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Tudo isto é fado!

A distinção da UNESCO, declarando a importância cultural do fado para a Humanidade abre boas perspetivas de projeção internacional do espírito criativo português e das artes nacionais.

Para além dos poetas populares (com destaque para João Linhares Barbosa, o “Príncipe dos Poetas” do fado), os fadistas cantam com grande gosto e exemplar dignidade alguns dos nossos melhores poetas cultivados (António Botto, Sidónio Muralha, Pedro Homem de Mello, David Mourão-Ferreira, Ary dos Santos, Vasco Graça Moura,…) mas o fado enquanto acendalha do espírito relaciona-se bem com outras artes eruditas: o cinema, as artes plásticas e até a dança. Esse fado que é um sinónimo de destino, muitas vezes malfadado, sofrido, cruel, e por isso canção amarga e magoada.

Nem por acaso, a divulgação nacional do fado começou na década de 1930 através do cinema sonoro, popularizando na tela fadistas como Dina Tereza, Amália Rodrigues ou Hermínia Silva. Dina Tereza, hoje pouco recordada, interpretou a mítica fundadora do fado, Maria Severa, no primeiro filme sonoro produzido em Portugal e realizado por um português (José Leitão de Barros, em 1930). À distância de uma vida, em 2006, o cineasta espanhol Carlos Saura homenageou o fado como canção ibérica, relacionando-o com os ritmos hispânicos da música e da dança no documentário musical “Fado”. E aproveitando a embalagem internacional da UNESCO, o realizador João Botelho promete para 2012 um musical sobre o fado, protagonizado por fadistas e rodado em Lisboa.

Nas artes plásticas, o fado inspirou os maiores artistas portugueses dos séculos XIX e XX, como ficou demonstrado na importante exposição “Ecos do Fado na Arte Portuguesa Séculos XIX-XXI”, que decorreu em Lisboa entre julho e setembro de 2011. Ao longo desses séculos, a arte nacional contribuiu pouco para as artes internacionais mas foi absorvendo e consagrando os mais diversos géneros e modalidades artísticas, sendo possível encontrar uma ligação transversal relacionável com o fado, ou com as representações do fado, o que justificou plenamente a apresentação conjunta de obras de artistas tão diversos como Roque Gameiro, Columbano, José Malhoa, Almada Negreiros, Amadeo Souza-Cardoso, Eduardo Viana, Domingos Alvarez, Bernardo Marques, Stuart Carvalhais, João Abel Manta, Carlos Botelho, Júlio Pomar, Leonel Moura, Graça Morais, Paula Rego, João Vieira, Joana Vasconcelos, João Pedro Vale ou Miguel Palma.

Uma das curiosidades e méritos da exposição “Ecos do Fado” foi mostrar lado a lado as duas versões do mais famoso quadro de José Malhoa, “O Fado”, o que acontece pela segunda vez no século e em anos consecutivos, assim como dois estudos para essa obra: o Amâncio (1908) e a Adelaide (sem data). “O Fado” de 1909, mais pequeno que a segunda versão, foi apresentado ao público em 1962 através de uma reprodução no Diário de Lisboa, e pertence atualmente a um colecionador particular português. Supõe-se que terá sido um estudo para o quadro maior, de 1910, patente no Museu do Fado.

Ambos os quadros apresentam a mesma composição e retratam o guitarrista Amâncio e Adelaide “da facada” – assim conhecida devido à cicatriz na face que o pintor ocultou. O cenário evoca o interior de uma “alfurja” (antro, alcouce), onde se recompunham “das desditas ouvindo o fado que diz da sua má sorte e em que todas as trovas são de perdão”. A realização da primeira obra, pintada com esses modelos em pose, foi condicionada pelas frequentes passagens de Amâncio pela prisão e pelos seus reparos ciumentos ao modo como Malhoa pintava Adelaide.

Apesar do estatuto cultural que duramente conquistou ao longo do século XX até à recente consagração internacional, o fado não nega as suas origens humildes e o quadro de José Malhoa continua a ser a representação mais sensível do sentimento fadista e o melhor retrato do seu berço trágico.

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