Fadário - António Manuel de Moraes
Books - Dezembro 02, 2009
Fadário é Fado, sorte, destino, amor, paixão, vida trabalhosa ou
apoquentada, traição até, tudo o que se pretende
descrever nestes trabalhos que agora surgem e nos quais participaram
alguns amigos do Fado.
É o próprio autor, António Manuel de Moraes, quem nos apresenta este seu livro com CD: «Conhecemos José Gomes Ferreira em 1972, quando nas tardes quentes de Verão o poeta descansava na esplanada que existia em frente à editora Portugália, onde as suas obras eram transformadas em livros. Foram estes que nos marcaram e influenciaram no sentido de nunca desistirmos de gostar de poesia ou de tentarmos transcrever para as letras os nossos sentimentos.
Não foi fácil para nós começarmos a falar com aquele senhor, que aparentava bondade e inteira liberdade nos seus longos cabelos brancos. Conservamos as suas obras e as palavras que nos escreveu, aconselhando a irmos de vez em quando à gaveta e relermos os nossos testemunhos. Foi isso que fizemos durante estes trinta e seis anos já passados!
Fadário é Fado, sorte, destino, amor, paixão, vida trabalhosa ou apoquentada, traição até, é tudo isto e muito mais, que se pretende descrever nestes trabalhos que agora surgem e nos quais participaram alguns amigos que encontrámos no Fado. Só com amizade, dedicação e muita vontade é possível conseguir algo que nos realize, porque não vivemos sós. E neste contexto saliento José Fontes Rocha, Joana Amendoeira e Pedro Pinhal, que se estreia como compositor, que foram trazendo a pouco e pouco outros amigos e acompanhantes, sempre com o beneplácito desse homem bom chamado Joaquim Balas. O Carlos Gonçalves e a Diamantina foram nossos convidados, a Luísa Rocha e a Célia Leiria, com os respectivos consortes, respectivamente Guilherme Banza e Pedro Amendoeira, vieram pouco depois. A Margarida Guerreiro, Carlos Garcia, Carlos Menezes, Júlio Garcia, Paulo Paz, Custódio Castelo e os restantes intervenientes no CD, foram peças importantes que se juntaram, competindo aquele último produzir o trabalho com o rigor e a arte que o mundo da música lhe reconhece, de forma a que possamos todos dizer que valeu a pena!
Quando a criança nasce há uma estrela que a vai guiar para sempre até cumprir o papel para que foi destinada. E não vale a pena tentar iludir esse caminho, consultar donos da verdade ou querer alterar constantemente o trajecto a percorrer durante a vida para que fomos criados. Há estrelas melhores e maiores do que outras, de primeira ou várias grandezas, que nada têm a ver com a origem social da criança, o resto pouco importa, porque a providência e o instinto se encarregam de apresentar o plano e o caminho para que tudo se cumpra.
O Universo rege-se por ele próprio, pela química e pela física que o compõem, tem explicações científicas e outras para a sua existência, só não tem princípio nem fim, auto-sustenta-se com a sua própria dinâmica, da qual a vida de todos nós faz parte.
Ao tomarmos conhecimento das leis da natureza, passamos a amar, mesmo inconscientemente, a sofrer mesmo conscientemente, a rir ou a chorar, consoante o destino se cumpre e ninguém foge ao que ele determina.
Neste trabalho discográfico, que se baseia em livro de poemas com idêntico título, o Fado aqui representado por uma mulher africana ("Corpo de Ébano" e "Hino à Cantadeira"), que embarca em caravelas dos Descobrimentos, atravessa o Atlântico ("Velho Mar"), desagua no Brasil onde as águas se misturam e ganha uma identidade ao desembarcar em Lisboa (Mouraria, Alfama ou Bairro Alto), através da voz de um marinheiro que canta a saudade ("Mundo Distante" ou "II Dinastia do Reino de Portugal"), o desejo de felicidade ("Praia de Sonhos - Fado Praia Grande"), até se afirmar um ser com personalidade própria ("Fado e Vinho") ou ("Não Vou Contar-te Um Segredo"). É assim que o Fado cumpre o seu próprio destino, ora gozando ("Guitarra Namorada" ou "Ondas em Forma de Fogo"), ora sofrendo ("Lágrimas de Dor ou Lágrimas Que Me Deste"), ora chorando por amor como no caso dos poemas de António Botto renovadamente visitados. Por vezes é louco ("Sonhos de Fado"), imaginativo ("Sorte Beijada" e "Águas Claras") ou sensual ("Corpo de Ébano" ou "Hino à Cantadeira"). Outras vezes, já cansado ("Na Praia Deserta Onde Adormeço"), recorda antes de se deitar, como foi e como é ("Fado e Vinho"). Tem também a tentação de se despedir de nós, como sucedeu um dia com Amália em Nova Iorque ("Despedida"), ou em 1974 quando foi maltratado por alguns que com ele aprenderam a lição e hoje são os primeiros a defendê-lo por necessidade, tendo feito com que o Fado quase tenha entrado em desespero ("Desespero"), quando se sentiu desprezado por causa de um xaile ("Deste um Xaile"), ou ainda porque já cá vive há mais de cento e cinquenta anos e também se cansa ("Cordas Partidas" e "Poema do Tempo"), uma homenagem sofrida a José Fontes Rocha que os poderes públicos nunca consideraram devidamente, mesmo sendo um dos maiores e melhores compositores musicais portugueses de sempre, esquecendo-se de que o guitarrista, tal como Carlos Gonçalves, foram os principais sustentáculos da carreira de Amália Rodrigues.
