Rodrigo Costa Félix: herdeiro da tradição masculina do fado de Lisboa.
Entrevistas - Dezembro 20, 2013
Atuou já
um pouco por todo o mundo e em espetáculos de homenagem a Amália em
Lisboa, Porto, Café Luso e Panteão Nacional.
Embora o seu primeiro CD a solo tenha sido gravado em 2008, Rodrigo Costa Félix já tinha participado em 1994 na gravação do CD "Alma Nova". Com a sua voz já deu "cor" a poetas como Fernando Pessoa e Vinícius de Moraes. Com a fadista Katia Guerreiro e com a artista angolana Aline Frazão protagonizou duetos inesquecíveis.
XpressingMusic (XM) – Rodrigo, obrigado por nos dedicar um pouco do seu tempo. Quando e como se começou a manifestar em si o gosto pela música e, mais especificamente pelo fado?
Rodrigo Costa Félix (R.C.F.) – Pela música muito cedo. Desde pequeno que me lembro de cantar tudo e mais alguma coisa. Sempre tive muita facilidade em aprender músicas e decorar letras. E convivo com o Fado desde muito novo, pois a minha mãe ouvia muito, e tinha vários amigos que cantavam ou tocavam, principalmente porque o meu pai – que também cantava - chegou a ter uma casa de Fado em Cascais, o Arreda, onde paravam muitos dos grandes nomes do Fado de então. As festas de aniversário da minha mãe tinham recorrentemente fado ao vivo. Mas só aos 17 anos despertei realmente para a beleza do fado, começando por me apaixonar pelos poemas e depois pela música e pelo fascinante meio fadista. Sempre fui um apaixonado por boa poesia e felizmente, desde Amália Rodrigues, o fado canta muita da excecional poesia que temos. Mais tarde resolvi arriscar um fado numa noite no restaurante Nove e Tal, do Nuno da Câmara Pereira, e nunca mais deixei de cantar. Aos 18 fui contratado para cantar no São Caetano, depois na Taverna do Embuçado e desde há cerca de 12 anos no Clube de Fado.
XM – "Sol y Luna – Flamenco y Fado" ou o espetáculo do guitarrista Mário Pacheco no Palácio de Queluz foram alguns dos grandes espetáculos em que participou. Estes momentos deram-lhe oportunidade de cantar ao lado de outros grandes nomes do fado... Pode descrever-nos um pouco resumidamente estas experiências?
Rodrigo Costa FélixR.C.F. – Sim, tenho tido a felicidade de poder participar em projetos muito interessantes. O "Sol y Luna" foi um desafio estimulante, pois juntava o Fado e o Flamenco num espetáculo fantástico, com excelentes músicos e cantores, bem como alguns dos melhores bailarinos espanhóis.
O concerto do Mário Pacheco no Palácio de Queluz, de onde mais tarde resultou o DVD "A música e a Guitarra" – considerado pela revista Songlines como o melhor da World Music de 2005 – foi uma experiência incrível. Primeiro por partilhar o palco com grandes cantores, mas principalmente por cantar algumas das maravilhosas músicas que o Mário compôs para mim, que mais tarde gravei no "Fados d'Alma". Tudo isto num cenário maravilhoso. Na promoção desse DVD fizemos vários concertos, inclusive uma tournée pela Holanda que foi muito gratificante.
XM – Quando vai, a solo ou integrado em elencos, atuar em países como Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, França, Espanha, Benelux, Itália, Alemanha, Polónia, Tunísia, ou China, entre outros, sente o peso da responsabilidade de ir representar e defender o Património Imaterial da Humanidade que é o fado?
