Marco Rodrigues: "Cantar diariamente numa casa de fados é como ir à escola todos os dias"
Interviews - Março 27, 2013
- Entre tanto fado que há por aí, há o fado de Marco Rodrigues. O que é que sente que traz ao fado a cada disco seu?
- Entre tantas noites de fados, entre tantas músicas que eu oiço e entre tantos fadistas que acompanho, entre tantas influências aparece este ‘EntreTanto'. É tudo isso que influencia diretamente a música que eu faço. Eu não sei se trago alguma coisa nova ao fado, o que sei é que trago a minha forma de o ver. Neste disco, por exemplo, trago uma base muito firme do fado tradicional.
- Mas continua a dizer que não gosta muito do rótulo de fadista...
- Eu canto fado e sou fadista assumidamente, mas gosto muito de olhar para o fado como um estilo de música. Também ninguém chama a um cantor de jazz jazzista. Eu sou um intérprete de fado, é certo, porque é a matriz daquilo que faço, mas sou um intérprete.
- O que sente que tem mudado no seu fado do primeiro para este terceiro disco?
- O meu maior desafio para este disco foi tentar ultrapassar uma barreira que não estava a conseguir. As pessoas costumam dizer que gostam muito dos meus discos mas que preferem a minha prestação ao vivo. E eu não estava a conseguir ultrapassar essa barreira, até porque o habitat natural do fado não é definitivamente o estúdio. Ora, o meu grande desafio foi trazer para este disco um ‘quase ambiente' de casa de fados. E acho que consegui. É como se os músicos e os fadistas estivessem a tocar quase à nossa frente.
- O Marco continua fiel à casa de fado onde canta, mas há muitos fadistas que, por conta dos caminhos que as carreiras seguem, acabam por as abandonar. Quem o faz desvirtua-se na sua essência fadista?
- Não, acho que não, mas eu faço questão de cantar e tocar todos os dias na casa de fados. Para mim, é quase como ir à escola todos os dias.
- Como assim?
- Como não há nenhuma escola para aprender a cantar fado, é nas casas de fado que se aprende, ouvindo histórias, escutando outros intérpretes. O fado vive da nossa criatividade, e é importante absorver isso tudo. Enquanto me for possível, eu faço questão de estar todos os dias numa casa de fados.
- Ainda se consegue surpreender com o público que frequenta as casas de fado?
- Em geral, todas as casas de fado profissionais têm uma maioria de público estrangeiro. Os portugueses não têm o hábito de ir jantar a uma casa de fados. E é um privilégio nós termos público novo todos os dias. Chega a ser mágico quando um chinês se emociona mesmo sem perceber uma palavra do que cantamos e sai de uma casa de fados completamente cilindrado. Ainda recentemente estive na Índia e encontrei miúdos de onze e doze anos a cantar fado.
- ‘Coração Olha o Que Queres!' é o primeiro single deste disco e é um fado sobre as mulheres. É um admirador ou um conformado com o universo feminino?
- Sou um admirador [risos]. Deu-me muito gozo trazer um poema com mais de 500 anos, que tem uma literatura meio barroca, e ver como é tão atual. O que nós conseguimos tirar dali é que não vale a pena continuar a entender as mulheres. Temos de as aceitar.
- Prefere cantar o amor ou a dor? Ou os dois são indissociáveis?
- Os dois são indissociáveis. É como o preto e o branco. Para viver um amor na plenitude, é preciso já ter sofrido por ele. Eu, por exemplo, faço questão de ter os meus momentos de tristeza profunda.
- Esses momentos podem ser mais produtivos do ponto de vista da composição?
- Não. Eu acho que esses momentos nos tornam, sim, mais sensíveis. Essas alturas colocam-nos os sentidos à flor da pele e, se calhar, mais criativos.
- Pierre Aderne, Vinícius de Moraes, Inês Pedrosa, Luísa Sobral e Tiago Torres da Silva, entre outros, são os autores de alguns dos textos. Que importância tem para si a palavra que canta?
- Tem toda a importância. Eu tenho de me identificar com a palavra ou, então, não a canto. Muitas vezes dou por mim a discutir com quem escreve para mim. A palavra é o núcleo do fado.
- E porque é que não escreve?
- Eu não tenho particular talento para escrever, mas já estou a começar [risos].Miguel Azevedo