Gisela João "nua" nos coliseus, do Porto e Lisboa
Entrevistas - Abril 04, 2017
Atua nos coliseus do Porto, já hoje, e no de Lisboa (7 de abril). Gisela João falou sobre os concertos que aí vêm e não só.
Nestes concertos nos coliseus, vai com certeza apresentar canções do disco mais recente, Nua. Essas canções continuam a surpreendê-la, a revelar os seus segredos?
Muito! Mas os coliseus não [vão ser centrados apenas] no disco Nua. São sobre todo o universo da Gisela. Este disco já teve um concerto de apresentação [no Lux] e tem havido [outros] concertos. No de apresentação, só cantei as músicas do disco novo. Nos outros, é lógico que tenho de cantar algumas músicas do primeiro, senão as pessoas matam-me. E algumas canções do novo acabam por ficar de fora. Como não as canto tantas vezes, e não ficam tão calibradas como as outras, tenho-me surpreendido com elas. Cada vez que as canto, vão ganhando mais vida. Até as do primeiro disco continuam a surpreender-me, mas com essas já sinto uma segurança diferente. Por exemplo, a «Llorona» ou «Sombras do Passado» [do novo disco], que têm ficado de fora nalguns concertos – eu sentia alguma insegurança a cantá-las, mas em fevereiro comecei a pô-las no alinhamento e hoje já não sinto insegurança nenhuma. E dão-me muito gozo.
Da primeira vez que atuou nos coliseus, em 2015, já cantou algumas canções que viriam a figurar no segundo disco, lançado no final de 2016. Gosta de estar sempre um passo à frente?
Sem querer, que é o mais engraçado! Tu projetas no futuro aquilo que vai acontecer – quem não acredita nisso está completamente errado. Estamos sempre a projetar, e tudo o que nos acontece nós já sabemos, de certa forma.
Acredita nessas «pistas» de futuro?
Acredito. Quando fiz os coliseus, em 2015, [contei] a história do primeiro fado que eu ouvi, que foi a primeira música que cantei nessa noite. [Apresentei as] músicas que fizeram parte do meu percurso. Depois dos coliseus, comecei a fazer uma lista dos possíveis temas a gravar e, quando fiquei com a lista quase fechada, percebi que algumas já as tinha cantado nos coliseus. E até me lembro de dizer: mas então, da próxima vez que fizer os coliseus, vou cantar outra vez estas músicas!
Uma dessas canções que estreou e 2015 foi «Noite de São João», cuja letra, de Capicua, causou risadas no público….
Quando conheci a Capicua, ela ouviu-me cantar «Noite de São João», da Berta Cardoso. E ainda a Capicua estava a escrever a letra d' «(A Casa) da Mariquinhas» [incluída no primeiro disco de Gisela João] e já me dizia: tens de cantar uma «Noite de São João», mas do São do João do Porto, não do de Lisboa!
Está a trabalhar com o André Teodósio, com quem já colaborou nos primeiros coliseus. A vossa relação de trabalho passa pela provocação mútua, na tentativa de criar ideias?
Provocamo-nos muito um ao outro, damos muito «cabeçadas». Ele ouve-me muito, o que é muito importante. Percebe o que me deixa mais confortável ou desconfortável. Nunca me impõe nada – somos capazes de estar a falar sobre o trabalho e a conceção das coisas, e de repente vamos fazer pesquisa mas ficamos só pela pesquisa. Entretanto já virámos à esquerda e fomos dar a outro lado qualquer. Vamos jantar, pensamos que já não trabalhamos mais e, no dia seguinte, tudo o que estivemos a fazer acabou por contar muito para o resultado [final].
Recentemente atuou em Nova Iorque. Teve oportunidade de visitar a cidade?
Já tinha estado em Nova Iorque algumas vezes, e já tinha cantado lá, também. Tive algum tempinho para passear, mas quando vou para cantar, quando estou em trabalho, não consigo desligar, e prefiro estar o mais quietinha possível para chegar à hora agá e mostrar que dois mais dois são quatro. E agora eu enganava-me e dizia «dois mais dois são cinco». (risos) Outro dia, na Ilha do Pico, dei uns concertos tão lindos! Logo à primeira música já estava emocionada. Então, os [meus músicos] começam a fazer a introdução, e eu começo a falar do «Fado Desta Noite», do que o poema quer dizer, que é tão bonito: «duas rosas que estão a atirar beijos vermelhos, sem boca para os dar», é tão romântico! É a música que abre o meu segundo disco, Nua. Eu começo a ouvir a melodia e penso: não consigo entrar! E eles, a dizerem-me com o olhar: não é esta! Mas eu estava tão embrenhada na emoção e queria cantar aquela música… Eles estavam a seguir o alinhamento, eu é que me enganei. No fim disse às pessoas: vocês devem estar a pensar onde é que estão as rosas vermelhas sem boca para os dar. (risos)
Que concertos foram esses?