O Fado foi visitar as flores que aquela tinha no Brejão ("As Flores do Meu Jardim"), e tanto as amava, como ao Alentejo ("Meu Alentejo, Meu Fado"), onde a sublime intérprete as plantou à espera que alguém cumprisse o seu destino ("Minha Paz e Meu Descanso - Silêncio"). Repousa agora em sossegado jardim, onde as pedras mais parecem flores perenes que nunca murcham, ou guitarras que como a de Paredes ("Tua Guitarra Portuguesa"), entram na alma de forma permanente, fazendo-nos lembrar um coro de anjos no Paraíso.
Porém, o Fado também morre de certo modo ("Folhas"), o que acontece a quem o canta ou toca de forma insubstituível e daí ("Homenagem - Fado Nunes da Cunha"), fado-marcha de grande inspiração e sentir de Carlos Gonçalves, que uma voz e alma de grandes sentimentos materializa. Faz-nos chorar de saudade e recordar como símbolo dos que tudo fizeram por ele, ora doce como uma amêndoa recheada de mel, ora triste, elegante e sentimental ("Porque Choras? Diz-me Nuvem").
O ciclo da vida do Fado tem sido como a do comum dos mortais, com altos e baixos ("Guitarra Namorada", "Saia Amarela", "Dois Dias", "Cama Fria" ou "Sinto Que Estás a Chegar"). Às vezes até parece que ressuscita ("Voltaste" ou "Amália Continuas em Nós" personificados no tema "Variações do Fado Amália" de Frederico Valério com arranjos e interpretação de José Fontes Rocha), neste caso simbolizando a nova geração a quem o fado tanto diz, representada por cantadores, compositores ou músicos do Fado que hoje nos encantam. Tudo isto para que sintamos a alma cheia e compreendermos da melhor forma o caminho que o destino nos traçou, como sucede em ("Neste Quente Te Enlaço"), ou quando o Poeta, elemento fundamental do Fado, morre e é conduzido ao céu, porque só pode ir para aí, por uma guarda de honra de pombas ("Chegaram Pombas ao Céu"), apesar do vate nunca morrer.
É preciso (Dar Tempo ao Tempo), às vezes tempo de mais para que ele seja reconhecido, olhem Camões, sintam Pessoa, porque o poeta, o compositor, o músico, o fadista, um dia pode sentir que "sou do tempo em que no tempo as rosas floresciam, muda o tempo, é outro tempo, em que rosas não cresciam!". Ou seja, se nós os homenagearmos na hora útil, tal como homenageamos o Fado nestes trabalhos de várias pessoas, entre as quais o prefaciante, meu querido amigo Jorge Braga de Macedo, a designer, o editor, os construtores e inventores de fados que iam "às vezes ao luar ver as rosas a nascer, um dia, já ao tardar, já nenhuma podem ver!" e os intérpretes, não perdemos tempo. Todos eles foram capazes de compreender as mensagens e traduzi-las da melhor forma, pondo todo o sentimento e a alma no seu empreendimento.
Se assim não for, isto dá para pensar nas mudanças, nas esperanças perdidas e depois só se pode chegar à conclusão de que "não vale a pena viver sonhos do passado e termos pena de morrer neste nosso fado!" ("Poema do Tempo"), que dedicámos a um amigo quando fez 80 anos.
