiu "Fado do Campo Grande"».
Sobre o álbum assim escreveu Rui Catalão: «"Eu sou um homem na cidade/ que manhã cedo acorda e canta/ e por amar a liberdade/ com a cidade se levanta". Muitos anos depois, talvez pareça um abuso conotar este disco com a Revolução dos Cravos (a que qualquer trabalho deste período não consegue escapar, pela febre histórica que então se vivia), até pelos poemas de Ary dos santos, refugiados de euforias militantes que então celebrou com outros cantores. "Um Homem na Cidade" é, no entanto, uma peça diáfana e a sua luz matutina engana uma audição rápida (ou um olhar directo). Este disco celebra, por vezes de forma entusiasmada, outras melancólica, a cidade de Lisboa, mas a cidade castiça, dos gestos antigos, dos objectos que resistem ao tempo, dos ofícios que vão desaparecendo, dos bairros guardando os vestígios ancestrais, das ruas bronzeadas por um sol mouro. O que pode parecer frívolo num período de outras ambições. Acontece que "Um Homem na Cidade", erguido pela polida expressão da voz de Carlos do Carmo, está abençoado pela luz da liberdade, pela gentileza dos olhares frontais, pelas gentes redescobertas com uma imensa ternura».
A execução instrumental esteve a cargo de Raul Nery (1.ª guitarra), António Chaínho (2.ª guitarra), Martinho da Assunção (viola) e José Maria Nóbrega (viola baixo), nem mais nem menos que a fina-flor no que respeita a instrumentistas da área do fado.
Como já se disse todos os poemas são da lavra de Ary dos Santos. «Foi uma ideia que o Ary teve. Resultou em vários temas da cidade, alguns considerados intemporais, outros que teriam a ver com referências que, com o tempo, serão apenas aguarelas de Lisboa», recorda Carlos do Carmo.
E acrescenta: «O Ary dos Santos gostava muito de fado e tinha uma grande ternura pelos fadistas antigos. Não está feito nenhum levantamento disso, mas tenho a certeza de que existem bons fados do Ary, que ele, num gesto de generosidade e ternura, deixou em algumas casas de fado. Tinha uma particular ternura pelas pessoas velhas e deixava numa noite umas quadras ou uns decassílabos a uma fadista antiga. Esse seu gosto pelo fado foi sublinhado no trabalho que fizemos».
E ao contrário do que geralmente sucede na concepção de canções, Ary dos Santos escreveu as letras sobre as músicas: «Os compositores foram-se deslocando a casa do Ary, tivemos momentos inesquecíveis. Cada poema era feito em cima da música e normalmente cada fado não demorava mais do que três horas a ser feito pelo Ary, que tinha uma imaginação que diria genial».
Sobre a génese do belíssimo "Fado do Campo Grande", com música de maestro António Victorino d’Almeida, então adido cultural em Viena, Carlos do Carmo conta: «Fomos os três à Gôndola, em frente da Gulbenkian, e depois viemos para casa. Mas no trajecto que fizemos da Av. de Berna para a Av. dos Estados Unidos da América, ao passarmos no Campo Grande, estava ali um prédio em ruínas e o António disse: "Se tivesse dinheiro não deixava que demolissem esta casa, onde passei a minha infância, e era aqui que gostava de viver o resto dos meus dias". E o Ary ouviu-o. Nessa noite surgiu "Fado do Campo Grande"».
Sobre o álbum assim escreveu Rui Catalão: «"Eu sou um homem na cidade/ que manhã cedo acorda e canta/ e por amar a liberdade/ com a cidade se levanta". Muitos anos depois, talvez pareça um abuso conotar este disco com a Revolução dos Cravos (a que qualquer trabalho deste período não consegue escapar, pela febre histórica que então se vivia), até pelos poemas de Ary dos santos, refugiados de euforias militantes que então celebrou com outros cantores. "Um Homem na Cidade" é, no entanto, uma peça diáfana e a sua luz matutina engana uma audição rápida (ou um olhar directo). Este disco celebra, por vezes de forma entusiasmada, outras melancólica, a cidade de Lisboa, mas a cidade castiça, dos gestos antigos, dos objectos que resistem ao tempo, dos ofícios que vão desaparecendo, dos bairros guardando os vestígios ancestrais, das ruas bronzeadas por um sol mouro. O que pode parecer frívolo num período de outras ambições. Acontece que "Um Homem na Cidade", erguido pela polida expressão da voz de Carlos do Carmo, está abençoado pela luz da liberdade, pela gentileza dos olhares frontais, pelas gentes redescobertas com uma imensa ternura».
Rui Catalão, in "Os Melhores
Álbuns da Música Popular Portuguesa"
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