Célia Leiria - Caminhos do fado
Discos - Janeiro 10, 2012
Talvez porque anda com passos lentos, ninguém repara que caminha com
andar firme e decidido, que quando caminha procura um lugar sereno no
meio da tempestade.
Por vezes caminha sozinha, outras em solidão e talvez por isso nunca interessou a ninguém. Como ama caminhar! A primeira vez que o ouvi, pensei estar na presença de um dos melhores discos de estreia de que me lembro. Depois pensei que o meu juízo talvez fosse excessivo, levado pela admiração que tenho por esta fadista "desaproveitada" que como tantas outras, longe das "campanhas comerciais" não obtem o reconhecimento que merece.
Fui ouvindo outros discos de estreia, muitos deles ainda sem mercado, apenas encontrei dois que se lhe comparam, ainda que bem diferentes: o de Carminho e o de Misia editado em 1991. Por outro lado esta afirmação não deverá ser surpresa para ninguém, Célia Leiria não é estreante nisto do fado, leva anos cantando, observando, aprendendo e ensinando a quem tenha a humildade de aprender a fazer as coisas bem e exceder-se. Possui uma série de qualidades bem marcadas: é fadista, tem bom gosto, uma voz educada e serena, envolvente e bem entoada, sem estridência nem adornos desnecessários, com uma gama de matizes e tons que junto a una grande sensibilidade lhe permite acariciar os versos, às vezes com doçura ás vezes com provocação e na maior parte das vezes com melancólica ternura, com a feminidade e emoção de uma mulher enamorada com una voz que apaixona.
Um estilo muito pessoal, inconfundível e invariável, sem influências, tão pessoal e sereno como a forma de entender o fado por Célia Leiria. Não é fácil acrescentar algo de novo ao prefacio escrito por Antonio Sala, que subscrevo integralmente. É um disco para ouvir em silêncio e se possível na obscuridade. Pese embora o seu titulo, não é um disco para ouvir em viagem, melhor será fazer uma pausa na berma da estrada, parar o tempo e ouvi-lo sem pressas para desfrutar todos os detalhes que subtilmente contém.
Acompanhada na guitarra por Pedro Amendoeira, magnífico como não podia deixar de ser, perfeitamente conjugado com a surpreendente viola de Pedro Soares e Paulo Paz no contrabaixo, que também é responsável, com notável profissionalismo pela produção musical. Um conjunto muito sólido e bem estruturado, de primera fila, um grupo para não perder de vista.
Com um desafortunado alinhamento nos temas, - para isso existe a função comutativa -, começa com “Duas cantigas”, e “Nome de Rua”, ambos impecáveis, ainda que sem revelar grandes novidades que nos privam de ouvir outros temas do seu repertorio como “Ramo Batido”, “Por que é que adeus me disseste” ou “Senhora do livramento” que canta de forma irrepreensível. Ou “A rua mais lisboeta” que atesta a sua força e energia quando o momento assim o impõe.
Feito este parêntesis, é justo afirmar que a selecção dos temas é excelente. A partir daqui começa o melhor…. “Nocturno desejo” (Fado Margaridas), um bonito relato de Mário Rainho sobre uma idílica e desejável noite de amor. “Caminhos sem fim” (Balada de Antonio dos Santos) sobre um precioso e intimista poema de María Rita Carvalho, que a fadista canta com a calma e a emoção de quem recorda uma história passada. “Vestí a minha saudade”, a cadência rítmica do Fado Meia Noite e um precioso poema de António Campos perfeitamente adaptado e interpretado. Uma demostração de que se pode fazer fado puro cantando as saudades sem por isso ser necessariamente triste. “Os sonhos que eu tive”, letra de Tiago Torres da Silva e música de Jaime Santos. Com tal poeta e compositor o resultado só poderia ser bom. “Lisboa dos Mexericos”, talvez o melhor de todos os temas, pela sua alegria, originalidade e ironia, onde Célia interpreta esta marcha com graça e maestria, jogando com os monossílabos que lança como pintinhas sobre um lenço de vivas cores. “Às vezes nem sempre” (Fado Alberto), um clássico do seu repertório onde Celia desfila todas as suas qualidades, na chave do fado Alberto, quem tem algo de fadista também tem de vício.
“Amêndoa Amarga” o popular poema de Ary dos Santos, aqui a oportunidade de avaliar a exacta medida da qualidade desta artista. Os tempos e a envolvência da sua voz vão embalando as palavras com extrema simplicidade numa interpretação soberba desta “novel” fadista. “Quando alguém vive longe de quem ama” grande poema de Manuel María Cid musicado por Paulo Paz. Regressando ao fado tradicional: “Horas da vida” (Fado Adiça) e “Amarrotada”, o primeiro com o alegre ritmo de Armandinho, o segundo, uma antiga raridade do fado, Fado Mortalha, ideal para o seu estilo de cantar, com letra de Carlos Leitão e uma excelente intervenção da guitarra de Pedro Amendoeira. Existe também uma versão adaptada do Fado Mortalha no repertorio de Celia Leiria sobre “Meu nome sabe-me a areia” que vale a pena escutar.