É por isso que vai para todos aqueles inventores de sonhos a nossa sincera homenagem e agradecer-lhes o que fizeram pelo Fado e pela nossa alegria!» (António Manuel de Moraes, 25.02.2008)
Restringindo a minha apreciação ao CD, e apesar do desigual valor interpretativo/vocal das cinco cantoras participantes (Joana Amendoeira, Margarida Guerreiro, Célia Leiria, Luísa Rocha e Diamantina), "Fadário" é um trabalho que se saúda e se recomenda. Atente-se, por exemplo, no espécime verdadeiramente sublime que é "Cordas Partidas (Fado do Fontes)", na bela voz de Joana Amendoeira.
Não foi fácil para nós começarmos a falar com aquele senhor, que aparentava bondade e inteira liberdade nos seus longos cabelos brancos. Conservamos as suas obras e as palavras que nos escreveu, aconselhando a irmos de vez em quando à gaveta e relermos os nossos testemunhos. Foi isso que fizemos durante estes trinta e seis anos já passados!
Fadário é Fado, sorte, destino, amor, paixão, vida trabalhosa ou apoquentada, traição até, é tudo isto e muito mais, que se pretende descrever nestes trabalhos que agora surgem e nos quais participaram alguns amigos que encontrámos no Fado. Só com amizade, dedicação e muita vontade é possível conseguir algo que nos realize, porque não vivemos sós. E neste contexto saliento José Fontes Rocha, Joana Amendoeira e Pedro Pinhal, que se estreia como compositor, que foram trazendo a pouco e pouco outros amigos e acompanhantes, sempre com o beneplácito desse homem bom chamado Joaquim Balas. O Carlos Gonçalves e a Diamantina foram nossos convidados, a Luísa Rocha e a Célia Leiria, com os respectivos consortes, respectivamente Guilherme Banza e Pedro Amendoeira, vieram pouco depois. A Margarida Guerreiro, Carlos Garcia, Carlos Menezes, Júlio Garcia, Paulo Paz, Custódio Castelo e os restantes intervenientes no CD, foram peças importantes que se juntaram, competindo aquele último produzir o trabalho com o rigor e a arte que o mundo da música lhe reconhece, de forma a que possamos todos dizer que valeu a pena!
Quando a criança nasce há uma estrela que a vai guiar para sempre até cumprir o papel para que foi destinada. E não vale a pena tentar iludir esse caminho, consultar donos da verdade ou querer alterar constantemente o trajecto a percorrer durante a vida para que fomos criados. Há estrelas melhores e maiores do que outras, de primeira ou várias grandezas, que nada têm a ver com a origem social da criança, o resto pouco importa, porque a providência e o instinto se encarregam de apresentar o plano e o caminho para que tudo se cumpra.
O Universo rege-se por ele próprio, pela química e pela física que o compõem, tem explicações científicas e outras para a sua existência, só não tem princípio nem fim, auto-sustenta-se com a sua própria dinâmica, da qual a vida de todos nós faz parte.
Ao tomarmos conhecimento das leis da natureza, passamos a amar, mesmo inconscientemente, a sofrer mesmo conscientemente, a rir ou a chorar, consoante o destino se cumpre e ninguém foge ao que ele determina.
Neste trabalho discográfico, que se baseia em livro de poemas com idêntico título, o Fado aqui representado por uma mulher africana ("Corpo de Ébano" e "Hino à Cantadeira"), que embarca em caravelas dos Descobrimentos, atravessa o Atlântico ("Velho Mar"), desagua no Brasil onde as águas se misturam e ganha uma identidade ao desembarcar em Lisboa (Mouraria, Alfama ou Bairro Alto), através da voz de um marinheiro que canta a saudade ("Mundo Distante" ou "II Dinastia do Reino de Portugal"), o desejo de felicidade ("Praia de Sonhos - Fado Praia Grande"), até se afirmar um ser com personalidade própria ("Fado e Vinho") ou ("Não Vou Contar-te Um Segredo"). É assim que o Fado cumpre o seu próprio destino, ora gozando ("Guitarra Namorada" ou "Ondas em Forma de Fogo"), ora sofrendo ("Lágrimas de Dor ou Lágrimas Que Me Deste"), ora chorando por amor como no caso dos poemas de António Botto renovadamente visitados. Por vezes é louco ("Sonhos de Fado"), imaginativo ("Sorte Beijada" e "Águas Claras") ou sensual ("Corpo de Ébano" ou "Hino à Cantadeira"). Outras vezes, já cansado ("Na Praia Deserta Onde Adormeço"), recorda antes de se deitar, como foi e como é ("Fado e Vinho"). Tem também a tentação de se despedir de nós, como sucedeu um dia com Amália em Nova Iorque ("Despedida"), ou em 1974 quando foi maltratado por alguns que com ele aprenderam a lição e hoje são os primeiros a defendê-lo por necessidade, tendo feito com que o Fado quase tenha entrado em desespero ("Desespero"), quando se sentiu desprezado por causa de um xaile ("Deste um Xaile"), ou ainda porque já cá vive há mais de cento e cinquenta anos e também se cansa ("Cordas Partidas" e "Poema do Tempo"), uma homenagem sofrida a José Fontes Rocha que os poderes públicos nunca consideraram devidamente, mesmo sendo um dos maiores e melhores compositores musicais portugueses de sempre, esquecendo-se de que o guitarrista, tal como Carlos Gonçalves, foram os principais sustentáculos da carreira de Amália Rodrigues.