Foram num auditório novo, na vila da Madalena, na Ilha do Pico, que eu fui inaugurar. Dei dois concertos seguidos, com fila de espera, mesmo fixe! Estavam cheios e o auditório é muito porreiro.
Na crítica do New York Times ao concerto em Nova Iorque, Jon Pareles escreve que «Miss Joao não é a fadista típica e austera de outros tempos, vestida de negro...». Sente que ainda há essa perceção, quando atua fora de Portugal?
Sinto, principalmente quando há portugueses [no público]. Mas está-se bem. É para o bem e para o mal. Como eu costumo dizer, para aquelas pessoas que estão sempre «ai que engraçado, ela canta de sapatilhas!» - não são as sapatilhas que cantam. Eu não sou escrava das sapatilhas, canto de sapatilhas quando canto, porque gosto de me sentir confortável. Quando aos xailes, tenho xailes lindíssimos. Quando me apetecer pôr um, ponho.
Mas é quando há mais portugueses nas salas que esses comentários surgem?
Sim, até porque há muitos estrangeiros que não sabem o que é o fado, e [quando vão a um concerto meu] estão a ir a um concerto de fado pela primeira vez. Se calhar, depois, quando virem outras fadistas, até estranharão o xaile! (risos) Nós nascemos e estamos habituados a que nos vistam e a que toda a gente ande vestido; se vês alguém nu na rua, achas estranho, mas se fosse hábito andar sempre nu, estranhavas é se visses alguém vestido.
Em 2016, Nua foi considerado o segundo melhor disco português do ano pela BLITZ. Já este ano, ganhou o prémio de Melhor Álbum, entregue pela Time Out. Estes prémios são importantes para si?
Claro que são. Não me deixo iludir, porque é muito importante ter os pés na terra, ainda por cima nesta profissão, em que as coisas são tão efémeras. Mas, como em qualquer outra profissão, seria uma hipocrisia de todo o tamanho dizer que não gosto de ver o meu trabalho reconhecido. Vou dormir e fazer a minha vida e sou a mesma pessoa. Mas, naquele momento, fico super feliz.
No novo disco tem duas versões de canções do Cartola. Recebeu feedback do Brasil?
Recebi, principalmente por uma delas. Já percebi que há muitas pessoas que morrem de amores por «As Rosas Não Falam», e também do público brasileiro. Ainda outro dia uma miúda me dizia: nossa, você cantando «As Rosas Não Falam» – parece que aquela música nem é brasileira, parece que é sua e sempre foi um fado! E isso deixa-me muito feliz.
No seu Facebook, lançou um passatempo para ganhar bilhetes para os coliseus, que passava pelo envio de cartas…
Deu-me um gozo incrível! Quando tive a ideia, já a amava, ou não a teria feito. Mas nem sonhava o gozo que me iria dar. Perceber que ia poder fazer uma surpresa boa às pessoas! Porque as que alinharam são pessoas que gostam muito de mim e do meu trabalho. E uma das vencedoras, o filho filmou a mãe a chorar… O pai foi cúmplice do filho e escondeu-lhe a carta [enviada por Gisela]. Como o filho só vai a casa ao fim de semana, o pai deu-lhe a carta e ele entregou-a à mãe. E filmou a mãe a abrir. E a senhora: isto é a letra da Gisela? Isto é a Gisela? Não é nada, eu não acredito! Tu és um bandido! Foi tão giro.
Vivemos numa era em que a comunicação é muito facilitada pelos meios digitais, mas receber uma carta tem outro «sabor»…
Também foi por isso [que tive a ideia]. Eu passo a vida a dizer que sou uma romântica, e sou. E as pessoas já não escrevem cartas. (suspiro)
Gosta muito de viajar. Tem alguma viagem sonhada para este ano?