Encerra este disco com um tema no mais puro estilo e com uma profundidade característica, tanto na música como no poema, da autoria de Jorge Fernando, “O Erro”. Um trabalho marcado pelo bom gosto e pela suavidade. Muito sério, produzido pela propia fadista, e indispensável para quem gosta de fado genuíno. Javier Gonzalez
Fui ouvindo outros discos de estreia, muitos deles ainda sem mercado, apenas encontrei dois que se lhe comparam, ainda que bem diferentes: o de Carminho e o de Misia editado em 1991. Por outro lado esta afirmação não deverá ser surpresa para ninguém, Célia Leiria não é estreante nisto do fado, leva anos cantando, observando, aprendendo e ensinando a quem tenha a humildade de aprender a fazer as coisas bem e exceder-se. Possui uma série de qualidades bem marcadas: é fadista, tem bom gosto, uma voz educada e serena, envolvente e bem entoada, sem estridência nem adornos desnecessários, com uma gama de matizes e tons que junto a una grande sensibilidade lhe permite acariciar os versos, às vezes com doçura ás vezes com provocação e na maior parte das vezes com melancólica ternura, com a feminidade e emoção de uma mulher enamorada com una voz que apaixona.
Um estilo muito pessoal, inconfundível e invariável, sem influências, tão pessoal e sereno como a forma de entender o fado por Célia Leiria. Não é fácil acrescentar algo de novo ao prefacio escrito por Antonio Sala, que subscrevo integralmente. É um disco para ouvir em silêncio e se possível na obscuridade. Pese embora o seu titulo, não é um disco para ouvir em viagem, melhor será fazer uma pausa na berma da estrada, parar o tempo e ouvi-lo sem pressas para desfrutar todos os detalhes que subtilmente contém.
Acompanhada na guitarra por Pedro Amendoeira, magnífico como não podia deixar de ser, perfeitamente conjugado com a surpreendente viola de Pedro Soares e Paulo Paz no contrabaixo, que também é responsável, com notável profissionalismo pela produção musical. Um conjunto muito sólido e bem estruturado, de primera fila, um grupo para não perder de vista.
Com um desafortunado alinhamento nos temas, - para isso existe a função comutativa -, começa com “Duas cantigas”, e “Nome de Rua”, ambos impecáveis, ainda que sem revelar grandes novidades que nos privam de ouvir outros temas do seu repertorio como “Ramo Batido”, “Por que é que adeus me disseste” ou “Senhora do livramento” que canta de forma irrepreensível. Ou “A rua mais lisboeta” que atesta a sua força e energia quando o momento assim o impõe.
Feito este parêntesis, é justo afirmar que a selecção dos temas é excelente. A partir daqui começa o melhor…. “Nocturno desejo” (Fado Margaridas), um bonito relato de Mário Rainho sobre uma idílica e desejável noite de amor. “Caminhos sem fim” (Balada de Antonio dos Santos) sobre um precioso e intimista poema de María Rita Carvalho, que a fadista canta com a calma e a emoção de quem recorda uma história passada. “Vestí a minha saudade”, a cadência rítmica do Fado Meia Noite e um precioso poema de António Campos perfeitamente adaptado e interpretado. Uma demostração de que se pode fazer fado puro cantando as saudades sem por isso ser necessariamente triste. “Os sonhos que eu tive”, letra de Tiago Torres da Silva e música de Jaime Santos. Com tal poeta e compositor o resultado só poderia ser bom. “Lisboa dos Mexericos”, talvez o melhor de todos os temas, pela sua alegria, originalidade e ironia, onde Célia interpreta esta marcha com graça e maestria, jogando com os monossílabos que lança como pintinhas sobre um lenço de vivas cores. “Às vezes nem sempre” (Fado Alberto), um clássico do seu repertório onde Celia desfila todas as suas qualidades, na chave do fado Alberto, quem tem algo de fadista também tem de vício.
“Amêndoa Amarga” o popular poema de Ary dos Santos, aqui a oportunidade de avaliar a exacta medida da qualidade desta artista. Os tempos e a envolvência da sua voz vão embalando as palavras com extrema simplicidade numa interpretação soberba desta “novel” fadista. “Quando alguém vive longe de quem ama” grande poema de Manuel María Cid musicado por Paulo Paz. Regressando ao fado tradicional: “Horas da vida” (Fado Adiça) e “Amarrotada”, o primeiro com o alegre ritmo de Armandinho, o segundo, uma antiga raridade do fado, Fado Mortalha, ideal para o seu estilo de cantar, com letra de Carlos Leitão e uma excelente intervenção da guitarra de Pedro Amendoeira. Existe também uma versão adaptada do Fado Mortalha no repertorio de Celia Leiria sobre “Meu nome sabe-me a areia” que vale a pena escutar.
Encerra este disco com um tema no mais puro estilo e com uma profundidade característica, tanto na música como no poema, da autoria de Jorge Fernando, “O Erro”. Um trabalho marcado pelo bom gosto e pela suavidade. Muito sério, produzido pela propia fadista, e indispensável para quem gosta de fado genuíno. Javier Gonzalez
Tradução: Portal do Fado
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