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Zé Perdigão apresenta "Sons Ibéricos" a 20 de Setembro

Archive - Setembro 04, 2013
Já nos aconteceu a todos – diante de uma voz de esplendor, daquelas que espanta, que se entranha, que emociona e empolga, que fica depois a ecoar, misturando desde logo o prazer e a memória, vamos por aquele raciocínio prosaico: se cantasse a lista telefónica, o efeito seria o mesmo.

Levar-nos-ia a parar, a pensar, a planar, a aproveitar. Acontece com Zé Perdigão, cantor português sem fronteiras, eleito para nos deixar atónitos e estonteados com o alcance, a amplitude, a intensidade (e, ao mesmo tempo, a doçura) da sua voz. Felizmente para todos, o cantor e todos aqueles que o rodeiam não quiseram extremar o teste e a tal “lista telefónica” é trocada, só com vantagens, por um rol de canções dignas de fotografar, sem necessidade de retoques e emendas de Photoshop, cada uma das facetas da voz de Zé Perdigão, fazendo-lhes justiça, abrindo portas a uma viagem que, sendo programada, acaba por revelar surpresas, uma atrás da outra. Tudo está no lugar onde deve estar. E, ainda assim, tudo nos comove, envolve ou empolga.

Agora, mais do que em viagens passadas, Zé Perdigão busca e recebe canções que traçam a sua dimensão de intérprete sem limites. Fadista, como ele começou por definir-se. Mas além-Fado, ideia testemunhada por vários dos clássicos que recria ao seu jeito, vibrante, acessível, às vezes íntimo. O percurso só precisa da lógica que serve a dimensão da voz – percorre Portugal, subverte divisões que a alma desmente (a proximidade da Galiza, por exemplo), abraça a Ibéria e ainda namora o Brasil. Ora nem por uma vez se sente que Zé Perdigão deixa de ter a voz moldada a cada canção, como uma segunda pele – mas que não se pense em operações plásticas, que a naturalidade impera, somando instinto, técnica e matéria-prima. Ou, se quisermos especular, parece que cada um dos temas esteve à espera deste cantor para atingir o seu ponto de rebuçado. Doçuras não faltam, como pode confirmar quem já uniu os pontos, todos fortes, de “Sons Ibéricos”. Nem faltam os “salgadinhos”, fica o aviso.

Este disco de revelação e de afirmação faz-nos cruzar com o nome de José Cid, presente como compositor, autor, produtor, instrumentista. É ele quem prepara as bases, para que Zé Perdigão se ocupe primordialmente com o canto. Cid é cuidadoso e generoso. Por exemplo, quando, percebendo a cinzentice corrupta e contemporânea em que Portugal se deixou mergulhar, lhe proporciona lendas e narrativas, histórias sem data, perenes, cheias de princesas, ciganos, brumas, fadas, amores contrariados, magia. Um mundo que Perdigão assimila e faz brilhar. Subitamente, percebemos também que Zé Perdigão alargou a sua esfera de influência, convocando Joaquin Rodrigo, Garcia Lorca, Teixeira de Pascoaes, Pedro Homem de Mello, Alain Oulmain, Djavan, Ney Matogrosso. E José Cid. Aponta – e acerta – a um disco sem data, mas que seria um desperdício e uma asneira não começar, desde já, a assinalar como um dos que podem abençoar-nos com grandes alegrias em tempos de escassez e de confusão. Aos eruditos e académicos, deixamos a discussão – será Música Popular Portuguesa? Será Fado mestiçado? Será canção urbana dotada de roupas universais? Para o efeito, pouco importa. Aquilo que conta é não mais perder de vista Zé Perdigão e a sua voz, sujeitos activos de um encontro imediato a que não queremos (nem devemos) escapar.

O rótulo só preocupa quem arruma e, se houver justiça, bom senso e tábua-rasa aos preconceitos, este disco de Zé Perdigão vai levar muito tempo até chegar à estante. O vimaranense leva-nos, de certo modo, a um berço de cantigas que tendemos a esquecer com demasiada facilidade. Depois, traz-nos pela mão – e sempre, sempre pela voz – até ao que ultrapassa as condições de passado ou de futuro: “é”, simplesmente. Tão simplesmente como “Zé”.


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