O Fado no séc. XXI - uma visão da música portuguesa
Depois de um certo adormecimento, o Fado tem sofrido alguma mediatização nos últimos tempos devido ao seu reconhecimento
como Património da Unesco.
Contagiado pelos estados de espírito exacerbados e a vida boémia do Romantismo, nasceu de uma mistura cultural em Lisboa na segunda metade do século XIX, e desde então universalizou-se e “aristocratizou-se”. Todavia, depois do apogeu deste género musical com a mítica fadista Amália Rodrigues, que popularizou fados com letras de grandes poetas – desde Luís de Camões, José Régio, Alexandre O’Neill, e outros ilustres da Literatura Portuguesa -, terá caído recentemente no esquecimento, nomeadamente entre as faixas etárias mais jovens. Será?
Catarina Rosa é a prova de que o Fado não morreu. Com apenas 20 anos e tentando conciliar a sua paixão com os estudos, que são sempre “uma garantia”, esta jovem fadista canta há já mais de uma década, tendo já frequentado escolas de fado (onde não se ensina Fado, mas treina-se o tom, a postura, a expressão corporal, ganhando-se um certo “andamento”), e faz parte, há quatro anos, de uma das mais antigas e prestigiadas casas de fado de Lisboa: o Café Luso, que tendo como base o tema “Fado, Tradição sem Tradução“, homenageia diariamente o povo e o espírito português do passado, adaptando-o ao presente numa prova de que o Fado não ficou perdido no tempo.
A oportunidade de cantar no ilustre café surgiu quando a Catarina ganhou a “Grande Noite de Fado” na categoria juvenil e conheceu um guitarrista da casa que a aconselhou. Começou «já há mais de 11 anos, como uma brincadeira num jantar de amigos. A minha avó já me tinha ensinado um fadito ou outro […]. Mas ganhar a “Grande Noite de Fado” em 2003 foi a minha grande rampa de lançamento.».
Situado na Travessa da Queimada no Bairro Alto, consegue-se criar neste estabelecimento um ambiente que propicia uma magnífica viagem pelo século passado. Nas adegas e cocheira do Palácio Brito Freire – edifício do séc. XVII que sobreviveu inclusive ao famigerado terramoto de 1755 – esta sala de espectáculos apresenta um excelente espaço intimista com uma acústica admirável devido à sua estrutura arqueada. Fundada em 1927 na mais alta e emblemática colina de Lisboa, a história desta casa confunde-se com a do próprio Fado, tendo por lá passado os intérpretes mais sonantes como a própria Amália Rodrigues, à qual é reservada, à entrada, uma placa em pedra, em homenagem à fadista.
Desde a imponente entrada que se evidencia a sensação de recuo no tempo. O ambiente de luz ténue das velas e música ambiente tradicional, num volume sempre agradável e sossegado, cativam um público maioritariamente estrangeiro e mais velho, salvo excepções de alguns jovens em busca de uma fuga à sua rotina nocturna. De notar que o Café Luso é também um restaurante, popular pela sua gastronomia requintada tradicional, em que não podem faltar os queijos da Serra e o “pão e vinho sobre a mesa” – é uma casa portuguesa, com certeza!
Todavia, entre as mesas e os empregados impecavelmente vestidos, que na hora do espectáculo se retiram, surgem duas cadeiras, fecham-se as cortinas do prolongamento da sala e gera-se uma atmosfera familiar: a música de ambiente tradicional e o pequeno burburinho esbatem-se e faz-se silêncio, que se vai cantar o fado – é a vez de a Catarina nos conquistar com a sua voz humilde mas poderosa e uma expressão corporal também ela cativante, sem se esconder por detrás de qualquer artifício – o que ali se vive é apenas música, no seu estado mais puro e belo. Acompanhada pela já habitual viola (António Neto) e guitarra portuguesa (Pedro Viana), mas também por um inédito contrabaixo (Jorge Carreiro), a jovem fadista canta sobre o amor, o ciúme, a saudade, a nostalgia e, claro, sobre Lisboa, a par do gemer das cordas. A atitude comprometida mas descontraída, em total cumplicidade com os admiráveis músicos que a acompanham, consegue, sem dúvida alguma, avassalar-nos. Desaparece a ideia pré-concebida do Fado como algo parado, extremamente melancólico ou até aborrecido; ainda que tradicional, não ficou preso às suas raízes e tem também uma vertente mais divertida e mexida, num ritmo contagiante e o cantar de um rancor dançável.
