Marco Rodrigues: "Quando cheguei a Lisboa nos anos 90 o fado estava ao abandono"
Interviews - Setembro 14, 2017
Marco Rodrigues é um dos cabeças de Cartaz do segundo dia do Caixa Alfama, onde irá apresentar o novo disco ‘Copo Meio Cheio’.
No último disco, tinha feito uma
homenagem aos fadistas que o levaram a cantar. Este novo trabalho acaba
por ser quase um tributo a uma nova geração de autores e compositores
como Agir, Luísa Sobral, Diogo Piçarra ou Capicua. Foi pensado para ser
assim?
(risos) Não. Eu quis mesmo fazer uma coisa diferente. Depois de quatro discos assumidamente de fado e, sendo eu uma pessoa que ouve outros tipos de música, decidi arriscar e pedir a pessoas que até mal conhecia para escreverem para mim. São pessoas que, neste momento, estão a fazer alguma da melhor música portuguesa, nas áreas do rock, do pop ou do hip hop.
E esse pedido foi feito com algum tipo de condicionantes?
Não, pedi-lhes apenas para pensarem num tema que fosse interpretado por um fadista. Aquilo que queria era que eles olhassem para mim como intérprete e pensassem que tipo de ambiente é que eu poderia cantar. Todos aceitaram de imediato.
E surpreendeu-se com os temas que lhe chegaram?
Sim. Alguns deles foram uma grande surpresa, especialmente os temas escritos pelo Carlão, pela Capicua e pela Luísa Sobral, porque aquilo que fiz foi desafiá-los para escrever para os três únicos fados tradicionais do disco e, por conseguinte, a cumprir com aquelas regras tradicionais de métrica e rimas. O resultado foi muito curioso. Há, por exemplo, palavras que estamos habituados a ouvir no rap ou no rock que não estamos habituados a ouvir no fado, como ‘croqui’ ou ‘biscuit’ (risos). Esse é um dos grandes interesses deste disco. Depois, há, por exemplo, o tema feito pelos Amor Electro que resultou num fado/tango/pop que me deu um gozo especial.
Mas nota-se também uma preocupação ao nível instrumental para que as coisas soem diferentes?
Sim. Em algumas alturas, por exemplo, ouve-se a guitarra portuguesa num riff abafado, longe do seu habitual. Usamos muito a viola com uns riffs muito próximo do rock. Utilizamos também um contrabaixo sem cordas que é usado como percussão.
Trazer para o fado estes autores e estes elementos que não são do fado ainda é um ato de coragem ou isto já começa a ser natural?
Eu acho que qualquer pessoa que mexa no fado tem de conhecer as regras. E isso não pode ser contornado. Eu, por exemplo, com um disco como este, sou incapaz de dizer que vou lançar o meu quinto disco de fado. Eu vou sim lançar um disco com oito canções e três fados tradicionais. Eu sei bem qual é a língua que separa as duas coisas. A junção é sempre enriquecedora para qualquer tipo de música, desde que seja bem feita. O Sting também foi buscar um cantor árabe para fazer um arabesco dentro do pop.
O fado saiu da caixa?
Sim, mas não tanto por ação dos músicos, mas mais porque as pessoas começaram a dar-lhe importância. Quando cheguei a Lisboa, no final dos anos 90, e ganhei a Grande Noite do Fado, eu tive vergonha de o contar aos meus amigos e aos meus colegas na escola. E na altura já estava a fazer o 12º ano no Liceu Camões.
Mas porquê?
Porque socialmente ninguém lhe dava importância. Os mais novos olhavam para ela de forma desprezível, como uma música para velhos.
Mas é preciso uma certa maturidade para apreciar e gostar de fado?
Claro que sim, mas eu também acho que era mais difícil a minha geração gostar de fado aos 15 anos do que é hoje em dia, até porque as referências que se tinham de fado em casa eram discos gravados com má qualidade. Põe lá uma miúda de 15 anos que acabou de ouvir um concerto ao vivo dos Bon Jovi em ‘double surround’ a ouvir uma gravação do Marceneiro! A evolução do som e da forma de gravar foi muito importante. Eu acho que qualquer criança tem no imaginário ser artista, mas cantar uma música que não dá estrelato se calhar não tem interesse. Há uns anos, um miúdo preferia ser como a Britney Spears ou Justin Bieber. O que eu acho é que quando apareceu esta nova geração de fadistas a fazer sucesso, as crianças também começaram a pensar em ser fadistas.
Quando é que acha que aumentou o interesse do público pelo fado?
Acho que tudo mudou com a morte da Amália. Esse acontecimento veio quase trazer um peso de responsabilidade a todos os portugueses. Acho que percebemos que tinha morrido um ícone e que era preciso fazer alguma coisa. Depois do desaparecimento da Amália, os portugueses sentiram uma necessidade enorme de segurar esta música, que é nossa. Depois disso vieram as novas gerações de fadistas, é verdade, mas acho que tudo foi despoletado pela morte da Amália. O povo agigantou-se.
Voltando ao disco, o Marco Rodrigues continua a convidar muitos autores mas continua sem escrever. É por insegurança?