R.C.F. – Sinto sempre uma enorme responsabilidade cada vez que piso um palco, ou mesmo quando canto numa casa de fados. Claro que quando somos chamados a representar a nossa cultura e o nosso país lá fora, essa responsabilidade é acrescida. Desde que o fado foi considerado Património Imaterial da UNESCO penso que todos nós sentimos o peso de dar voz a uma música universal. Mas a matriz do Fado não mudou: para nós ele sempre foi Património da Humanidade porque é único, porque tem características muito próprias e porque carrega o sentimento e a cultura de um país. Esta distinção trouxe mais visibilidade, mais exposição, mais mercado, chamou muito mais gente para o fado, convenceu muitos detratores a gostar de fado, ou no mínimo a respeitá-lo. Agora, mais do que nunca, precisamos defender e preservar essas características, pois se não o fizermos o Fado corre o risco de se desvirtuar, de perder a genuinidade, a identidade. É preciso muito cuidado com o que se anda por aí a chamar de fado, a confundir com fado e a aproveitar do fado.
XM – O que significou para si o convite para participar na gravação do CD "Alma Nova"?
Rodrigo Costa FélixR.C.F. – Foi uma fase muito engraçada da minha vida, pois eu estava a começar, já cantava em casas de fado, mas era ainda um pouco "verde". A Maria Ana Bobone e o Miguel Capucho tinham começado a cantar fado há muito pouco tempo e, tal como eu, participaram em alguns concertos do João Braga. Ele resolveu propor à Strauss juntar-nos em CD e o resultado foi um disco muito interessante, diversificado e o primeiro registo da nossa geração. Estávamos em 94. Havia muito pouco fado nas televisões, nas rádios. Nós corremos todos os programas, tivemos bastante tempo de antena (risos) e os media achavam curioso três jovens tão novos a cantar fado, assumidamente a cantar fado. Naquela época não era normal. Fadistas como a Mafalda Arnauth, Katia Guerreiro, etc, gravaram bastante mais tarde. Talvez por isso - vim depois a perceber - e também porque nele tocaram músicos excecionais, o "Alma Nova" foi um disco de referência para a geração a seguir à nossa.
XM – O seu CD a solo, "Fados D'Alma", foi gravado 14 anos depois da sua participação no "Alma Nova"... Houve alguma razão especial para termos que esperar tanto tempo por um trabalho seu? Fale-nos um pouco deste seu primeiro disco... Qual foi a reação do público?
R.C.F. – A principal razão foi a minha vida ter dado muitas voltas nesse período. Estive a estudar Comunicação Social, fui Jovem Agricultor, tive aulas de russo, enfim. Continuei sempre a cantar, claro, mas o mercado não estava como agora, não havia tanta abertura para projetos de fado. Depois estive a estudar dois anos em Londres e perdi o grande boom do fado, após a Expo98. Quando regressei, o cenário era totalmente diferente, e tardei a apanhar outra vez o "barco". Entretanto comecei a trabalhar, casei-me... e a carreira de fadista foi mantendo-se num regime de semiprofissionalismo. Só em 2005 decidi dedicar-me mais a sério àquilo que realmente me dá prazer: cantar. Comecei aos poucos a preparar o CD, a reunir repertório, a pedir novos temas. Em 2008 saiu finalmente o "Fados d'Alma", produzido pelo Mário Pacheco e editado pela CNM. É um disco que revela muito do que sou como pessoa, como artista. Tem músicos fabulosos (Mário, Carlos Manuel Proença e Rodrigo Serrão), temas lindíssimos que continuam a fazer parte do meu repertório de concertos, incluindo vários originais do Mário Pacheco como o "Soneto da Fidelidade", com letra do Vinícius de Moraes, que faz enorme sucesso entre o público brasileiro, pois é um poema que a grande maioria conhece e adora. Tem também dois poemas de um dos meus poetas preferidos, o Manuel de Andrade, dois do Fernando Pessoa, um deles – a "Prece" – com música do João Braga, e duas letras minhas: "Balada ao meu amor", com música original do meu querido e saudoso Fontes Rocha e o "Mãe", com música de Zeca Afonso, que foi também o primeiro tema gravado pela Marta.