Neste contexto, a jovem fadista desmente-nos esse preconceito que de certa forma marca as mais jovens gerações: a ideia de que o Fado se caracteriza por uma melancolia enfadonha; o Fado não parou no tempo: «É uma música tradicional mas não deixa de sofrer mutações e uma evolução contínua: é um estilo de música como outro qualquer».
Com efeito, têm aparecido no Fado novas vozes e pessoas mais novas que tentaram passar uma mensagem diferente (como Carminho, Ana Moura, Raquel Tavares e muitas outras): mostrar uma evolução do Fado, que também é alegre, também nos faz rir assim como nos faz chorar um monte de vezes. Desta evolução «acabam por surgir os pseudo-fadistas» ou ramificações desta música tradicional associada à pop, como os Deolinda ou os Amália Hoje, que embora comprovem a evolução deste género e a adaptação a novos públicos, não são Fado: «O Fado é para toda a gente, mas não é para qualquer um. Toda a gente pode ouvir Fado, mas como nós costumamos dizer, cada um tem o seu Fado. Nem toda a gente tem que ter um Fado triste, nem toda a gente tem de ter um Fado alegre! Eu gosto mais de fados tristes e tradicionais; mas temos de perceber que para chegarmos ao público não podemos cantar só este tipo Fados. Há que cantar Fados mais mexidos, mais ritmados.»
Outra prova de que o Fado continua bem vivo no século XXI é a mais recente casa de fados de Lisboa – o Povo. Inaugurado dia 17 de Novembro de 2011 numa Rua Nova do Carvalho em ascensão, o Povo atrai há escassos meses para o Cais do Sodré os amantes da cidade, das suas culturas, sabores e especiarias. Inspirado no conceito de tasca portuguesa, este é um espaço de inspiração e criação, mais descontraído, acessível e despretensioso que o Café Luso – mais do que uma atracção turística, é uma “tasca artística” aberta a todos os maiores ou menos apreciadores da musica lisboeta.
O objectivo sempre foi descobrir novos talentos e com eles desenvolver um trabalho que possa ser enriquecedor e potenciador de uma carreira profissional. Organizam-se espectáculos ao vivo de um fadista mensalmente residente, geralmente jovem, e que às terças, quartas, quintas e domingos canta o fado a partir das 21h, acompanhado por instrumentistas. O conceito é essencialmente “gente nova a cantar para gente nova”, como nos confirmou Sidónio Pereira, que acompanhava o fadista nessa noite com a sua guitarra portuguesa.
Com a casa sempre cheia de um público jovem e entusiástico, o Povo tem-se revelado um sucesso: «é um conceito novo, e até me interrogo se não será este o futuro do Fado e o seu futuro habitat natural: há aqui uma interacção entre fadistas mais novos que estão a cantar para um público maioritariamente constituído por gente nova», informou-nos Sidónio. De facto, o Povo é um ponto de contacto entre a verdadeira alma lisboeta – e todo o encanto das tradições desta cidade -, com as gerações mais jovens, trazendo um novo Fado ao Cais do Sodré. Inovando-se a tradição, canta-se o destino, o amor, a nostalgia e o pulsar de Lisboa de uma forma mais dinâmica e interactiva.
A confirmar o sucesso deste novo conceito vem o fadista residente deste mês, Luís Caeiro, com somente 18 anos. Tinha 8 anos quando, numa brincadeira com o avô, resolveu cantar o “Foi Deus” da Amália, e assim se iniciou a sua já preenchida carreira. Depois de karaoke, festas e colectividades em Reguengos de Monsaraz, de onde é natural, começou a levar a sua paixão mais a sério – e foi assim que conquistou o público nacional, ganhando a “Grande Noite de Fado” em 2007, o programa da RTP “Nasci para o Fado” e um 2º lugar no programa da TVI “Uma Canção Para Ti” – entre muitos outros feitos.
A nós, conquistou-nos assim que começou a cantar. O jovem fadista alentejano parecia pequeno e tímido, mas assim que se levantou e nos cantou o Fado, surpreendeu com a sua poderosa e estupenda voz. Divertido e com um enorme à-vontade em palco, canta e interage com o público, que revelando-se interessado e conhecedor, canta com o fadista e aplaude entusiasticamente. Os talentosos e mais maduros músicos que o acompanhavam, o já referido Sidónio Pereira na guitarra portuguesa, e João Penedo na viola, são também fundamentais neste renovar do Fado. «O que dá cor é também o instrumento por detrás da voz; nós cantamos e interpretamos, mas eles dão a cor.», disse-nos Luís.
