Mafalda Arnauth - "Este é o meu fado"
Entrevistas - Outubro 14, 2010
Depois do tributo a Ary dos Santos, materializado na Rua da Saudade,
Mafalda Arnauth presta uma homenagem às vozes de eleição em «Fadas». Um
disco com arranjos que vão para além do fado.
Na Rua da Saudade, emprestou a voz a um tributo a Ary dos Santos. E agora, uma outra homenagem…
É engraçado porque se pensar na raiz dos dois projectos, ambos batem no ano de 2008 em que eu recebo o convite do Renato (Júnior, mentor da Rua da Saudade). Eu estava a preparar o concerto para o Castelo de São Jorge em que iria apresentar clássicos, standards e raridades. Se calhar, as coisas não estão completamente separadas. Ao fim de dez anos a gravar originais, eu tinha mesmo vontade de cantar as músicas que me levaram a ser cantora. Muitas vezes, o público perguntava se um determinado tema estava no disco. Acabou por bater tudo certo. Foi um prazer enorme cantar estes temas e juntar aquele grupo de músicos com os arranjos que eles trouxeram. É um tributo merecido.
A Rua da Saudade abriu-lhe horizontes para lá do espectro fadista?
Sim, se bem que no meu disco há um balanço fadista que eu nem sempre oiço em discos de fado. O arrojo nos arranjos foi sempre uma intenção minha em relação aos sons. Como são tocados por seres humanos, sempre me pareceu que deveriam reflectir as conversas mantidas. O acordeão, o violoncelo e o saxofone falam como se fosse uma narrativa. No fundo, vou beber ao mais profundo do fado. São essas as minhas raízes. No «E Se Não For Fado», o Tiago Torres da Silva acertou na mouche em relação ao meu questionar. No fundo, o que eu quero dizer é que este é o meu fado. Não pretendo apresentar um fado tradicional e purista. A Rua da Saudade incentivou-me a puxar pelo lado de intérprete e a dar mais força às palavras. Deixei-me ir o que é um risco mas valeu a pena.
Aqui, qual é a diferença entre deixar-se ir ou racionalizar a alma?
A diferença é chegarmos a estúdio, haver um arranjo e ele ser maleável. Isto mostra que há espaço no tema, abertura das pessoas e compromisso. Isso faz a diferença. O fado Menor foi uma ida a estúdio com o Ramon Maschio, gravar para o disco dele e sair à primeira. Eu não sou daquelas artistas que possa dizer que tem os takes todos à primeira.
Isso resulta do disco ter nascido no palco?
Sim, e também de se ter visto o resultado na prática, a reacção do público e a confiança nas pessoas com quem trabalhamos. É sempre uma incógnita mas já temos um ponto de partida. O ambiente em estúdio foi tão tranquilo… A base musical foi feita numa semana e ao longo de dois anos, pude gravar quando me apetecesse. Eu já não ouvia o disco há dois meses e quando voltei ao que tinha gravado, comovi-me mesmo. Há uma série de emoções que estão lá.
Foi um parto tranquilo…
O mais tranquilo. O «Flor de Fado» já tinha sido mas este ainda foi mais. Aqueles estúdios do Naná (Sousa Dias) em Salvaterra de Magos já não são segredo para ninguém que grave fado. Se não apetece gravar, cá fora há gatos, natureza…
Foi difícil filtrar o alinhamento do espectáculo para o disco?
Não, há uma idade em que queremos fazer tudo. Com o tempo, sentimos o que está realmente capaz. Estes foram os arranjos que definitivamente ficaram. Depois, houve espaço para a improvisação, como o «Fado Menor» e o tal tema do (Astor) Piazolla, que eu já tinha gravado num tributo a propósito dos quinze anos da morte dele. Desta vez, eu disse ao Ramon que queria só uma viola e isso só é possível quando há conhecimento. Estalámos os dedos, fomos para estúdio e gravámos. Claro que houve coisas que ficaram de fora. Uma das vozes que eu queria homenagear era a Fernanda Maria. Ela tem uma rapsódia no YouTube que é um tratado. Se quisesse estudar as raízes do fado, bastava-me isso. Mas não dá para fazer tudo e às vezes é melhor concentrarmo-nos naquilo que está realmente bom. Outras há que estão melhor no universo da memória popular.
Houve algum critério para além do elogio às mulheres que a levaram a ser fadista e a Astor Piazolla?
O critério passa mais por alinhar. É como escolher canções para um espectáculo. Geralmente, começo pelo fim. Pelo que não pode deixar de estar. Com este disco, foi parecido. Escolhi aquilo que me apetecia mesmo gravar. São os temas de encher a boca. Onde eu perco mais tempo, é na sequência. Tento afastar-me o mais possível, o que é sempre complicado. Isso já tem a ver com subtilezas. Por exemplo, com arranjos parecidos. É uma questão de distribuição.
Depois das «Fadas», o que é que pode vir a seguir?
É como sempre. Quando foi editado o «Flor de Fado», eu já tinha a base para este. Os discos inspiram discos e os iPhones ajudam imenso porque a qualquer momento é possível a gravar. Já tenho saudades da cantautora e da comunicadora das minhas próprias palavras. Quero levar este disco para a estrada e começar a criar o futuro. Gostava de ter um descanso nos próximos tempos mas se tudo está a correr tão bem, apetece não perder a embalagem. Voltar às minhas palavras e aos meus sons.
A estrada alarga as fronteiras do fado?
Alarga. E mais do que a estrada, o acesso a. Eu já nasci no tempo em que o mundo inteiro é uma janela aberta. (Charles) Aznavour ou (Astor) Piazolla são muito necessários à minha inspiração.