XM – Em 2012 surge o CD "Fados de Amor" editado pela Farol Música. Este CD é dedicado a uma pessoa muito especial... É o primeiro CD da história do Fado onde Guitarra Portuguesa é integralmente gravada por uma mulher, Marta Pereira da Costa. Para além desta aura de amor e cumplicidade, quais são os outros atributos deste "Fados de Amor" e como decorreram os espetáculos inerentes a este trabalho discográfico?
Rodrigo Costa Félix - Fados de AmorR.C.F. – O disco é todo ele dedicado à Mulher. Não apenas à Marta, a minha mulher, mas a todas as mulheres, as da minha vida e as outras. Sou um admirador assumido das mulheres, acho que são seres superiores a nós homens e com quem temos muito que aprender. Nomeadamente conhecem uma dimensão do Amor que nós nem fazemos ideia que existe. Entre outros aspetos como a inteligência, a sensibilidade, enfim. Como tive a sorte de ao longo da minha vida conviver com mulheres extraordinárias como a minha avó, a minha mãe, a minha irmã Margarida e agora a Marta, achei que lhes deveria fazer uma homenagem sentida, cantando. E todo o disco fala delas, direta ou indiretamente. Mas quando estávamos a decidir o título do cd, chegámos à conclusão que todos os temas falavam essencialmente de Amor. Depois, sendo um disco dedicado às mulheres, fazia sentido desafiar a Marta a tocar toda a parte da Guitarra Portuguesa. Na altura não pensámos no facto de que seria a primeira vez que isso acontecia na história do Fado, mas do desafio que representaria para a Marta fazê-lo. Mas ela dedicou-se meses a fio e fez um trabalho extraordinário, muito bem apoiada pelo nosso produtor, o Rodrigo Serrão, que lhe disponibilizou o estúdio para treinar e gravar à sua vontade. E isso veio até a revelar-se decisivo na decisão da Marta abraçar a carreira de guitarrista.
Depois decidi convidar duas mulheres fantásticas para fazerem duetos comigo. A Katia Guerreiro, minha amiga de longa data e artista admirável, gravou um tema original do Pedro Pinhal para um poema do Guerra Junqueiro: Morena. Tem feito enorme sucesso nas rádios (risos). A Aline Frazão foi uma descoberta. Uma voz deliciosa, uma doçura de pessoa que me foi apresentada pela Ana Geraldo, autora da letra "Fado Contido", que tem música do meu querido amigo Rogério Charraz. Mas destaco o single do disco, "Amigo Aprendiz", uma música arrepiante do Tiago Bettencourt, um grande amigo e brilhante músico e compositor, para um poema que no início julgávamos ser do Fernando Pessoa, mas que afinal é da autoria do Padre Zezinho, famoso padre brasileiro, autor de inúmeros sucessos religiosos (sorriso). Seja de quem for o poema é divinal (sorriso). Gravei também dois poemas fabulosos, escritos para mim pelo melhor poeta a escrever para fado atualmente, o Tiago Torres da Silva: "Paixões Secretas" e "Nos olhos de alguém".
Resumindo, é um disco conceptual, que reúne vários estilos de fado: do mais tradicional como o Fado Corrido ou o Fado Alberto, ao fado canção ou mesmo de canções como o "Amigo Aprendiz" ou "Canto Breve", com música do Pedro Pinhal e letra minha.
XM – Entre as várias alegrias que este disco lhe trouxe, uma das maiores foi certamente o facto de o primeiro single, "Amigo Aprendiz" de Tiago Bettencourt, ser eleito pela revista americana "The Atlantic" como uma das melhores baladas do mundo em 2012... Concorda?
R.C.F. – Sim, sem dúvida que a distinção por parte da revista "The Atlantic" foi uma enorme alegria. Mas a maior de todas foi, mais recentemente, ter recebido da Fundação Amália Rodrigues o prémio de melhor disco do ano de 2012. Foi uma honra enorme. Ainda para mais um prémio que carrega o nome maior do Fado e da música portuguesa, Amália Rodrigues. E sendo um disco dedicado às mulheres e que fala essencialmente de amor, nada mais apropriado que um prémio com o nome de uma mulher que viveu de e para amar.
