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Madredeus - Os dias da Madredeus

Records - Maio 10, 2008
EMI Music / 1988
Em Julho de 1987, os Madredeus gravam na igreja do convento de Xabregas, o seu disco de estreia, de título genérico "Os Dias da Madredeus".

O duplo LP é lançado pela EMI-VC a 7 de Dezembro do mesmo ano e é tal o entusiasmo com que o público e a crítica o acolhem (distinguido com o Se7e de Ouro na categoria de Música Ligeira), que a primeira tiragem em vinil se esgota em pouco tempo (a edição em CD sairá em Novembro de 1988). Embora com algumas limitações, sobretudo de ordem técnica, ao nível do som, o trabalho não deixa de ser notável pelo generoso desempenho dos músicos e pela fresca voz de Teresa Salgueiro em temas como "A Sombra" (à memória de António Variações), "A Vaca de Fogo", "Adeus... e Nem Voltei", "A Cantiga do Campo", "Fado do Mindelo", "A Cidade" e "Amanhã", não se devendo esquecer os instrumentais "As Montanhas", "A Península", "A Marcha da Oriental" e "A Andorinha". "Os Dias da Madredeus" marca o início da ascensão fulgurante de um projecto que rapidamente se afirma como uma das maiores referências da música portuguesa e tornando-se, por justíssimo mérito, o grupo português de maior projecção internacional.

Segundo Jorge Dias, "Os Dias da Madredeus" «para além se aquele que lançou a semente à terra, é um disco que ainda hoje mantém alguns dos melhores momentos da sua criação. Titubeante ainda, mas totalmente descomprometido ante estratégias que não as que levavam directamente à música, encerra pérolas que estabelecem um equilíbrio irrepetível entre fragilidade e rudeza, entre inocência e solenidade, e que na sua beleza são plenamente capazes de provocar arrepios na espinha a quem os ouça».

Recuemos ao germinar do grupo, citando ainda Jorge Dias: «Criados em 1986, do encontro entre Pedro Ayres Magalhães e Rodrigo Leão, os Madredeus começaram por ser um projecto que teve a sua origem em várias vontades. A primeira era para Pedro Ayres, o facto de "poder continuar a compor para língua portuguesa". A segunda, a de que queria tocar guitarra clássica, instrumento que já tinha tocado nos Heróis do Mar e que "era da sua predilecção". Depois havia a necessidade "de criar um espectáculo que fosse ecologicamente adequado a um meio em que os músicos que querem fazer da música a sua vida pudessem trabalhar" e que tivesse grande mobilidade, isto é, que pudesse tocar com muita ou pouca aparelhagem. Por último, porque Pedro Ayres tinha encontrado em Rodrigo Leão um bom interlocutor para discussões acerca da "poesia portuguesa naquilo que ela tem de mais universal e mais peculiar".

O processo foi lento. O disco só aconteceu ao fim de um ano e meio dos encontros terem começado nas suas casas e depois na igreja de Madredeus, que entretanto se tinha transformado em local de ensaios. Depois, também, do surgimento de Teresa Salgueiro, "para aí a décima quarta pessoa" que surgiu num processo de audições. E foi quando ela apareceu que o esforço começou verdadeiramente: "já existiam algumas canções, mas o repertório dos Madredeus deve ser visto sob essa luz, a de que foi composto para explorar ao máximo as características dramáticas e musicais da sua voz. Para que ela cantasse as letras com credibilidade e adequação". As gravações aconteceram em apenas três dias.

A ideia da edição tinha sido bem aceite pela EMI-Valentim de Carvalho, dada a boa relação que Pedro Ayres mantinha com os seus responsáveis desde a Fundação Atlântica. Mas o orçamento foi pouco discutido, tendo ficado à volta de 250 contos. O método de gravação foi inovador na altura: directamente para digital em duas pistas. "O álbum foi gravado no primeiro DAT que existiu cá. Nós tínhamos tido tempo para compor algumas canções, mas a construção do grupo também era a de uma escola de música.

E era muito melhor gravar a música como o grupo a fazia do que ir para estúdio confrontar os músicos com técnicas que não dominavam. Nesse sentido eu propus a gravação em directo, com o grupo a tocar em ensemble". O método de composição era basicamente colectivo. Mesmo quando o tema era de um músico, aos outros era proposto que inventassem partes que gostariam de tocar, como uma banda de rock. Um dos temas-chave do álbum é "Vaca de Fogo" cuja letra é baseada num ritual que Pedro Ayres tinha testemunhado em Barrosa, ao pé de Chaves, quando lá foi com os Heróis do Mar. "Estava lá e às tantas começo a ouvir no megafone: ‘Atenção, atenção, vai sair a vaca de fogo’. E que era aquilo? Um ataque da aldeia de baixo, com a aldeia de cima a defender-se soltando uma vaca de fogo – um indivíduo com uma armação feita de alumínio e palha, cheia de fogo de artifício e a dançar ao ritmo dos tambores".

No fundo "é a representação da surpresa que um tipo vindo de Lisboa tem perante coisas tão antigas e tradicionais". Outro dos temas fundamentais do álbum é "A Sombra", dedicado a António Variações: "A letra pretendia criar a imagem da solidão. Não a do António Variações, mas a do sentir português. Só quando foi editada no disco é que lhe foi dedicada". Para além disso, e segundo o livro de Jorge Pires, "Madredeus: Um Futuro Maior" (1995), "A Sombra" era também o tema que servia para eles testarem as cantoras.

Quem conseguisse cantar aquele "texto tão sinistro e melancólico quanto o título, um texto que despertava rumores com as suas referências às ruas de outrora, ao cais e a um cantar distante" passava a ser a voz do grupo. Teresa Salgueiro foi a que passou na prova vindo a dar corpo a "um formato da música de salão, com instrumentos acústicos, instrumentos a sublinhar melodias, com ou sem ritmo, e uma voz principal que cantava a poesia ou contava a história". Um formato que tinha inspiração na música trovadoresca e que para Pedro Ayres "estava directamente ligada à afirmação da nossa idiossincrasia como nação"»
in "Os Melhores Álbuns da Música Popular Portuguesa"


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