Ricardo Araújo Pereira: "Às vezes o fado é tão trágico que chega a ser engraçado"
Concerts - Agosto 27, 2017
Camané, Ricardo Ribeiro, Celeste Rodrigues e Mário Laginha juntaram-se a Bruno Nogueira e RAP para uma conversa que pretendia descobrir se pode haver humor na música.
"Povo que lavas no rio/ Que talhas com o teu machado/ As tábuas do meu caixão". O fado Povo que Lavas no Rio - seja cantado por Amália ou por António Variações - não dará vontade de rir a muita gente. A letra trágica e a entrega dramática dos intérpretes não cria muito espaço para o humor. Mas existe um momento em que o fado é tão trágico que não há outra solução que não rir? Esta era uma das premissas para a conversa sobre o Humor e a Música, uma das iniciativas do projecto Tragédia + Tempo, comissariado por Bruno Nogueira e Ricardo Araújo Pereira, que levou esta terça-feira Camané, Celeste Rodrigues, Mário Laginha e Ricardo Ribeiro a discutirem o lugar do humor na música.
Logo a abrir Celeste Rodrigues explicou que não pode haver fado com sotaques, "porque dá vontade de rir", contando de seguida a história de uma prima sua com um sotaque muito carregado, apesar de ter uma "voz muito bonita". Um dia, a tal prima pediu a Celeste Rodrigues se a podia ir acompanhar numa noite de fados e, quando começou a cantar o fado Alfama Velhinha, devido ao seu sotaque levava-a a "carregar sílabas" que tiravam qualquer seriedade à letra, como por exemplo: "Alfama velhinha/ Brilhando ao luar/ Nos arCUS eu vejo".
O espectáculo foi várias vezes pontuado por momentos musicais - como não podia deixar de ser. O primeiro pertenceu a Mário Laginha, que mostrou como é possível a música instrumental ter momentos de comédia, através de citações e pequenas alterações. "Um exemplo?", pergunta Mário, sentado atrás de um piano Steinway & Sons. Começa por tocar a melodia de My Funny Valentine, improvisando depois um ritmo acelerado sobre a canção. "Há quem se ria e quem não se ria", acrescenta Mário Laginha depois de arrancados alguns risos tímidos da plateia.
Foi então a vez de o fadista Ricardo Ribeiro animar a sala com algumas histórias de fado, introduzindo alguns membros da plateia a um outro lado do mundo do fado, mas desconhecido: o das desgarradas onde nem todas as palavras vêm no dicionário. O músico contou uma série de histórias e de quadras que não podem ser reproduzidas devido à linguagem, que arrancaram várias gargalhadas quer da plateia quer dos intervenientes.
Há momento para mais um interlúdio musical, desta vez dentro da música clássica: Mário Laginha senta-se atrás do piano e interpreta o 3º andamento da 1ª sinfonia de Mahler, (que pode ouvir reproduzido em baixo, na sua versão original, com orquestra, a partir dos 24m50).
E o que tem este movimento de engraçado? É que o movimento é uma marcha fúnebre, inspirada na canção infantil Frére Jacques, mostrando um humor um pouco negro por parte do compositor clássico.
No início da conversa, Ricardo Araújo Pereira sublinhou a ironia de tantos fadistas terem histórias felizes e tantos humoristas se suicidarem. Mas mais à frente sentiu necessidade de alterar a sua ideia inicial depois de Camané ter contado que quando era mais pequeno tinha dificuldade em dar os primeiros passos quando demonstrava interesse por uma rapariga. "Quer dizer, tenho aqui um rouxinol de olhos azuis que me pergunta: «Como é que eu saco gajas?»", retorquiu Ricardo Araújo Pereira, indignado com o "problema" de Camané.
Mas nem só de letras trágico-cómicas e de situações caricatas vive o humor no fado, como explicou Ricardo Ribeiro que revelou algumas das alcunhas que são atribuídas no fado, como acontece no jazz. Camané é conhecido como o D'alta, Ricardo Ribeiro como banda larga, ou pisa-papéis, João Braga o Ácaro, Nuno da Câmara Pereira o Perfeito Calhau e Mariza o Gafanhoto Albino. O histórico Alfredo Marceneiro era conhecido por alguns colegas como o Lulu.