XM – Tem atuado bastante no estrangeiro... Como têm corrido os seus espetáculos mais recentes lá por fora?
R.C.F. – Felizmente muito bem. Temos a sorte de poder fazer o que gostamos e ainda poder viajar e conhecer outros países e culturas. É um grande privilégio. Este ano viajámos bastante, mas a tournée que realizámos em outubro e novembro pelos Estados Unidos foi sem dúvida a viagem mais marcante. Tivemos a oportunidade de atuar em várias cidades dos estados de Massachusetts, Rhode Island e Nova Iorque, incluindo o mítico Johnny D's em Boston e o Drom em plena East Village, em Manhattan. Mas para além dos concertos, que felizmente correram todos muitíssimo bem, a viagem teve aspetos diferentes: primeiro porque partilhámos o palco com artistas locais, que era um pouco o propósito da tournée organizada pela Portuguese American Cultural Exchange – P.A.C.E. – como a Nathalie Pires, a Catarina Avelar e especialmente o Pedro Pimentel, contrabaixista excelente que esteve connosco em todos os concertos; depois porque realizámos uma série de workshops em inglês em escolas e universidades americanas sobre Fado. Esta foi uma experiência incrível: o público, maioritariamente estrangeiro – mas também muitos luso-descendentes -, alguns sem nenhum tipo de contacto prévio com a nossa música, ficava muito impressionado com o que fomos relatando e exemplificando, o que prova que o Fado pode ser um veículo muito importante na divulgação, na promoção da nossa língua e da nossa cultura. Mas esta relação de proximidade com as pessoas, dando-lhes a oportunidade de colocar questões, esclarecer dúvidas, corrigir ideias erradas, desmistificar preconceitos é muito interessante, muito mais interessante do que aterrarmos o avião, fazermos o concerto e partirmos para outro lugar, sem que seja criado um laço mais profundo, que foi o que eu penso que conseguimos com estes workshops. Tive um caso de uma aluna da Umass Dartmouth que no final da apresentação me confessou que apesar de ser filha de mãe portuguesa, nunca teve curiosidade em aprender português, em conhecer a nossa cultura, o fado, a poesia... até aquele momento. E que a partir dali iria interessar-se mais pelas suas origens, conhecer melhor o muito que temos para oferecer. E há muito pouca coisa feita neste campo e imenso por fazer.
XM – Por vezes ouve-se dizer que o mundo do Fado é muito diferente do de outras áreas musicais... É verdade que existe muita rivalidade entre os fadistas?
R.C.F. – Não mais do que em outros meios artísticos – não é apenas na música – e, seguramente, não pior que em muitos outros meios profissionais que conheço (risos). Tenho até a ideia, felizmente comprovada, que existe um espírito de convivência, de camaradagem, de amizade que poucos meios devem ter. Obviamente que há exceções, mas creio que a maioria se dá muito bem, de forma saudável. Apesar disto, confesso sentir que as coisas tenham mudado um pouco nos últimos anos, com o maior profissionalismo de alguns fadistas e músicos. Mas não se reflete em rivalidade, apenas em menos convivência e/ou conhecimento. Nada de grave (risos).
XM – Muito obrigado por nos ter dedicado este bocadinho da sua vida. Para terminar, gostaríamos que nos dissesse quais os próximos projetos em que está inserido e onde o poderemos ver e ouvir em breve.
R.C.F. – Eu é que agradeço! Podem continuar a ver-me e ouvir-me no Clube de Fado, em Alfama. Continuo ainda a promover os "Fados de Amor", impulsionado agora pelo prémio Amália, mas estou já a preparar o próximo CD, que sairá seguramente no segundo semestre do ano que vem. Entretanto temos já várias viagens agendadas e muitos projetos interessantes para lançar. Mas por enquanto nada que possa revelar (risos). in XpressingMusic
XpressingMusic (XM) – Rodrigo, obrigado por nos dedicar um pouco do seu tempo. Quando e como se começou a manifestar em si o gosto pela música e, mais especificamente pelo fado?