É neste espectáculo da mais pura celebração da nossa querida Lisboa que se denota, sem qualquer dúvida, a evolução do Fado e a sua adaptação ao século XXI. Inovando-se a tradição, o Fado desprega-se das suas origens mais lentas e tradicionais e intensifica-se ali em pleno Cais do Sodré, tornando-se mais mexido e dançável, arrancando um ou outro “boa!” do público, e muitos coros e aplausos, especialmente em canções como “Cheira Bem, Cheira a Lisboa” ou “Oiça Lá, ó Senhor Vinho”.
Com efeito, «[…] ao longo destes 40 anos que eu tenho de Fados, estou muito contente, uma vez que nesta última década o Fado sofreu uma enorme evolução a nível de qualidade dos músicos, dos cantores, e desta gente nova que apareceu mais selectiva com mais pormenores tecnicamente muito mais apurados» informava Sidónio Pereira, acrescentando que «O Fado está no bom caminho! […] agora como Património da Humanidade, o Fado ganhará visibilidade e por consequência vai abrir um mercado maior de trabalho. Saibamos todos aproveitar esta janela de oportunidade».
Já Luís descreve o Fado como “uma tradição que nunca morre”, cuja História e ícones que dela fazem parte, como Amália Rodrigues, nunca devem ser esquecidos, mas a evolução da tradição é também fulcral para a sua continuação: «estes novos bares são fenomenais, promovendo um ambiente totalmente descontraído e não tão snob e elitista. Uma pessoa vai tomar um copo com os amigos e ouve um fadito que até pode gostar. […] É uma óptima iniciativa que promove tanto o Fado como os novos fadistas e já deviam ter apostado mais nisto. Claro que o Faia, o Marquês da Sé ou o Luso são casas de fado emblemáticas que não devem morrer, mas sobrevivem mais à base de estrangeiros.» E o Luís tem toda a razão; aqui no Povo, num ambiente muito mais descontraído e com preços muito mais acessíveis, redescobre-se o Fado e a simples e saborosa gastronomia tradicional portuguesa, que não poderia faltar, com enorme qualidade – desde as moelas, pataniscas, ovos verdes, peixinhos da horta, salada de polvo ou o belo do caldo verde!
O Fado é, sem dúvida alguma, uma tradição incontornável do nosso passado nacional, e ao contrário do que muitos pensam, está ainda bem vivo nas várias casas de fado espalhadas pelo centro histórico de Lisboa, disponível para se mostrar às gerações mais jovens e livrá-las dos falsos preconceitos. Aliás, como comentava Sidónio Pereira, «O Fado não é incompatível com outros géneros musicais. Tudo depende do estado de espírito – tem é de ser boa música! Isso sim, é fundamental!».
Catarina Rosa é a prova de que o Fado não morreu. Com apenas 20 anos e tentando conciliar a sua paixão com os estudos, que são sempre “uma garantia”, esta jovem fadista canta há já mais de uma década, tendo já frequentado escolas de fado (onde não se ensina Fado, mas treina-se o tom, a postura, a expressão corporal, ganhando-se um certo “andamento”), e faz parte, há quatro anos, de uma das mais antigas e prestigiadas casas de fado de Lisboa: o Café Luso, que tendo como base o tema “Fado, Tradição sem Tradução“, homenageia diariamente o povo e o espírito português do passado, adaptando-o ao presente numa prova de que o Fado não ficou perdido no tempo.
A oportunidade de cantar no ilustre café surgiu quando a Catarina ganhou a “Grande Noite de Fado” na categoria juvenil e conheceu um guitarrista da casa que a aconselhou. Começou «já há mais de 11 anos, como uma brincadeira num jantar de amigos. A minha avó já me tinha ensinado um fadito ou outro […]. Mas ganhar a “Grande Noite de Fado” em 2003 foi a minha grande rampa de lançamento.».
Situado na Travessa da Queimada no Bairro Alto, consegue-se criar neste estabelecimento um ambiente que propicia uma magnífica viagem pelo século passado. Nas adegas e cocheira do Palácio Brito Freire – edifício do séc. XVII que sobreviveu inclusive ao famigerado terramoto de 1755 – esta sala de espectáculos apresenta um excelente espaço intimista com uma acústica admirável devido à sua estrutura arqueada. Fundada em 1927 na mais alta e emblemática colina de Lisboa, a história desta casa confunde-se com a do próprio Fado, tendo por lá passado os intérpretes mais sonantes como a própria Amália Rodrigues, à qual é reservada, à entrada, uma placa em pedra, em homenagem à fadista.