Na recta final do espectáculo, uma pergunta de um dos membros do público deu origem a um dos momentos que mais gargalhadas arrancou, quando relembrou um fado de Neca Rafael chamado O Parentesco, que foi interpretado por Camané e Mário Laginha: "Casei com uma viúva minha amada/ Que tinha uma grande filha e muito bela/ Ficou portanto, sendo minha enteada/ Mas o meu pai depois casou com ela".
Logo a abrir Celeste Rodrigues explicou que não pode haver fado com sotaques, "porque dá vontade de rir", contando de seguida a história de uma prima sua com um sotaque muito carregado, apesar de ter uma "voz muito bonita". Um dia, a tal prima pediu a Celeste Rodrigues se a podia ir acompanhar numa noite de fados e, quando começou a cantar o fado Alfama Velhinha, devido ao seu sotaque levava-a a "carregar sílabas" que tiravam qualquer seriedade à letra, como por exemplo: "Alfama velhinha/ Brilhando ao luar/ Nos arCUS eu vejo".
O espectáculo foi várias vezes pontuado por momentos musicais - como não podia deixar de ser. O primeiro pertenceu a Mário Laginha, que mostrou como é possível a música instrumental ter momentos de comédia, através de citações e pequenas alterações. "Um exemplo?", pergunta Mário, sentado atrás de um piano Steinway & Sons. Começa por tocar a melodia de My Funny Valentine, improvisando depois um ritmo acelerado sobre a canção. "Há quem se ria e quem não se ria", acrescenta Mário Laginha depois de arrancados alguns risos tímidos da plateia.
Foi então a vez de o fadista Ricardo Ribeiro animar a sala com algumas histórias de fado, introduzindo alguns membros da plateia a um outro lado do mundo do fado, mas desconhecido: o das desgarradas onde nem todas as palavras vêm no dicionário. O músico contou uma série de histórias e de quadras que não podem ser reproduzidas devido à linguagem, que arrancaram várias gargalhadas quer da plateia quer dos intervenientes.
Há momento para mais um interlúdio musical, desta vez dentro da música clássica: Mário Laginha senta-se atrás do piano e interpreta o 3º andamento da 1ª sinfonia de Mahler, (que pode ouvir reproduzido em baixo, na sua versão original, com orquestra, a partir dos 24m50).
E o que tem este movimento de engraçado? É que o movimento é uma marcha fúnebre, inspirada na canção infantil Frére Jacques, mostrando um humor um pouco negro por parte do compositor clássico.
No início da conversa, Ricardo Araújo Pereira sublinhou a ironia de tantos fadistas terem histórias felizes e tantos humoristas se suicidarem. Mas mais à frente sentiu necessidade de alterar a sua ideia inicial depois de Camané ter contado que quando era mais pequeno tinha dificuldade em dar os primeiros passos quando demonstrava interesse por uma rapariga. "Quer dizer, tenho aqui um rouxinol de olhos azuis que me pergunta: «Como é que eu saco gajas?»", retorquiu Ricardo Araújo Pereira, indignado com o "problema" de Camané.
Mas nem só de letras trágico-cómicas e de situações caricatas vive o humor no fado, como explicou Ricardo Ribeiro que revelou algumas das alcunhas que são atribuídas no fado, como acontece no jazz. Camané é conhecido como o D'alta, Ricardo Ribeiro como banda larga, ou pisa-papéis, João Braga o Ácaro, Nuno da Câmara Pereira o Perfeito Calhau e Mariza o Gafanhoto Albino. O histórico Alfredo Marceneiro era conhecido por alguns colegas como o Lulu.
Na recta final do espectáculo, uma pergunta de um dos membros do público deu origem a um dos momentos que mais gargalhadas arrancou, quando relembrou um fado de Neca Rafael chamado O Parentesco, que foi interpretado por Camané e Mário Laginha: "Casei com uma viúva minha amada/ Que tinha uma grande filha e muito bela/ Ficou portanto, sendo minha enteada/ Mas o meu pai depois casou com ela".
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