Rodrigo Costa Félix (R.C.F.) – Pela música muito cedo. Desde pequeno que me lembro de cantar tudo e mais alguma coisa. Sempre tive muita facilidade em aprender músicas e decorar letras. E convivo com o Fado desde muito novo, pois a minha mãe ouvia muito, e tinha vários amigos que cantavam ou tocavam, principalmente porque o meu pai – que também cantava - chegou a ter uma casa de Fado em Cascais, o Arreda, onde paravam muitos dos grandes nomes do Fado de então. As festas de aniversário da minha mãe tinham recorrentemente fado ao vivo. Mas só aos 17 anos despertei realmente para a beleza do fado, começando por me apaixonar pelos poemas e depois pela música e pelo fascinante meio fadista. Sempre fui um apaixonado por boa poesia e felizmente, desde Amália Rodrigues, o fado canta muita da excecional poesia que temos. Mais tarde resolvi arriscar um fado numa noite no restaurante Nove e Tal, do Nuno da Câmara Pereira, e nunca mais deixei de cantar. Aos 18 fui contratado para cantar no São Caetano, depois na Taverna do Embuçado e desde há cerca de 12 anos no Clube de Fado.
XM – "Sol y Luna – Flamenco y Fado" ou o espetáculo do guitarrista Mário Pacheco no Palácio de Queluz foram alguns dos grandes espetáculos em que participou. Estes momentos deram-lhe oportunidade de cantar ao lado de outros grandes nomes do fado... Pode descrever-nos um pouco resumidamente estas experiências?
Rodrigo Costa FélixR.C.F. – Sim, tenho tido a felicidade de poder participar em projetos muito interessantes. O "Sol y Luna" foi um desafio estimulante, pois juntava o Fado e o Flamenco num espetáculo fantástico, com excelentes músicos e cantores, bem como alguns dos melhores bailarinos espanhóis.
O concerto do Mário Pacheco no Palácio de Queluz, de onde mais tarde resultou o DVD "A música e a Guitarra" – considerado pela revista Songlines como o melhor da World Music de 2005 – foi uma experiência incrível. Primeiro por partilhar o palco com grandes cantores, mas principalmente por cantar algumas das maravilhosas músicas que o Mário compôs para mim, que mais tarde gravei no "Fados d'Alma". Tudo isto num cenário maravilhoso. Na promoção desse DVD fizemos vários concertos, inclusive uma tournée pela Holanda que foi muito gratificante.
XM – Quando vai, a solo ou integrado em elencos, atuar em países como Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, França, Espanha, Benelux, Itália, Alemanha, Polónia, Tunísia, ou China, entre outros, sente o peso da responsabilidade de ir representar e defender o Património Imaterial da Humanidade que é o fado?
R.C.F. – Sinto sempre uma enorme responsabilidade cada vez que piso um palco, ou mesmo quando canto numa casa de fados. Claro que quando somos chamados a representar a nossa cultura e o nosso país lá fora, essa responsabilidade é acrescida. Desde que o fado foi considerado Património Imaterial da UNESCO penso que todos nós sentimos o peso de dar voz a uma música universal. Mas a matriz do Fado não mudou: para nós ele sempre foi Património da Humanidade porque é único, porque tem características muito próprias e porque carrega o sentimento e a cultura de um país. Esta distinção trouxe mais visibilidade, mais exposição, mais mercado, chamou muito mais gente para o fado, convenceu muitos detratores a gostar de fado, ou no mínimo a respeitá-lo. Agora, mais do que nunca, precisamos defender e preservar essas características, pois se não o fizermos o Fado corre o risco de se desvirtuar, de perder a genuinidade, a identidade. É preciso muito cuidado com o que se anda por aí a chamar de fado, a confundir com fado e a aproveitar do fado.