Desde a imponente entrada que se evidencia a sensação de recuo no tempo. O ambiente de luz ténue das velas e música ambiente tradicional, num volume sempre agradável e sossegado, cativam um público maioritariamente estrangeiro e mais velho, salvo excepções de alguns jovens em busca de uma fuga à sua rotina nocturna. De notar que o Café Luso é também um restaurante, popular pela sua gastronomia requintada tradicional, em que não podem faltar os queijos da Serra e o “pão e vinho sobre a mesa” – é uma casa portuguesa, com certeza!
Todavia, entre as mesas e os empregados impecavelmente vestidos, que na hora do espectáculo se retiram, surgem duas cadeiras, fecham-se as cortinas do prolongamento da sala e gera-se uma atmosfera familiar: a música de ambiente tradicional e o pequeno burburinho esbatem-se e faz-se silêncio, que se vai cantar o fado – é a vez de a Catarina nos conquistar com a sua voz humilde mas poderosa e uma expressão corporal também ela cativante, sem se esconder por detrás de qualquer artifício – o que ali se vive é apenas música, no seu estado mais puro e belo. Acompanhada pela já habitual viola (António Neto) e guitarra portuguesa (Pedro Viana), mas também por um inédito contrabaixo (Jorge Carreiro), a jovem fadista canta sobre o amor, o ciúme, a saudade, a nostalgia e, claro, sobre Lisboa, a par do gemer das cordas. A atitude comprometida mas descontraída, em total cumplicidade com os admiráveis músicos que a acompanham, consegue, sem dúvida alguma, avassalar-nos. Desaparece a ideia pré-concebida do Fado como algo parado, extremamente melancólico ou até aborrecido; ainda que tradicional, não ficou preso às suas raízes e tem também uma vertente mais divertida e mexida, num ritmo contagiante e o cantar de um rancor dançável.
Neste contexto, a jovem fadista desmente-nos esse preconceito que de certa forma marca as mais jovens gerações: a ideia de que o Fado se caracteriza por uma melancolia enfadonha; o Fado não parou no tempo: «É uma música tradicional mas não deixa de sofrer mutações e uma evolução contínua: é um estilo de música como outro qualquer».
Com efeito, têm aparecido no Fado novas vozes e pessoas mais novas que tentaram passar uma mensagem diferente (como Carminho, Ana Moura, Raquel Tavares e muitas outras): mostrar uma evolução do Fado, que também é alegre, também nos faz rir assim como nos faz chorar um monte de vezes. Desta evolução «acabam por surgir os pseudo-fadistas» ou ramificações desta música tradicional associada à pop, como os Deolinda ou os Amália Hoje, que embora comprovem a evolução deste género e a adaptação a novos públicos, não são Fado: «O Fado é para toda a gente, mas não é para qualquer um. Toda a gente pode ouvir Fado, mas como nós costumamos dizer, cada um tem o seu Fado. Nem toda a gente tem que ter um Fado triste, nem toda a gente tem de ter um Fado alegre! Eu gosto mais de fados tristes e tradicionais; mas temos de perceber que para chegarmos ao público não podemos cantar só este tipo Fados. Há que cantar Fados mais mexidos, mais ritmados.»
Outra prova de que o Fado continua bem vivo no século XXI é a mais recente casa de fados de Lisboa – o Povo. Inaugurado dia 17 de Novembro de 2011 numa Rua Nova do Carvalho em ascensão, o Povo atrai há escassos meses para o Cais do Sodré os amantes da cidade, das suas culturas, sabores e especiarias. Inspirado no conceito de tasca portuguesa, este é um espaço de inspiração e criação, mais descontraído, acessível e despretensioso que o Café Luso – mais do que uma atracção turística, é uma “tasca artística” aberta a todos os maiores ou menos apreciadores da musica lisboeta.
O objectivo sempre foi descobrir novos talentos e com eles desenvolver um trabalho que possa ser enriquecedor e potenciador de uma carreira profissional. Organizam-se espectáculos ao vivo de um fadista mensalmente residente, geralmente jovem, e que às terças, quartas, quintas e domingos canta o fado a partir das 21h, acompanhado por instrumentistas. O conceito é essencialmente “gente nova a cantar para gente nova”, como nos confirmou Sidónio Pereira, que acompanhava o fadista nessa noite com a sua guitarra portuguesa.
