Camané em discurso direto sobre novo álbum de êxitos


Os concertos de apresentação mostram o álbum quase na íntegra, ao vivo. No próximo dia 27, o espetáculo realiza-se no Centro Cultural Vila Flor em Guimarães. O (já esgotado) concerto no Centro Cultural de Belém decorre no dia 30, mas a Casa da Música no Porto só recebe o fadista no dia 29 de junho.
Como é que se escolhe o melhor de uma carreira?
Seleccionar
os temas foi um trabalho que preferi dar a outras pessoas, para ter
outras opiniões. Tive a ajuda do David Ferreira, que fez a colectânea do
disco duplo - com 36 temas - e da edição normal, que tem 18). Preferi
visões de fora, de pessoas que conhecem o meu trabalho bem, em vez de
ter de passar pela posição de escolher um tema para tirar outro. Neste
caso, como era uma colectânea preferi que a escolha não fosse só minha.
Houve alguma música que tivesse feito questão que entrasse?
Aconteceu
com algumas músicas e também com os inéditos. Estava previsto que
saísse só um inédito na edição normal e um na edição especial. Na
altura, eu disse que gostaria muito que saísse o Ai Silvina, Silvininha
que é um dos inéditos. Possivelmente seria para um disco mais tarde, mas
acabou por sair neste também.
Acabámos por ter então três inéditos?
Sim, temos Ai Margarida, que é um poema de Álvaro de Campos com música de Mário Laginha. Outro do Henrique Segurado que tem imensos poemas que gostei muito e neste caso escolhi Gola Alta, com música de Alfredo Marceneiro. E por fim, Ai Silvina, Silvininha, um inédito do Alain Oulman, num poema de António Gedeão.
Quais são os temas que lhe dá mais prazer cantar?
Todos. Mesmo neste best of são temas que fazem parte de imensos alinhamentos de concertos que faço. Às vezes troco, mas são dos mais importantes do meu percurso.
Nos próximos concertos vai basear-se sobretudo nestes temas?
O alinhamento dos concertos vai ser baseado neste best of. Claro que não vou cantar 36 temas, mas talvez uns 24. Vou ainda ter como convidados no CCB e na Casa da Música, o Mário Laginha para tocar a música que fez e outras que são surpresa. Também vou ter os Dead Combo. Vamos fazer um bocado aquilo que já fizemos juntos. Houve um disco com uma participação minha e dos Dead Combo e cantamos o Vendaval, e vamos fazer também um tema que foi o hino do Canal Q, que é Inquietação do José Mário Branco.
Ao longo da sua carreira fez inúmeras colaborações. Quais as marcantes?
A minha música é o fado e todas as parcerias que fiz foram casos pontuais. Nunca parei de fazer a minha música que é o fado. Só sou cantor porque sou fadista. Por cantar desta forma e ter esta característica, outras pessoas de outras áreas musicais convidavam-me para parcerias, mas nunca para pôr de lado o fado.
Os Humanos são um bom exemplo?
Sim, mesmo quando foi dos Humanos, havia aquela ligação muito forte do António Variações ao fado. E também o facto de serem músicas inéditas. Mas aquilo foi uma coisa muito pontual, fizemos um disco e quatro concertos. Foi só com essa intenção, de gravar os temas que o António Variações fez e não teve oportunidade de gravar. Gravámos esses temas e depois cada um voltou para os seus percursos musicais. Voltei para a minha música que é o fado, aliás nunca parei de o fazer, mesmo durante o disco dos Humanos. A música onde me sinto bem é o fado.
Sem ser essas colaborações pontuais nunca pensou sequer deixar o fado?
Essas parcerias fazem-me crescer e aprender, mas a minha música é e sempre foi o fado. Aliás eu sinto-me muito grato por nunca ter passado por aquelas dúvidas por que passam muitos jovens, que andam anos a cantar e não sabem qual é o estilo musical que querem seguir. Eu já sei que é o fado desde miúdo.
Quando se apercebeu disso?
Quando tinha 7 anos, já sabia. Ouvia os discos de fado, o meu bisavó cantava o fado, o meu avô também, os meus pais cantavam em casa, por isso tive logo o meu estilo musical definido. Isso é uma mais valia para a vida. O fado para mim é a minha vida. Não precisei de andar à procura do meu estilo musical, já tinha esta característica, já nasci com as coisas definidas nesse aspecto. Só tive de me preocupar em dar o meu melhor.
Mesmo assim ainda teve de encontrar o seu próprio estilo dentro do fado?
Claro, mas isso todos os fadistas o fazem. A Amália cantava de uma maneira, o Carlos do Carmo de outra, não há nenhum fadista que não tenha o seu estilo definido. E o meu estilo está definido, embora tenha muitas referências. O meu estilo é este, mas é fado, não foi preciso ser diferente ou ser outra música para ter estilo próprio. Esta forma de cantar juntando à minha sonoridade e à minha criatividade, depois cria um estilo próprio, mas sempre dentro do fado.
Li uma frase sua que diz «procuro não ser importante para poder oferecer totalmente o que sou». Quer explicar?
Quando vou para o palco procuro esquecer o máximo de mim, para conseguir entrar dentro do registo emocional, da música e de servir as canções e o que estou a fazer, sem me exibir. O importante quando vamos para o palco é termos as coisas interiorizadas e não estarmos a pensar em nós. Tentar ultrapassar os egos, o que nos afecta e nos torna inseguros. É importante esquecermo-nos de nós para transmitir a poesia, a mensagem e fazer com que as pessoas se revejam no que estamos a cantar.
Que recordações tem de casas de fado?
Não canto numa casa de fado há 16 anos. Hoje em dia sinto-me melhor em palco, foi onde dei continuidade ao meu trabalho. Fiz essa escolha, para ter tempo para fazer os meus discos e os meus concertos. Mas as casas de fado foram das coisas mais importantes da minha vida, do meu trabalho e do meu crescimento como artista. Tenho um respeito enorme pelas casas de fado. E é essencial para jovens fadistas terem esse crescimento, a vivência desse mundo. Fui com 18 anos para as casas de fado e apanhei aquela geração antiga a ensinar-me tudo. Fui ouvindo, conversando, e todos os músicos me ensinavam coisas.
Já nessa altura já sabia que ia ser fadista ou ainda era só curiosidade de aprender?
Havia curiosidade sem dúvida, mas tomei a decisão de ser fadista com 17 anos. Ganhei a Noite de Fados em 1979, depois gravei uns singles e um LP e uns amigos do meu pai convidaram-me a gravar um disco, mas se calhar ainda não estava na altura. Foi um estímulo para fazer coisas diferentes e aplicar o que estava a aprender. Eu não cantava os fados dos adultos. Havia poetas populares nas colectividades que escreviam letras muito simples mas com o ritmo todo e eu adaptava aos fados tradicionais e construía os meus próprios fados. Foi um momento de grande aprendizagem. Hoje é uma mais valia na construção do meu trabalho e do meu percurso.
Quando canta para estrangeiros, sente que eles compreendem e emocionam-se mesmo sem perceberem uma palavra do que está a ser dito?
A música, a voz e as emoções passam sempre. A música tem esse mistério. Chegamos às pessoas às vezes da maneira menos obvia, e chegamos lá mesmo que não percebam o que estamos a cantar, porque sentem. A melhor maneira de gostarmos das coisas é sentir. Ao sentir, a música ultrapassa essas barrigas da língua.Filipa Estrela