XM – O que significou para si o convite para participar na gravação do CD "Alma Nova"?
Rodrigo Costa FélixR.C.F. – Foi uma fase muito engraçada da minha vida, pois eu estava a começar, já cantava em casas de fado, mas era ainda um pouco "verde". A Maria Ana Bobone e o Miguel Capucho tinham começado a cantar fado há muito pouco tempo e, tal como eu, participaram em alguns concertos do João Braga. Ele resolveu propor à Strauss juntar-nos em CD e o resultado foi um disco muito interessante, diversificado e o primeiro registo da nossa geração. Estávamos em 94. Havia muito pouco fado nas televisões, nas rádios. Nós corremos todos os programas, tivemos bastante tempo de antena (risos) e os media achavam curioso três jovens tão novos a cantar fado, assumidamente a cantar fado. Naquela época não era normal. Fadistas como a Mafalda Arnauth, Katia Guerreiro, etc, gravaram bastante mais tarde. Talvez por isso - vim depois a perceber - e também porque nele tocaram músicos excecionais, o "Alma Nova" foi um disco de referência para a geração a seguir à nossa.
XM – O seu CD a solo, "Fados D'Alma", foi gravado 14 anos depois da sua participação no "Alma Nova"... Houve alguma razão especial para termos que esperar tanto tempo por um trabalho seu? Fale-nos um pouco deste seu primeiro disco... Qual foi a reação do público?
R.C.F. – A principal razão foi a minha vida ter dado muitas voltas nesse período. Estive a estudar Comunicação Social, fui Jovem Agricultor, tive aulas de russo, enfim. Continuei sempre a cantar, claro, mas o mercado não estava como agora, não havia tanta abertura para projetos de fado. Depois estive a estudar dois anos em Londres e perdi o grande boom do fado, após a Expo98. Quando regressei, o cenário era totalmente diferente, e tardei a apanhar outra vez o "barco". Entretanto comecei a trabalhar, casei-me... e a carreira de fadista foi mantendo-se num regime de semiprofissionalismo. Só em 2005 decidi dedicar-me mais a sério àquilo que realmente me dá prazer: cantar. Comecei aos poucos a preparar o CD, a reunir repertório, a pedir novos temas. Em 2008 saiu finalmente o "Fados d'Alma", produzido pelo Mário Pacheco e editado pela CNM. É um disco que revela muito do que sou como pessoa, como artista. Tem músicos fabulosos (Mário, Carlos Manuel Proença e Rodrigo Serrão), temas lindíssimos que continuam a fazer parte do meu repertório de concertos, incluindo vários originais do Mário Pacheco como o "Soneto da Fidelidade", com letra do Vinícius de Moraes, que faz enorme sucesso entre o público brasileiro, pois é um poema que a grande maioria conhece e adora. Tem também dois poemas de um dos meus poetas preferidos, o Manuel de Andrade, dois do Fernando Pessoa, um deles – a "Prece" – com música do João Braga, e duas letras minhas: "Balada ao meu amor", com música original do meu querido e saudoso Fontes Rocha e o "Mãe", com música de Zeca Afonso, que foi também o primeiro tema gravado pela Marta.
XM – Em 2012 surge o CD "Fados de Amor" editado pela Farol Música. Este CD é dedicado a uma pessoa muito especial... É o primeiro CD da história do Fado onde Guitarra Portuguesa é integralmente gravada por uma mulher, Marta Pereira da Costa. Para além desta aura de amor e cumplicidade, quais são os outros atributos deste "Fados de Amor" e como decorreram os espetáculos inerentes a este trabalho discográfico?
