Amália e Rui Valentim de Carvalho
Com o seu jeito tímido e discreto, Rui conheceu Amália em 1948.
Ouvi-la já o emocionava. Falar-lhe, admirar a sua beleza e o seu
talento, tornou-o grande admirador. O seu editor. O amigo incondicional
que a acompanhou sempre. Até ao fim da sua vida.
Ser editor era uma maneira
de exprimir a sua criatividade e o seu espírito empreendedor. A técnica
era a razão de ser do seu trabalho. Nesse sentido, foi um pioneiro.
Convenceu o tio, fundador da empresa, a comprar o terreno de Paço de
Arcos, para construir uma fábrica de discos e um estúdio de gravação de
som.
Até então, as gravações eram feitas no primeiro andar da loja
da Rua Nova do Almada, numa máquina RCA que gravava directamente para
um disco de 78 rotações. Não se podia ouvir o que se gravava. O
resultado seguia para Inglaterra. As provas demoravam 15 dias a chegar -
mas os discos mesmo levavam mais tempo. Vinham de barco e às vezes os
barcos eram afundados, por causa da guerra... A fábrica de discos
Valentim de Carvalho no Campo Grande era dedicada unicamente à prensagem
de 78 rotações.
Em 1952, por iniciativa de Rui, realizou-se a primeira gravação de
Amália para a Editora Valentim de Carvalho. Em Londres. Num estúdio
célebre: Abbey Road. A partir desse momento, Rui Valentim de Carvalho
sonhou um estúdio à semelhança do que vira em Londres. Com o mesmo tipo
de máquinas, a mesma qualidade. Para gravar mais e melhor.
Hugo
Ribeiro conta que Rui foi a Londres escolher as máquinas EMI e
Magnetophon, iguais às de Abbey Road. Com elas ainda se gravou na Rua
Nova do Almada e no Clube da Estefânia, onde as gravações eram
interrompidas pelos barulhos do bilhar e dos pavões do jardim. Para ter
um espaço com melhores condições, criaram o estúdio da Costa do Castelo,
em 1950 (onde hoje é o Teatro Taborda). Aí se gravou O Fabuloso Marceneiro, de Alfredo Marceneiro.
Em
Paço de Arcos, por escolha de Rui, o projeto da fábrica teve a autoria
dos arquitetos Conceição e Silva e Tomás Taveira. O estúdio foi
concebido, ainda nos anos 50, pelo Arquitecto Calvet de Magalhães e
liderado, na montagem de equipamento e testes acústicos, por engenheiros
de Abbey Road. Em 1960, ficou pronto. Em 63, a laborar normalmente,
conquistou um tal prestígio que atraiu a Portugal nomes como António
Machin (de Cuba), Joan Manuel Serrat e Julio lglesias (de Espanha) Cliff
Richard e os Shadows (de Inglaterra) ou Vinicius de Moraes e Sivuca (do
Brasil), entre muitos outros. Também em 1963, foi gravado e
misturado o primeiro filme no Estúdio. Com o sistema Westrecks, usado
pela primeira vez em Portugal. Um filme maior do cinema português: Belarmino de Fernando Lopes. A assinalar um marco histórico na Valentim de Carvalho.
Muitas
fotografias que poderiam testemunhar estes acontecimentos arderam no
incêndio do Chiado uma tragédia na vida de Rui, da empresa, de Lisboa e
do País. Fotografias dos grandes concertos de Amália em Hollywood Bowl
com o Maestro Kostelanetz, no Lincoln Center (em 1966) no Carnegie Hall
(em 75 e 77), no Japão, no Olympia de Paris, onde ele esteve sempre
presente. Como escreveu Vítor Pavão dos Santos, na biografia da artista:
“Rui não perde uma atuação de Amália, seja lá onde for”.
Foi um
editor exemplar. Continuou a criar e a dirigir os projetos de Amália,
acompanhado pelo seu colaborador João Belchior Viegas, pelo notável Hugo
Ribeiro, o engenheiro de som preferido por Amália, por José Carvalho e
por Fernando Cortez.Como administrador, passou a bola aos jovens.
A acreditar que era possível ultrapassar os maus momentos, num mundo
onde o audiovisual não pára de mudar.