Jorge Fernando: "Penso que o Barreiro me transmitiu grandes valores"
Jornal do Barreiro (JB): O fadista Jorge Fernando não sobe aos palcos do Barreiro há algum tempo. Por que razão os barreirenses não o têm visto mais vezes na sua terra?
Jorge Fernando (JF): Essa é uma pergunta à qual não posso responder
directamente porque, por mim, cantava todos os dias no Barreiro. Esta é a
minha gente, a minha grande família e, portanto, isso passa pelas
entidades oficiais. Para mim é sempre um orgulho enorme cantar no
Barreiro. Foi aqui que cresci e que tenho as minhas raízes.
Culturalmente formei-me aqui e sou muito mais do Barreiro do que de
Lisboa, onde eu nasci. Vim com 11 anos para esta terra; foi cá que
estudei e me tornei homem e pai. Foi aqui que comecei a compor e a
escrever, aos 15 anos. Portanto, sou muito mais ‘camarro’ do que
lisboeta.
JB: Quer recordar um pouco as recordações que guarda consigo desta terra?
JF: As memórias são muitas porque eu não sou o tipo de pessoa que passa
ao lado da vida. Vivo intensamente cada dia, observo muito a existência
das pessoas e, como tal, penso que diariamente tenho coisas para
recordar do Barreiro. Mas o meu tempo escolar, os meus tempos de
futebolista são tudo gratas recordações que, de vez em quando, passo
para o papel porque foram marcantes. E nós sabemos, e é estudado
psicologicamente, que a nossa infância e juventude perseguem-nos a vida
inteira. Penso que o Barreiro me transmitiu grandes valores e é uma
terra de grandes valores. Hoje não seria o mesmo sem ter crescido no
Barreiro.
JB: Como é que se associou a este projecto da Santa Casa do Barreiro?
JF: Eu sou sensível a todos os organismos que têm como fito fazer
aquilo que o Estado não faz e a SCMB, há centenas de anos, que o vem
fazendo. É um papel que nem o Estado nem a própria Igreja, que fomenta a
palavra eucarística, de fraternidade e de ajuda ao ser humano, cumprem.
A SCMB é mais um dos organismos que tem hasteado a bandeira da
solidariedade para com os desprotegidos. Embora contando com alguns
fundos estatais, estes não são de modo algum suficientes para suportar o
que, por exemplo, a SCMB. Portanto, é uma acção de louvar e eu estarei
sempre ao dispor destas iniciativas que visam não só homenagear como
também arranjar fundos para que a obra continue.
JB: Jorge Fernando tem recebido alguns prémios, como o Prémio Amália Rodrigues ‘Melhor Viola’. Sente assim que o seu trabalho pelo Fado tem sido reconhecido?
JF: Eu não sou muito dado a prémios e a medalhas. Tenho recebido alguns
prémios na minha vida, mas o único prémio que tenho em casa foi porque
mo entregaram no momento, um Prémio de Cultura Italiano pelo trabalho
desenvolvido no Fado. Mas tenho recebido sim outros prémios,
nomeadamente o Prémio Amália que não fui receber. Os meus prémios são
estas festas, o convívio com as pessoas, o saber que sou o autor mais
cantado na área do Fado e os duetos que vou fazendo e as pessoas que vão
participando comigo – essas são as minhas medalhas.
JB: Quer deixar uma mensagem aos barreirenses que, como diz, fazem parte da sua família?
JF: Eu cresci numa terra muito cultural em todas as vertentes e gostava
que isso não se perdesse. O Barreiro é uma terra com um estigma muito
forte no poder político e é preciso mostrar a toda a gente que esta é
uma terra de grande valor, de grandes joias e pérolas: Mariette Pessanha
(fadista); Marco Paulo (cantor), que não sendo barreirense também foi
aqui que se criou; Maria de Lurdes Resende (cantora) … No futebol então,
seria cansativo nomear os barreirenses que se tornaram famosos e que
levaram a todo lado o nome do Barreiro. A minha mensagem é de que não
percam esse valor cultural e que continuem a interessar-se pela vida,
pelas coisas e a lutar por elas.