Rodrigo Costa Félix - Fados de AmorR.C.F. – O disco é todo ele dedicado à Mulher. Não apenas à Marta, a minha mulher, mas a todas as mulheres, as da minha vida e as outras. Sou um admirador assumido das mulheres, acho que são seres superiores a nós homens e com quem temos muito que aprender. Nomeadamente conhecem uma dimensão do Amor que nós nem fazemos ideia que existe. Entre outros aspetos como a inteligência, a sensibilidade, enfim. Como tive a sorte de ao longo da minha vida conviver com mulheres extraordinárias como a minha avó, a minha mãe, a minha irmã Margarida e agora a Marta, achei que lhes deveria fazer uma homenagem sentida, cantando. E todo o disco fala delas, direta ou indiretamente. Mas quando estávamos a decidir o título do cd, chegámos à conclusão que todos os temas falavam essencialmente de Amor. Depois, sendo um disco dedicado às mulheres, fazia sentido desafiar a Marta a tocar toda a parte da Guitarra Portuguesa. Na altura não pensámos no facto de que seria a primeira vez que isso acontecia na história do Fado, mas do desafio que representaria para a Marta fazê-lo. Mas ela dedicou-se meses a fio e fez um trabalho extraordinário, muito bem apoiada pelo nosso produtor, o Rodrigo Serrão, que lhe disponibilizou o estúdio para treinar e gravar à sua vontade. E isso veio até a revelar-se decisivo na decisão da Marta abraçar a carreira de guitarrista.
Depois decidi convidar duas mulheres fantásticas para fazerem duetos comigo. A Katia Guerreiro, minha amiga de longa data e artista admirável, gravou um tema original do Pedro Pinhal para um poema do Guerra Junqueiro: Morena. Tem feito enorme sucesso nas rádios (risos). A Aline Frazão foi uma descoberta. Uma voz deliciosa, uma doçura de pessoa que me foi apresentada pela Ana Geraldo, autora da letra "Fado Contido", que tem música do meu querido amigo Rogério Charraz. Mas destaco o single do disco, "Amigo Aprendiz", uma música arrepiante do Tiago Bettencourt, um grande amigo e brilhante músico e compositor, para um poema que no início julgávamos ser do Fernando Pessoa, mas que afinal é da autoria do Padre Zezinho, famoso padre brasileiro, autor de inúmeros sucessos religiosos (sorriso). Seja de quem for o poema é divinal (sorriso). Gravei também dois poemas fabulosos, escritos para mim pelo melhor poeta a escrever para fado atualmente, o Tiago Torres da Silva: "Paixões Secretas" e "Nos olhos de alguém".
Resumindo, é um disco conceptual, que reúne vários estilos de fado: do mais tradicional como o Fado Corrido ou o Fado Alberto, ao fado canção ou mesmo de canções como o "Amigo Aprendiz" ou "Canto Breve", com música do Pedro Pinhal e letra minha.
XM – Entre as várias alegrias que este disco lhe trouxe, uma das maiores foi certamente o facto de o primeiro single, "Amigo Aprendiz" de Tiago Bettencourt, ser eleito pela revista americana "The Atlantic" como uma das melhores baladas do mundo em 2012... Concorda?
R.C.F. – Sim, sem dúvida que a distinção por parte da revista "The Atlantic" foi uma enorme alegria. Mas a maior de todas foi, mais recentemente, ter recebido da Fundação Amália Rodrigues o prémio de melhor disco do ano de 2012. Foi uma honra enorme. Ainda para mais um prémio que carrega o nome maior do Fado e da música portuguesa, Amália Rodrigues. E sendo um disco dedicado às mulheres e que fala essencialmente de amor, nada mais apropriado que um prémio com o nome de uma mulher que viveu de e para amar.
XM – Tem atuado bastante no estrangeiro... Como têm corrido os seus espetáculos mais recentes lá por fora?
