Biografias do Fado
Discos - Janeiro 13, 2011

De 1994 a 2005, foram lançadas várias colectâneas que fazem um percurso das diversas vertentes do fado, desde os nomes que começaram a gravar nos anos 30 até às novas vozes, sem esquecer os que acompanham os fadistas na guitarra portuguesa ou até a vertente do fado de Coimbra. Agora, estas colectâneas foram reunidas numa caixa de cinco discos, e um booklet de 38 páginas, e um deles, Nova Biografia do Fado, foi revisto e aumentado para esta reedição.
A primeira colectânea, o álbum duplo Biografia do Fado, foi editado em 1994, ano marcante, segundo o antropólogo Pedro Félix, que esteve envolvido nesta reedição: “Quando Lisboa foi Capital Europeia da Cultura, em 1994, mostrou-se uma exposição ligada ao fado no Museu da Etnologia, fez- -se um catálogo, que é o primeiro texto com uma perspectiva crítica e académica que tenta estudar o fado como prática, e surge a colectânea, que mostrava o que fora feito até 1994. Tudo isto influenciou a forma como a sociedade olhava para o fado. Deixou de ser uma coisa que só algumas pessoas faziam para que cada vez mais gente pensasse sobre esta prática.”
Nestes discos, a gravação mais antiga tem 70 anos. Apesar de o antropólogo não considerar “complicado” encontrar gravações ainda mais antigas, o critério de selecção está relacionado com a própria história desta música urbana: “Há uma mudança após 1930. Não só devido à influência da rádio, das casas de fado, mas também da lei de 1927, que instituía a carteira profissional e a censura prévia de repertório. Não é linear que aquilo que ouvimos nos discos de 78 rotações anteriores a esta data sejam mesmo fado, porque são um repertório muito específico, muito associado aos teatros de revista.” No entanto, não deixa de salientar que esse material “é um património importantíssimo e que nos vai dar novas pistas”.
Nesta reedição, o antropólogo Pedro Félix esteve principalmente empenhado na Nova Biografia do Fado, agora revista. “Quando o disco saiu, em 2002, o meio era relativamente pequeno, havia menos gravações de novas vozes. O que quisemos fazer agora foi escolher todas as vozes que o meio do fado considera determinantes para a sua reconfiguração”, refere.
Esta mudança é um sinal de que “a tradição não existe”: “O grande problema da selecção é que, hoje, ao tentarmos identificar os elementos tradicionais da performação, estamos a deixar de la-do repertório que, se calhar, no futuro se vai consolidar como tradicional. Mas a nós não nos cumpria adivinhar o que seria o fado em 2015. Apenas tentámos reunir as vozes que o meio considera mais importantes”, afirma.
Esta colectânea contém ainda um disco dedicado ao fado de Coimbra. “Questiono-me até que ponto é que se pode falar em fado de Coimbra. O meio reconhece o termo fado, e não há mal nenhum nisso, mas há pessoas que se sentem mais confortáveis com termos como canção de Coimbra, balada ou trova. De facto, aquele repertório tem características de constituição e de formação diferentes do fado de Lisboa”, explica. Ainda assim, aponta hipóteses que podem ter levado à adopção do termo fado: “Por um lado, uma associação imediata ao instrumento, que apesar de tudo é diferente. Por outro, na altura andar no fado significava vida boémia, daí essa ligação ao fado de Coimbra, uma vez que aquele repertório era cantado por estudantes”.
Com a candidatura do fado a património imaterial da UNESCO já entregue, Pedro Félix considera que o meio enfrenta o desafio de “deixar a prática fluir naturalmente, sem censuras, apesar de ser necessário um olhar atento que registe as práticas que vão surgindo”.