Cuca Roseta - Raíz
Discos - Maio 19, 2013
E então, por breves momentos, deixemos entrar a saudável dúvida: o que é
que uma fadista, com um primeiro disco celebrado e trabalhado por um
produtor planetário - Gustavo Santaollala - , com o peso da verdade que o
fado exige e ela entrega : o que fazer para o segundo disco?
A lógica comercial aconselharia um registo pouco aventuroso, onde a zona de conforto se manteria e apenas uma ou duas pistas cantadas poderiam dar indícios de uma evolução.
Nada disso. Isabel «Cuca» Roseta é uma criadora, e como todos os criadores precisa de um interlocutor. Precisa de falar com alguém, e fiel à verdade que tem de estar na pele do que canta não poderia acomodar-se a receitas ou preguiças. Pior e melhor: deitou o conforto às urtigas e, numa coragem quase anacrónica, resolveu dar tudo o que tinha: letras e músicas próprias, num disco quase em contra-ciclo, quase de cantautora. Um passo ousado? Claro - mas coerente na sua ousadia.
«Raiz», o nome do segundo disco de Cuca Roseta, é quase auto-explicativo. Quase, porque Cuca não procura a tradição ou a origem do que canta. Procura-se e encontra-se a si própria, e é essa aventura solitária que seduz e nos prende. Depois de um ano de reclusão criativa, surge o imprevisível: um disco feito quase exclusivamente de originais. Contra tudo e a favor de todos nós que a podemos escutar.
Não há concessões nesta «Raiz», que nasce do fundo da alma de Cuca. Jorge Luís Borges dizia que escrevia livros para se livrar deles; «Raiz» segue essa lógica, uma catarse serena e linda, assumida em nome próprio. Mas que seria oca sem a componente principal, que transparece em todos os temas: a verdade.
Para o bem e para o mal, «Raiz» confunde-se com Cuca Roseta. Não no sentido em que cada trabalho de um artista revela um pouco de si; não, «Raiz» quase choca pela falta de pudor com que a fadista se expõe. A verdade é tão grande que incomoda, como se não precisássemos de saber tanto sobre alguém que admiramos. Em rigor, o que incomoda e deslumbra neste disco é uma inesperada arte da proximidade, que Cuca teve absoluta necessidade de comunicar e que depois da primeira estranheza (quantos de nós suportamos a verdade durante os dias?) acabamos por aceitar e louvar.
Este nível de entrega não poderia ter acompanhantes: exigia cúmplices, parceiros à altura da alma que se queria entregar. Tudo ou nada. Executantes e conselheiros em simultâneo, os músicos de que Cuca se rodeou ajudaram a que o disco fosse um work in progress, um laboratório permanente e bem sucedido, com um destino atingido: sim, a raiz.
Dos músicos de excelência às ocasionais parcerias (Tozé Brito, André Sardet ou um surpreendente letrista descoberto no chef José Avillez), tudo neste disco respira confiança e respeito pelo que se quer dizer. A «raiz» da arte de Cuca é partilhada mas sem perder um milímetro da sua autenticidade.
Provavelmente bastaria para muitos, depois de um disco de sucesso, ter a coragem de avançar com um registo de originais. Mas Cuca Roseta fez isso e mais: em absoluto combate com os dias cor de cinza e raiva que vivemos, oferece um Portugal esperançoso e universal na sua música. Melancolia, certamente que existe; mas a esperança desavergonhada que se desprende de Raiz - e logo de Cuca Roseta - é quase subversiva. E tão bem-vinda.
Nesta raiz, e não por acaso, todos os temas são nomeados por «fado». Excepto um:a Marcha da Esperança. E é tão fácil perceber porquê: ao ouvir tudo o que está nesta «Raiz» ouvimos o coração e as emoções de quem a fez. Não consigo imaginar maior ambição para um artista e muito menos para quem o quer ouvir. O segredo é outra vez o mesmo, porque em Cuca Roseta não poderia ser outro: uma surpreendente, inoportuna e deslumbrante verdade em estado puro.
Nada disso. Isabel «Cuca» Roseta é uma criadora, e como todos os criadores precisa de um interlocutor. Precisa de falar com alguém, e fiel à verdade que tem de estar na pele do que canta não poderia acomodar-se a receitas ou preguiças. Pior e melhor: deitou o conforto às urtigas e, numa coragem quase anacrónica, resolveu dar tudo o que tinha: letras e músicas próprias, num disco quase em contra-ciclo, quase de cantautora. Um passo ousado? Claro - mas coerente na sua ousadia.
«Raiz», o nome do segundo disco de Cuca Roseta, é quase auto-explicativo. Quase, porque Cuca não procura a tradição ou a origem do que canta. Procura-se e encontra-se a si própria, e é essa aventura solitária que seduz e nos prende. Depois de um ano de reclusão criativa, surge o imprevisível: um disco feito quase exclusivamente de originais. Contra tudo e a favor de todos nós que a podemos escutar.
Não há concessões nesta «Raiz», que nasce do fundo da alma de Cuca. Jorge Luís Borges dizia que escrevia livros para se livrar deles; «Raiz» segue essa lógica, uma catarse serena e linda, assumida em nome próprio. Mas que seria oca sem a componente principal, que transparece em todos os temas: a verdade.
Para o bem e para o mal, «Raiz» confunde-se com Cuca Roseta. Não no sentido em que cada trabalho de um artista revela um pouco de si; não, «Raiz» quase choca pela falta de pudor com que a fadista se expõe. A verdade é tão grande que incomoda, como se não precisássemos de saber tanto sobre alguém que admiramos. Em rigor, o que incomoda e deslumbra neste disco é uma inesperada arte da proximidade, que Cuca teve absoluta necessidade de comunicar e que depois da primeira estranheza (quantos de nós suportamos a verdade durante os dias?) acabamos por aceitar e louvar.
Este nível de entrega não poderia ter acompanhantes: exigia cúmplices, parceiros à altura da alma que se queria entregar. Tudo ou nada. Executantes e conselheiros em simultâneo, os músicos de que Cuca se rodeou ajudaram a que o disco fosse um work in progress, um laboratório permanente e bem sucedido, com um destino atingido: sim, a raiz.
Dos músicos de excelência às ocasionais parcerias (Tozé Brito, André Sardet ou um surpreendente letrista descoberto no chef José Avillez), tudo neste disco respira confiança e respeito pelo que se quer dizer. A «raiz» da arte de Cuca é partilhada mas sem perder um milímetro da sua autenticidade.
Provavelmente bastaria para muitos, depois de um disco de sucesso, ter a coragem de avançar com um registo de originais. Mas Cuca Roseta fez isso e mais: em absoluto combate com os dias cor de cinza e raiva que vivemos, oferece um Portugal esperançoso e universal na sua música. Melancolia, certamente que existe; mas a esperança desavergonhada que se desprende de Raiz - e logo de Cuca Roseta - é quase subversiva. E tão bem-vinda.
Nesta raiz, e não por acaso, todos os temas são nomeados por «fado». Excepto um:a Marcha da Esperança. E é tão fácil perceber porquê: ao ouvir tudo o que está nesta «Raiz» ouvimos o coração e as emoções de quem a fez. Não consigo imaginar maior ambição para um artista e muito menos para quem o quer ouvir. O segredo é outra vez o mesmo, porque em Cuca Roseta não poderia ser outro: uma surpreendente, inoportuna e deslumbrante verdade em estado puro.
Nuno Miguel Guedes
Artigos Relacionados
Comentar