Já não é uma heresia ir beber a esses autores…
Já não. Eu também não engano ninguém. Não digo que isto é fado puro. É simplesmente o meu fado.
É engraçado porque se pensar na raiz dos dois projectos, ambos batem no ano de 2008 em que eu recebo o convite do Renato (Júnior, mentor da Rua da Saudade). Eu estava a preparar o concerto para o Castelo de São Jorge em que iria apresentar clássicos, standards e raridades. Se calhar, as coisas não estão completamente separadas. Ao fim de dez anos a gravar originais, eu tinha mesmo vontade de cantar as músicas que me levaram a ser cantora. Muitas vezes, o público perguntava se um determinado tema estava no disco. Acabou por bater tudo certo. Foi um prazer enorme cantar estes temas e juntar aquele grupo de músicos com os arranjos que eles trouxeram. É um tributo merecido.
A Rua da Saudade abriu-lhe horizontes para lá do espectro fadista?
Sim, se bem que no meu disco há um balanço fadista que eu nem sempre oiço em discos de fado. O arrojo nos arranjos foi sempre uma intenção minha em relação aos sons. Como são tocados por seres humanos, sempre me pareceu que deveriam reflectir as conversas mantidas. O acordeão, o violoncelo e o saxofone falam como se fosse uma narrativa. No fundo, vou beber ao mais profundo do fado. São essas as minhas raízes. No «E Se Não For Fado», o Tiago Torres da Silva acertou na mouche em relação ao meu questionar. No fundo, o que eu quero dizer é que este é o meu fado. Não pretendo apresentar um fado tradicional e purista. A Rua da Saudade incentivou-me a puxar pelo lado de intérprete e a dar mais força às palavras. Deixei-me ir o que é um risco mas valeu a pena.
Aqui, qual é a diferença entre deixar-se ir ou racionalizar a alma?
A diferença é chegarmos a estúdio, haver um arranjo e ele ser maleável. Isto mostra que há espaço no tema, abertura das pessoas e compromisso. Isso faz a diferença. O fado Menor foi uma ida a estúdio com o Ramon Maschio, gravar para o disco dele e sair à primeira. Eu não sou daquelas artistas que possa dizer que tem os takes todos à primeira.
Isso resulta do disco ter nascido no palco?
Sim, e também de se ter visto o resultado na prática, a reacção do público e a confiança nas pessoas com quem trabalhamos. É sempre uma incógnita mas já temos um ponto de partida. O ambiente em estúdio foi tão tranquilo… A base musical foi feita numa semana e ao longo de dois anos, pude gravar quando me apetecesse. Eu já não ouvia o disco há dois meses e quando voltei ao que tinha gravado, comovi-me mesmo. Há uma série de emoções que estão lá.
Foi um parto tranquilo…
O mais tranquilo. O «Flor de Fado» já tinha sido mas este ainda foi mais. Aqueles estúdios do Naná (Sousa Dias) em Salvaterra de Magos já não são segredo para ninguém que grave fado. Se não apetece gravar, cá fora há gatos, natureza…
Foi difícil filtrar o alinhamento do espectáculo para o disco?
Não, há uma idade em que queremos fazer tudo. Com o tempo, sentimos o que está realmente capaz. Estes foram os arranjos que definitivamente ficaram. Depois, houve espaço para a improvisação, como o «Fado Menor» e o tal tema do (Astor) Piazolla, que eu já tinha gravado num tributo a propósito dos quinze anos da morte dele. Desta vez, eu disse ao Ramon que queria só uma viola e isso só é possível quando há conhecimento. Estalámos os dedos, fomos para estúdio e gravámos. Claro que houve coisas que ficaram de fora. Uma das vozes que eu queria homenagear era a Fernanda Maria. Ela tem uma rapsódia no YouTube que é um tratado. Se quisesse estudar as raízes do fado, bastava-me isso. Mas não dá para fazer tudo e às vezes é melhor concentrarmo-nos naquilo que está realmente bom. Outras há que estão melhor no universo da memória popular.
Houve algum critério para além do elogio às mulheres que a levaram a ser fadista e a Astor Piazolla?
O critério passa mais por alinhar. É como escolher canções para um espectáculo. Geralmente, começo pelo fim. Pelo que não pode deixar de estar. Com este disco, foi parecido. Escolhi aquilo que me apetecia mesmo gravar. São os temas de encher a boca. Onde eu perco mais tempo, é na sequência. Tento afastar-me o mais possível, o que é sempre complicado. Isso já tem a ver com subtilezas. Por exemplo, com arranjos parecidos. É uma questão de distribuição.
Depois das «Fadas», o que é que pode vir a seguir?
É como sempre. Quando foi editado o «Flor de Fado», eu já tinha a base para este. Os discos inspiram discos e os iPhones ajudam imenso porque a qualquer momento é possível a gravar. Já tenho saudades da cantautora e da comunicadora das minhas próprias palavras. Quero levar este disco para a estrada e começar a criar o futuro. Gostava de ter um descanso nos próximos tempos mas se tudo está a correr tão bem, apetece não perder a embalagem. Voltar às minhas palavras e aos meus sons.
A estrada alarga as fronteiras do fado?
Alarga. E mais do que a estrada, o acesso a. Eu já nasci no tempo em que o mundo inteiro é uma janela aberta. (Charles) Aznavour ou (Astor) Piazolla são muito necessários à minha inspiração.
Já não é uma heresia ir beber a esses autores…
Já não. Eu também não engano ninguém. Não digo que isto é fado puro. É simplesmente o meu fado.
Davide Pinheiro
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