Com a casa sempre cheia de um público jovem e entusiástico, o Povo tem-se revelado um sucesso: «é um conceito novo, e até me interrogo se não será este o futuro do Fado e o seu futuro habitat natural: há aqui uma interacção entre fadistas mais novos que estão a cantar para um público maioritariamente constituído por gente nova», informou-nos Sidónio. De facto, o Povo é um ponto de contacto entre a verdadeira alma lisboeta – e todo o encanto das tradições desta cidade -, com as gerações mais jovens, trazendo um novo Fado ao Cais do Sodré. Inovando-se a tradição, canta-se o destino, o amor, a nostalgia e o pulsar de Lisboa de uma forma mais dinâmica e interactiva.
A confirmar o sucesso deste novo conceito vem o fadista residente deste mês, Luís Caeiro, com somente 18 anos. Tinha 8 anos quando, numa brincadeira com o avô, resolveu cantar o “Foi Deus” da Amália, e assim se iniciou a sua já preenchida carreira. Depois de karaoke, festas e colectividades em Reguengos de Monsaraz, de onde é natural, começou a levar a sua paixão mais a sério – e foi assim que conquistou o público nacional, ganhando a “Grande Noite de Fado” em 2007, o programa da RTP “Nasci para o Fado” e um 2º lugar no programa da TVI “Uma Canção Para Ti” – entre muitos outros feitos.
A nós, conquistou-nos assim que começou a cantar. O jovem fadista alentejano parecia pequeno e tímido, mas assim que se levantou e nos cantou o Fado, surpreendeu com a sua poderosa e estupenda voz. Divertido e com um enorme à-vontade em palco, canta e interage com o público, que revelando-se interessado e conhecedor, canta com o fadista e aplaude entusiasticamente. Os talentosos e mais maduros músicos que o acompanhavam, o já referido Sidónio Pereira na guitarra portuguesa, e João Penedo na viola, são também fundamentais neste renovar do Fado. «O que dá cor é também o instrumento por detrás da voz; nós cantamos e interpretamos, mas eles dão a cor.», disse-nos Luís.
É neste espectáculo da mais pura celebração da nossa querida Lisboa que se denota, sem qualquer dúvida, a evolução do Fado e a sua adaptação ao século XXI. Inovando-se a tradição, o Fado desprega-se das suas origens mais lentas e tradicionais e intensifica-se ali em pleno Cais do Sodré, tornando-se mais mexido e dançável, arrancando um ou outro “boa!” do público, e muitos coros e aplausos, especialmente em canções como “Cheira Bem, Cheira a Lisboa” ou “Oiça Lá, ó Senhor Vinho”.
Com efeito, «[…] ao longo destes 40 anos que eu tenho de Fados, estou muito contente, uma vez que nesta última década o Fado sofreu uma enorme evolução a nível de qualidade dos músicos, dos cantores, e desta gente nova que apareceu mais selectiva com mais pormenores tecnicamente muito mais apurados» informava Sidónio Pereira, acrescentando que «O Fado está no bom caminho! […] agora como Património da Humanidade, o Fado ganhará visibilidade e por consequência vai abrir um mercado maior de trabalho. Saibamos todos aproveitar esta janela de oportunidade».
Já Luís descreve o Fado como “uma tradição que nunca morre”, cuja História e ícones que dela fazem parte, como Amália Rodrigues, nunca devem ser esquecidos, mas a evolução da tradição é também fulcral para a sua continuação: «estes novos bares são fenomenais, promovendo um ambiente totalmente descontraído e não tão snob e elitista. Uma pessoa vai tomar um copo com os amigos e ouve um fadito que até pode gostar. […] É uma óptima iniciativa que promove tanto o Fado como os novos fadistas e já deviam ter apostado mais nisto. Claro que o Faia, o Marquês da Sé ou o Luso são casas de fado emblemáticas que não devem morrer, mas sobrevivem mais à base de estrangeiros.» E o Luís tem toda a razão; aqui no Povo, num ambiente muito mais descontraído e com preços muito mais acessíveis, redescobre-se o Fado e a simples e saborosa gastronomia tradicional portuguesa, que não poderia faltar, com enorme qualidade – desde as moelas, pataniscas, ovos verdes, peixinhos da horta, salada de polvo ou o belo do caldo verde!
O Fado é, sem dúvida alguma, uma tradição incontornável do nosso passado nacional, e ao contrário do que muitos pensam, está ainda bem vivo nas várias casas de fado espalhadas pelo centro histórico de Lisboa, disponível para se mostrar às gerações mais jovens e livrá-las dos falsos preconceitos. Aliás, como comentava Sidónio Pereira, «O Fado não é incompatível com outros géneros musicais. Tudo depende do estado de espírito – tem é de ser boa música! Isso sim, é fundamental!».
Mariana Coimbra
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