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Cristina Nóbrega expôs "Retratos" no Martinho D'Arcada

Arquivo - Outubro 18, 2010
A simplicidade e o bom gosto são a chave para a elegância. Estas duas características juntam-se num lugar tão emblemático como o ‘Martinho da Arcada’ em Lisboa, ex-"Café da Neve".

Era um lugar frequentado por pessoas de importância, desde Fernando Pessoa a José Saramago, e outros, como o historiador e militar Lopes de Mendonça e António Botto, e políticos de ideologia tão diversa como António Ferro e Manuel de Arriaga. Sem dúvida, entre as suas paredes têm-se gerado ideias e escrito páginas importantes da história de Portugal.

Neste espaço único Cristina Nóbrega apresentou o seu segundo álbum, uma obra que sem dúvida vai fazer história, composto por dezasseis novas canções que representam uma nova forma de fado, tanto em frescura e musicalidade das composições, como poemas, transbordantes de actualidade. Produzido por Luís Pedro Fonseca, um experiente produtor e compositor, sem muita tradição no fado, é o autor da música de dez temas e revela um sentido intuitivo para este género, independentemente da métrica e outras questões estritamente técnicas, hoje em dia tão imprecisas, que poderiam muito bem chamar-se "Fado Luis Fonseca". A música é perfeitamente adequada para cada poema reforçando o seu sentido ora triste, ora feliz ou triste ironia. E a simplicidade das composições de muitos deles é tão cativante, bastando ouvi-los para passar o dia a cantarolá-los. Um disco para todos os públicos, em sentido estritamente fadista.

Não menos importantes são duas baladas compostas por Zé Manuel Martins, num belo poema de Miguel Torga "Súplica" e outro de Fernando Pessoa "Não sei Quantas almas Tenho". Mário Pacheco musicou, no seu estilo habitual, um belo poema de Reinaldo Ferreira "Passemos, tu e eu, devagarinho". O nosso querido e brilhante José Fontes Rocha, que infelizmente devido a problemas de saúde não pôde pessoalmente gravar a sua música ao sabor do ritmo das ondas, num poema de Cabral do Nascimento: "Cantiga" e Carlos Gonçalves, um dos melhores compositores e guitarristas de todos os tempos coloca a sua originalidade e a sua guitarra em dois outros poemas "Coração Alado", e o melhor de todos para o meu gosto "Questão de culpa", com letra do poeta-fadista Vasco Graça Moura.

Certamente naquela mesa ao fundo foram escritas por Pessoa algumas letras para o seu "Bebezinho": Ofélia, enquanto ela esperava com ansiosa paixão a chegada de Osório. Com a mesma expectativa se esperava o início deste evento, conduzido por Manuel Rodrigues que animadamente desenrolou o acto incluindo anedotas e agradecimentos ao apoio do público, que mal cabia na sala. Entre eles nomes como Joel Pina, Luis Ribeiro, Carlos Gonçalves, Mario Pacheco, José Maria Nóbrega, Luis Pedro Fonseca, os pintores Júlio Pomar e Real Bordalo, Américo Lourenço, entre outros do universo do fado, e onde foram lidos emotivos comentários enviados por duas ausências importantes: Professor Rui Vieira Nery e Vasco Graça Moura, que por várias razões não puderam comparecer.

Na apresentação Cristina Nóbrega cantou "Gato que brincas na rua" de Fernando Pessoa (grande poeta, mas fadista pouco), acompanhada por outro de meus guitarristas favoritos: Luis Guerreiro e viola de Rogério Ferreira. Neste CD, Cristina Nóbrega é acompanhada pela guitarra e o talento de José Manuel Neto, à viola pelo peculiar Rogério Ferreira e pelo contrabaixo de Pedro Festa. Com um convidado especial para duas ocasiões: Carlos Gonçalves.

O título do álbum: Retratos. Retratos, contava Ophelia após nove anos desde o fim desse amor, que o seu sobrinho lhe mostrou o famoso retrato de Pessoa bebendo um copo de vinho no Abel Pereira da Fonseca. Ofélia pediu a Carlos Queiróz que gostaria de ter uma cópia desse retrato, Pessoa enviou-lhe uma cópia com a seguinte dedicatória "Fernando Pessoa em flagrante delitro". Flagrante delírio transcorre neste trabalho, dando-lhe o prestígio de artistas citados: Fontes Rocha, Carlos Gonçalves, Mario Pacheco, José Manuel Neto, Rogério Ferreira, Fernando Pessoa, Vasco Graça Moura, Florbela Espanca e todos os outros participantes neste grupo, e acima de tudo, a fadista Cristina Nóbrega, que após dois anos, é agora mais clara e objectivamente, uma das maiores figuras do fado, tem postura, voz e jeito fadista. (Com tais bons ingredientes, o prato é uma delícia).

Diz Carlos Queiroz que estava no Café da Arcada, como lhe chamava Pessoa, em 1935, pouco antes de sua morte, quando encontrou ali Pessoa e perguntou-lhe por Ofélia ... Pessoa levou as mãos firmemente aos olhos cheios de lágrimas e apenas disse: "Bela Alma! Bela Alma!". Bela Alma é também a de Cristina Nóbrega quando coloca a sua voz, os seus sentimentos e sua maneira pessoal e emotiva de cantar o fado em poemas como "Talvez" de Vasco Graça Moura (outra obra-prima), "A Ilha", de José Fanha, "Se tu viesses a ver-me hoje…" emocionante poema de Florbela Espanca ou outros mais alegres, “Só para saudades näo” ou “Poema sem nome” de Augusto Gil, todos com música de Luís Pedro Fonseca.

Narrava Ofélia, uma passagem especialmente engraçada: Em certa ocasião encontravam-se na paragem do eléctrico em São Bento e num desses assomos repentinos, Pessoa empurrou-a por uma escadaria. Ela não entendia o que se passava e pensou que pela sua timidez, se estivesse escondendo de alguém que não queria que os visse juntos. Textualmente escreve: “...Mas sem eu esperar agarrou-me com toda a força e beijou-me: Um beijo enorme, enorme...” Igualmente Cristina Nóbrega, com semelhante paixão, agarrou o fado para fazer um disco enorme, enorme...
Texto e foto: Javier Gonzalez
Tradução: Portal do Fado


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Comentários
#1 José luis de Oliveira 2010-10-18 16:58 Apenas extraodinario, Cristina Nobrega vem trazer novos fados ao fado, poemas nunca dantes navegados, é novo, como o fascinio das descobertas. Citação
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