R.C.F. – Felizmente muito bem. Temos a sorte de poder fazer o que gostamos e ainda poder viajar e conhecer outros países e culturas. É um grande privilégio. Este ano viajámos bastante, mas a tournée que realizámos em outubro e novembro pelos Estados Unidos foi sem dúvida a viagem mais marcante. Tivemos a oportunidade de atuar em várias cidades dos estados de Massachusetts, Rhode Island e Nova Iorque, incluindo o mítico Johnny D's em Boston e o Drom em plena East Village, em Manhattan. Mas para além dos concertos, que felizmente correram todos muitíssimo bem, a viagem teve aspetos diferentes: primeiro porque partilhámos o palco com artistas locais, que era um pouco o propósito da tournée organizada pela Portuguese American Cultural Exchange – P.A.C.E. – como a Nathalie Pires, a Catarina Avelar e especialmente o Pedro Pimentel, contrabaixista excelente que esteve connosco em todos os concertos; depois porque realizámos uma série de workshops em inglês em escolas e universidades americanas sobre Fado. Esta foi uma experiência incrível: o público, maioritariamente estrangeiro – mas também muitos luso-descendentes -, alguns sem nenhum tipo de contacto prévio com a nossa música, ficava muito impressionado com o que fomos relatando e exemplificando, o que prova que o Fado pode ser um veículo muito importante na divulgação, na promoção da nossa língua e da nossa cultura. Mas esta relação de proximidade com as pessoas, dando-lhes a oportunidade de colocar questões, esclarecer dúvidas, corrigir ideias erradas, desmistificar preconceitos é muito interessante, muito mais interessante do que aterrarmos o avião, fazermos o concerto e partirmos para outro lugar, sem que seja criado um laço mais profundo, que foi o que eu penso que conseguimos com estes workshops. Tive um caso de uma aluna da Umass Dartmouth que no final da apresentação me confessou que apesar de ser filha de mãe portuguesa, nunca teve curiosidade em aprender português, em conhecer a nossa cultura, o fado, a poesia... até aquele momento. E que a partir dali iria interessar-se mais pelas suas origens, conhecer melhor o muito que temos para oferecer. E há muito pouca coisa feita neste campo e imenso por fazer.
XM – Por vezes ouve-se dizer que o mundo do Fado é muito diferente do de outras áreas musicais... É verdade que existe muita rivalidade entre os fadistas?
R.C.F. – Não mais do que em outros meios artísticos – não é apenas na música – e, seguramente, não pior que em muitos outros meios profissionais que conheço (risos). Tenho até a ideia, felizmente comprovada, que existe um espírito de convivência, de camaradagem, de amizade que poucos meios devem ter. Obviamente que há exceções, mas creio que a maioria se dá muito bem, de forma saudável. Apesar disto, confesso sentir que as coisas tenham mudado um pouco nos últimos anos, com o maior profissionalismo de alguns fadistas e músicos. Mas não se reflete em rivalidade, apenas em menos convivência e/ou conhecimento. Nada de grave (risos).
XM – Muito obrigado por nos ter dedicado este bocadinho da sua vida. Para terminar, gostaríamos que nos dissesse quais os próximos projetos em que está inserido e onde o poderemos ver e ouvir em breve.
R.C.F. – Eu é que agradeço! Podem continuar a ver-me e ouvir-me no Clube de Fado, em Alfama. Continuo ainda a promover os "Fados de Amor", impulsionado agora pelo prémio Amália, mas estou já a preparar o próximo CD, que sairá seguramente no segundo semestre do ano que vem. Entretanto temos já várias viagens agendadas e muitos projetos interessantes para lançar. Mas por enquanto nada que possa revelar (risos). in XpressingMusic
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Estive em Portugal em 2004 e tive a sorte de assistir a uma apresentação do grupo Alma Nova. Foi simplesmente maravilhoso, e comprei o CD. Em muitas mudanças de cidade acabei por perdê-lo e gostaria de saber como faço para comprar outro ou ter as músicas de alguma forma.
Foi uma pena o grupo não continuar pois eram perfeitos!
Obrigada,
Lou Alves Citação