Não tenho férias há dois anos, e este ano acho que também não vou ter. Mas adorava ir às Ilhas Galápagos! Adoro animais e acho que ia ficar louca, lá.
Muito! Mas os coliseus não [vão ser centrados apenas] no disco Nua. São sobre todo o universo da Gisela. Este disco já teve um concerto de apresentação [no Lux] e tem havido [outros] concertos. No de apresentação, só cantei as músicas do disco novo. Nos outros, é lógico que tenho de cantar algumas músicas do primeiro, senão as pessoas matam-me. E algumas canções do novo acabam por ficar de fora. Como não as canto tantas vezes, e não ficam tão calibradas como as outras, tenho-me surpreendido com elas. Cada vez que as canto, vão ganhando mais vida. Até as do primeiro disco continuam a surpreender-me, mas com essas já sinto uma segurança diferente. Por exemplo, a «Llorona» ou «Sombras do Passado» [do novo disco], que têm ficado de fora nalguns concertos – eu sentia alguma insegurança a cantá-las, mas em fevereiro comecei a pô-las no alinhamento e hoje já não sinto insegurança nenhuma. E dão-me muito gozo.
Da primeira vez que atuou nos coliseus, em 2015, já cantou algumas canções que viriam a figurar no segundo disco, lançado no final de 2016. Gosta de estar sempre um passo à frente?
Sem querer, que é o mais engraçado! Tu projetas no futuro aquilo que vai acontecer – quem não acredita nisso está completamente errado. Estamos sempre a projetar, e tudo o que nos acontece nós já sabemos, de certa forma.
Acredita nessas «pistas» de futuro?
Acredito. Quando fiz os coliseus, em 2015, [contei] a história do primeiro fado que eu ouvi, que foi a primeira música que cantei nessa noite. [Apresentei as] músicas que fizeram parte do meu percurso. Depois dos coliseus, comecei a fazer uma lista dos possíveis temas a gravar e, quando fiquei com a lista quase fechada, percebi que algumas já as tinha cantado nos coliseus. E até me lembro de dizer: mas então, da próxima vez que fizer os coliseus, vou cantar outra vez estas músicas!
Uma dessas canções que estreou e 2015 foi «Noite de São João», cuja letra, de Capicua, causou risadas no público….
Quando conheci a Capicua, ela ouviu-me cantar «Noite de São João», da Berta Cardoso. E ainda a Capicua estava a escrever a letra d' «(A Casa) da Mariquinhas» [incluída no primeiro disco de Gisela João] e já me dizia: tens de cantar uma «Noite de São João», mas do São do João do Porto, não do de Lisboa!
Está a trabalhar com o André Teodósio, com quem já colaborou nos primeiros coliseus. A vossa relação de trabalho passa pela provocação mútua, na tentativa de criar ideias?
Provocamo-nos muito um ao outro, damos muito «cabeçadas». Ele ouve-me muito, o que é muito importante. Percebe o que me deixa mais confortável ou desconfortável. Nunca me impõe nada – somos capazes de estar a falar sobre o trabalho e a conceção das coisas, e de repente vamos fazer pesquisa mas ficamos só pela pesquisa. Entretanto já virámos à esquerda e fomos dar a outro lado qualquer. Vamos jantar, pensamos que já não trabalhamos mais e, no dia seguinte, tudo o que estivemos a fazer acabou por contar muito para o resultado [final].
Recentemente atuou em Nova Iorque. Teve oportunidade de visitar a cidade?
Já tinha estado em Nova Iorque algumas vezes, e já tinha cantado lá, também. Tive algum tempinho para passear, mas quando vou para cantar, quando estou em trabalho, não consigo desligar, e prefiro estar o mais quietinha possível para chegar à hora agá e mostrar que dois mais dois são quatro. E agora eu enganava-me e dizia «dois mais dois são cinco». (risos) Outro dia, na Ilha do Pico, dei uns concertos tão lindos! Logo à primeira música já estava emocionada. Então, os [meus músicos] começam a fazer a introdução, e eu começo a falar do «Fado Desta Noite», do que o poema quer dizer, que é tão bonito: «duas rosas que estão a atirar beijos vermelhos, sem boca para os dar», é tão romântico! É a música que abre o meu segundo disco, Nua. Eu começo a ouvir a melodia e penso: não consigo entrar! E eles, a dizerem-me com o olhar: não é esta! Mas eu estava tão embrenhada na emoção e queria cantar aquela música… Eles estavam a seguir o alinhamento, eu é que me enganei. No fim disse às pessoas: vocês devem estar a pensar onde é que estão as rosas vermelhas sem boca para os dar. (risos)
Que concertos foram esses?
