Cuca Roseta, crónica de uma estrela anunciada
A elegância da fadista mede-se pelo traje que (in)veste, a alternativa do guarda-roupa a fugir à tradição do negro-fado. Um chapéu, camisa vermelha, uma saia que brilha, tal como os seus olhos, quando nos fala da canção de Lisboa. A elegância da fadista mede-se pela doçura da sua voz, que não se exibe a troco de nada, tão sedutora como um fado jovem. Cuca Roseta, 29 anos, vai ser uma estrela. Já quase que é. O seu disco de estreia é produzido por Gustavo Santaolalla, um dos maiores produtores do mundo, com 12 grammys e dois Oscars no currículo. Vai ser editado em todo o mundo e ela estará lá, em todo o mundo, a dar concertos. Ela deixa-se guiar pelo brilho. Tem tudo: o nome, o traje, a voz.
Apesar de só ter reconhecido o seu fado aos 18 anos, ter-se tornado fadista não foi um acaso, antes um destino. "Ao princípio, sentia um fascínio, mas aquela música parecia-me um bicho-de-sete-cabeças, porque não é só a melodia, é a escolha do repertório, a experiência de vida... É maravilhoso, é a coisa que eu mais adoro." Uma decisão difícil para uma "menina da linha" ou uma "pita", como a si própria se chama. "Na minha família, não era muito bem vista a hipótese de me tornar cantora, aliás, era uma hipótese que nem sequer se colocava."
Os pais de Cuca são médicos e é sobrinha do ex-ministro da Cultura Pedro Roseta. Cresceu longe das tascas de Alfama e das casas de fado do Bairro Alto. Andou nas Salesianas e poucos poderiam prever que o fado fosse a escolha desta menina de coro. Foi seguindo o caminho que a sua história lhe traçava. Cursou Direito na Universidade Católica, mas, passados dois anos, desistiu. "Senti que não era aquilo o que queria fazer." Mudou-se, então, para Psicologia e levou o curso até ao fim.
'Fado é verdade, nada mais'
Foi ainda durante o curso de Psicologia que o seu amigo de infância Tiago Bettencourt, que cantava com ela no coro da Igreja dos Salesianos, a convidou para integrar os Toranja. Ouviu-se, então, pela primeira vez, a voz de Cuca em disco. Mas antes do segundo álbum abandonou a banda, para se dedicar de corpo e alma ao fado, integrando o elenco do Clube de Fado, de Mário Pacheco, em Alfama.
Não quis apressar o destino. Desde muito cedo, teve propostas para gravar, mas recusou-as. "Havia três editoras interessadas, duas estrangeiras que não entendiam suficientemente o fado; a outra era uma boa editora portuguesa, mas achei que não era ainda tempo." A própria considera "um luxo" recusar tais convites. Mas o facto é que foi compensada pela espera. Um dia, recebeu uma inesperada visita, no Clube de Fado. Não sabia quem eram aqueles argentinos que ali se deslocaram para a ouvir, mas apercebeu-se do efeito que produziu ao cantar. O senhor apresentou-se. O seu nome, Gustavo Santaolalla, nada lhe dizia. "A forma como ele falava da música logo me convenceu." E combinou-se a gravação.
Pelo caminho, teve algumas participações importantes, com destaque para Fados, o filme de Carlos Saura, de 2007, no qual Cuca deu nas vistas pela forma como interpretou Rua do Castelão.
Agora, ao primeiro disco, também comete algumas ousadias, como o tango que canta em tom de fado, inspirada pelo produtor, ou o tema da sua autoria, Nos Teus Braços, que compôs ao piano. "Não há nada que encaixe melhor numa fadista do que cantar as suas próprias palavras." No fim do disco, recita palavras suas: "Cada vez que eu me emocionar inventarei coisas novas, cada vez que eu cantar minha alma sairá pela voz, Fado é verdade, nada mais." Ficamos à espera de outras verdades assim.Manuel Halpern