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Entrevista a Cristina Branco: Alegria melancólica

Entrevistas - Março 06, 2013
Cristina Branco continua em missão exploratória à volta da canção portuguesa num álbum de preocupações sociais manifestadas através de personagens do fundo da rua.

Entre os seus autores destacam-se Sérgio Godinho, Chico Buarque, Joni Mitchell, Manuela de Freitas, Pedro da Silva Martins, Jorge Palma, Miguel Farias e Gonçalo M. Tavares.

No texto de apresentação, está escrito que voz de Cristina Branco é nómada e nenhum dos álbuns anteriores «Abril», «Kronos» e «Não há só Tangos em Paris» era convencionalmente fadista. A questão é que ete parece mais um disco de canção portuguesa com entoação fadista. É assim?


Nenhum deles o é. Só o «Live» é que é mais fadista. Por outro lado, o disco anterior também tinha dois fados e este também. O outro era uma aproximação do fado com o tango. Este tem um fado mais panfletário, mais operário, mais tradicional - «o Fado Bizarro» - que remete para essa época. Concordo contigo que há uma distância. Gosto de cantar fado, sinto-me cada vez mais próxima da mensagem  mas não me consigo cingir a esse campo.

 

Também é dito que o disco nasce de uma conversa com Gonçalo M. Tavares. Qual foi o teor dessa conversa?


A ideia não começa com o Gonçalo. A ideia de fazer um disco paradoxal é anterior e vem do tempo do «Não há só Tangos em Paris». Quando fui ter com ele já tinha essa ideia. Pedi textos ao Gonçalo numa ideia de ter «bairros»: a ideia do Senhor Brecht do «...Desempregado...». A conversa foi essa: saber se ele estava interessado em escrever para música com o sentido de querer falar sobre o momento deste país e saber se estava interessado em colaborar. O Gonçalo fez quatro textos e ficou a ideia de um dia fazermos a coisa mais ampliada no sentido de fazer uma «Ópera do Malandro». Mas ainda não creio que seja o momento.

 

Quis estas personagens para as poder relacionar com o seu tempo?


Nós somos isto tudo. Portugal e os portugueses são uma amálgama. Estou em Veneza e aqui tens tudo: russos, chineses. Nós portugueses somos uma mistura multicolour. A ideia foi construir quase uma evocação de histórias que nós conhecemos ou da literatura ou da cinema. Tens a Alice, o Robin e a Cândida também pode ser um exemplo cinematográfico. É aquilo que nós vemos no fim da rua, na janela do vizinho. Não são personagens irreais. Tens ainda o caso da Louise (canção de Joni Mitchell) mesmo não sendo cantada em português...

 

É um disco em que as palavras são muito fortes. Quase ásperas.


Acho que essa é a beleza do texto e da palavra. Por exemplo, a «Deolinda» não é aquela Deolinda que se espera. É irónica. Ou por exemplo a «Cândida» que não tem um bom fim.

 

A música ainda pode ser um veículo de sonhos e utopias?


A música é um veículo de sonhos, de esperança, de alerta...é o que se quiser. Tem essa característica. Não sei, na verdade, o que é que nós somos. Se calhar, nunca fomos um país. Nunca acontecemos realmente. Nunca nos deram tempo. Para onde é que isto caminha? Muito sinceramente tenho dúvidas no ressurgir da nossa cultura e identidade. Tudo o que nos está acontecer é irreversível. Estão a fazer-nos muito mal e regredimos anos. É como se tivesse havido um corte. Ou as coisas mudam muito (e não digo só políticos mas também mentalidades) ou não sei.

 

Essa crise não é também europeia?


É mas num país pequeno é muito mais cruel. Os recursos naturais foram destruídos portanto até o turismo está em causa. E o que é que tens mais? O turismo sénior não investe cá.

 

É curioso que o contexto político e social seja tão gravoso numa altura em que a música portuguesa vive um momento de grande prosperidade do ponto de vista criativo.


Podia responder-te de várias maneiras e todas elas estariam certas. Sim, estamos numa fase boa. Tens muita gente a falar da música portuguesa e muita gente a ouvi-la. A música pode ser uma voz embora seja difícil responder que marcas pode deixar. Mas sim, com a música tens uma voz onde podes anunciar a verdade.

 

A expressão «novo fado» está ultrapassada, não está?


Está. Não há um novo fado nem um tango nem um flamengo. Há sempre um género que se vai recriando e fundindo com a gente que o canta e com aquilo que a música está a retratar. É uma música.

 

Essa permanente evolução também legítima que uma fadista possa escolher o título «Alegria»?


O título é «Alegria» e a capa mostra um sorriso e olhos tristes. O palhaço também está no interior do disco e é irónico. A personagem sou eu e estou mascarada. A imagem é muito forte, não é uma coisa bonita mas este não é o disco que se espere num disco com o meu percurso. No Womex, fizemos uma experiência com essa imagem que foi anunciar um novo álbum apenas com esse ponto de partida. Tivemos dois tipos de reacções: ou repulsa total ou grande aceitação.

 

Vais dar corpo à vontade expressa pelo Primeiro-Ministro de ver a população emigrar?


Sim! Arrancamos com o disco novo na Bélgica no dia 19 de Março e depois tocamos na Noruega. A apresentação em Portugal é a 5 de Abril no São Luiz e 7 na Casa da Música. No fundo somos os emigrantes na malinha de cartão. O Passos Coelho tem alguma razão quando nos pede para ter imaginação. Eu como vou tendo alguma ainda tenho emprego. Tenho é que tirar logo metade do que recebo para o Estado mas vou contente da vida lá para fora dizer que é óptimo ser português.
Davide Pinheiro



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