Foram num auditório novo, na vila da Madalena, na Ilha do Pico, que eu fui inaugurar. Dei dois concertos seguidos, com fila de espera, mesmo fixe! Estavam cheios e o auditório é muito porreiro.
Na crítica do New York Times ao concerto em Nova Iorque, Jon Pareles escreve que «Miss Joao não é a fadista típica e austera de outros tempos, vestida de negro...». Sente que ainda há essa perceção, quando atua fora de Portugal?
Sinto, principalmente quando há portugueses [no público]. Mas está-se bem. É para o bem e para o mal. Como eu costumo dizer, para aquelas pessoas que estão sempre «ai que engraçado, ela canta de sapatilhas!» - não são as sapatilhas que cantam. Eu não sou escrava das sapatilhas, canto de sapatilhas quando canto, porque gosto de me sentir confortável. Quando aos xailes, tenho xailes lindíssimos. Quando me apetecer pôr um, ponho.
Mas é quando há mais portugueses nas salas que esses comentários surgem?
Sim, até porque há muitos estrangeiros que não sabem o que é o fado, e [quando vão a um concerto meu] estão a ir a um concerto de fado pela primeira vez. Se calhar, depois, quando virem outras fadistas, até estranharão o xaile! (risos) Nós nascemos e estamos habituados a que nos vistam e a que toda a gente ande vestido; se vês alguém nu na rua, achas estranho, mas se fosse hábito andar sempre nu, estranhavas é se visses alguém vestido.
Em 2016, Nua foi considerado o segundo melhor disco português do ano pela BLITZ. Já este ano, ganhou o prémio de Melhor Álbum, entregue pela Time Out. Estes prémios são importantes para si?
Claro que são. Não me deixo iludir, porque é muito importante ter os pés na terra, ainda por cima nesta profissão, em que as coisas são tão efémeras. Mas, como em qualquer outra profissão, seria uma hipocrisia de todo o tamanho dizer que não gosto de ver o meu trabalho reconhecido. Vou dormir e fazer a minha vida e sou a mesma pessoa. Mas, naquele momento, fico super feliz.
No novo disco tem duas versões de canções do Cartola. Recebeu feedback do Brasil?
Recebi, principalmente por uma delas. Já percebi que há muitas pessoas que morrem de amores por «As Rosas Não Falam», e também do público brasileiro. Ainda outro dia uma miúda me dizia: nossa, você cantando «As Rosas Não Falam» – parece que aquela música nem é brasileira, parece que é sua e sempre foi um fado! E isso deixa-me muito feliz.
No seu Facebook, lançou um passatempo para ganhar bilhetes para os coliseus, que passava pelo envio de cartas…
Deu-me um gozo incrível! Quando tive a ideia, já a amava, ou não a teria feito. Mas nem sonhava o gozo que me iria dar. Perceber que ia poder fazer uma surpresa boa às pessoas! Porque as que alinharam são pessoas que gostam muito de mim e do meu trabalho. E uma das vencedoras, o filho filmou a mãe a chorar… O pai foi cúmplice do filho e escondeu-lhe a carta [enviada por Gisela]. Como o filho só vai a casa ao fim de semana, o pai deu-lhe a carta e ele entregou-a à mãe. E filmou a mãe a abrir. E a senhora: isto é a letra da Gisela? Isto é a Gisela? Não é nada, eu não acredito! Tu és um bandido! Foi tão giro.
Vivemos numa era em que a comunicação é muito facilitada pelos meios digitais, mas receber uma carta tem outro «sabor»…
Também foi por isso [que tive a ideia]. Eu passo a vida a dizer que sou uma romântica, e sou. E as pessoas já não escrevem cartas. (suspiro)
Gosta muito de viajar. Tem alguma viagem sonhada para este ano?
Não tenho férias há dois anos, e este ano acho que também não vou ter. Mas adorava ir às Ilhas Galápagos! Adoro animais e acho que ia ficar louca, lá.
Artigos Relacionados
Comentar