O Fado foi visitar as flores que aquela tinha no Brejão ("As Flores do Meu Jardim"), e tanto as amava, como ao Alentejo ("Meu Alentejo, Meu Fado"), onde a sublime intérprete as plantou à espera que alguém cumprisse o seu destino ("Minha Paz e Meu Descanso - Silêncio"). Repousa agora em sossegado jardim, onde as pedras mais parecem flores perenes que nunca murcham, ou guitarras que como a de Paredes ("Tua Guitarra Portuguesa"), entram na alma de forma permanente, fazendo-nos lembrar um coro de anjos no Paraíso.
Porém, o Fado também morre de certo modo ("Folhas"), o que acontece a quem o canta ou toca de forma insubstituível e daí ("Homenagem - Fado Nunes da Cunha"), fado-marcha de grande inspiração e sentir de Carlos Gonçalves, que uma voz e alma de grandes sentimentos materializa. Faz-nos chorar de saudade e recordar como símbolo dos que tudo fizeram por ele, ora doce como uma amêndoa recheada de mel, ora triste, elegante e sentimental ("Porque Choras? Diz-me Nuvem").
O ciclo da vida do Fado tem sido como a do comum dos mortais, com altos e baixos ("Guitarra Namorada", "Saia Amarela", "Dois Dias", "Cama Fria" ou "Sinto Que Estás a Chegar"). Às vezes até parece que ressuscita ("Voltaste" ou "Amália Continuas em Nós" personificados no tema "Variações do Fado Amália" de Frederico Valério com arranjos e interpretação de José Fontes Rocha), neste caso simbolizando a nova geração a quem o fado tanto diz, representada por cantadores, compositores ou músicos do Fado que hoje nos encantam. Tudo isto para que sintamos a alma cheia e compreendermos da melhor forma o caminho que o destino nos traçou, como sucede em ("Neste Quente Te Enlaço"), ou quando o Poeta, elemento fundamental do Fado, morre e é conduzido ao céu, porque só pode ir para aí, por uma guarda de honra de pombas ("Chegaram Pombas ao Céu"), apesar do vate nunca morrer.
É preciso (Dar Tempo ao Tempo), às vezes tempo de mais para que ele seja reconhecido, olhem Camões, sintam Pessoa, porque o poeta, o compositor, o músico, o fadista, um dia pode sentir que "sou do tempo em que no tempo as rosas floresciam, muda o tempo, é outro tempo, em que rosas não cresciam!". Ou seja, se nós os homenagearmos na hora útil, tal como homenageamos o Fado nestes trabalhos de várias pessoas, entre as quais o prefaciante, meu querido amigo Jorge Braga de Macedo, a designer, o editor, os construtores e inventores de fados que iam "às vezes ao luar ver as rosas a nascer, um dia, já ao tardar, já nenhuma podem ver!" e os intérpretes, não perdemos tempo. Todos eles foram capazes de compreender as mensagens e traduzi-las da melhor forma, pondo todo o sentimento e a alma no seu empreendimento.
Se assim não for, isto dá para pensar nas mudanças, nas esperanças perdidas e depois só se pode chegar à conclusão de que "não vale a pena viver sonhos do passado e termos pena de morrer neste nosso fado!" ("Poema do Tempo"), que dedicámos a um amigo quando fez 80 anos.
É por isso que vai para todos aqueles inventores de sonhos a nossa sincera homenagem e agradecer-lhes o que fizeram pelo Fado e pela nossa alegria!» (António Manuel de Moraes, 25.02.2008)
Restringindo a minha apreciação ao CD, e apesar do desigual valor interpretativo/vocal das cinco cantoras participantes (Joana Amendoeira, Margarida Guerreiro, Célia Leiria, Luísa Rocha e Diamantina), "Fadário" é um trabalho que se saúda e se recomenda. Atente-se, por exemplo, no espécime verdadeiramente sublime que é "Cordas Partidas (Fado do Fontes)", na bela voz de Joana Amendoeira.
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