(risos) É por insegurança e preguiça ao mesmo tempo. Estas coisas têm de ser trabalhadas. Ninguém aprende a escrever de um dia para o outro. A primeira vez que tentei, correu muito mal. Não houve nenhum cliché que eu tivesse deixado de fora: "sol", "saudade", "mar", "gaivota", "alma"… (risos). Mas houve uma vez, depois de ter visto uma exposição da Paula Rego, que tentei escrever um poema sobre uma tela e a coisa até nem correu mal. Mas o que eu gosto é de compor música.
O Marco Rodrigues é um dos grandes cabeças de cartaz da edição deste ano do Caixa Alfama. Tendo em conta que a sua carreira leva apenas uma década, acha que tudo aconteceu muito rápido?
Não. Acho que tudo tem acontecido no momento certo. É verdade que um homem fadista tem menos visibilidade do que uma mulher e ainda por cima elas hoje são todas lindíssimas e encantadoras (risos), mas eu não me posso queixar. Há, de facto, a ideia de que o fado é muito uma canção de mulher e eu sinto isso até na casa de fados onde canto, onde há estrangeiros que vêm ter comigo impressionados porque não estavam à espera de ouvir um homem. Mas as coisas têm corrido bem. Não há nenhum homem no fado que tenha sido nomeado para um Grammy latino como eu fui. Neste momento estou a passar a fase mais feliz e tranquila da minha vida, até do ponto de vista pessoal, porque fui pai há ano e meio.
Sente que há menos rivalidade dentro do próprio fado, que o meio está mais solidário?
Algumas das características que o fado tem não são boas. O fado nasceu num meio muito pequeno em que toda a gente se conhece. E depois, num meio pequeno, às vezes, há pessoas que sofrem mais com o sucesso das outras do que com o seu próprio insucesso. Eu sei que quando faço um disco destes, há pessoas que vão olhar para ele não de forma muito positiva. Mas o fado também só evoluiu porque os fadistas e as novas gerações não se alimentam disso. Há muito trabalho para se ocuparem com essas coisas. Há uma forma de estar mais leve.
O Marco continua a frequentar as casas de fado. É um ponto de honra? É lá que se encontra a genuinidade do fado?
Eu acho que qualquer fadista que saia das casas de fado acaba por ir lá parar de novo. As casas de fado têm uma importância enorme. Quando cheguei a Lisboa nos anos 90, o fado estava deitado ao abandono e quem o segurou foram os bairros, as casas de fado e os fadistas que nelas cantavam. Foram eles que seguraram este património.
(risos) Não. Eu quis mesmo fazer uma coisa diferente. Depois de quatro discos assumidamente de fado e, sendo eu uma pessoa que ouve outros tipos de música, decidi arriscar e pedir a pessoas que até mal conhecia para escreverem para mim. São pessoas que, neste momento, estão a fazer alguma da melhor música portuguesa, nas áreas do rock, do pop ou do hip hop.
E esse pedido foi feito com algum tipo de condicionantes?
Não, pedi-lhes apenas para pensarem num tema que fosse interpretado por um fadista. Aquilo que queria era que eles olhassem para mim como intérprete e pensassem que tipo de ambiente é que eu poderia cantar. Todos aceitaram de imediato.
E surpreendeu-se com os temas que lhe chegaram?
Sim. Alguns deles foram uma grande surpresa, especialmente os temas escritos pelo Carlão, pela Capicua e pela Luísa Sobral, porque aquilo que fiz foi desafiá-los para escrever para os três únicos fados tradicionais do disco e, por conseguinte, a cumprir com aquelas regras tradicionais de métrica e rimas. O resultado foi muito curioso. Há, por exemplo, palavras que estamos habituados a ouvir no rap ou no rock que não estamos habituados a ouvir no fado, como ‘croqui’ ou ‘biscuit’ (risos). Esse é um dos grandes interesses deste disco. Depois, há, por exemplo, o tema feito pelos Amor Electro que resultou num fado/tango/pop que me deu um gozo especial.
Mas nota-se também uma preocupação ao nível instrumental para que as coisas soem diferentes?
Sim. Em algumas alturas, por exemplo, ouve-se a guitarra portuguesa num riff abafado, longe do seu habitual. Usamos muito a viola com uns riffs muito próximo do rock. Utilizamos também um contrabaixo sem cordas que é usado como percussão.
Trazer para o fado estes autores e estes elementos que não são do fado ainda é um ato de coragem ou isto já começa a ser natural?
Eu acho que qualquer pessoa que mexa no fado tem de conhecer as regras. E isso não pode ser contornado. Eu, por exemplo, com um disco como este, sou incapaz de dizer que vou lançar o meu quinto disco de fado. Eu vou sim lançar um disco com oito canções e três fados tradicionais. Eu sei bem qual é a língua que separa as duas coisas. A junção é sempre enriquecedora para qualquer tipo de música, desde que seja bem feita. O Sting também foi buscar um cantor árabe para fazer um arabesco dentro do pop.
O fado saiu da caixa?
Sim, mas não tanto por ação dos músicos, mas mais porque as pessoas começaram a dar-lhe importância. Quando cheguei a Lisboa, no final dos anos 90, e ganhei a Grande Noite do Fado, eu tive vergonha de o contar aos meus amigos e aos meus colegas na escola. E na altura já estava a fazer o 12º ano no Liceu Camões.
Mas porquê?
Porque socialmente ninguém lhe dava importância. Os mais novos olhavam para ela de forma desprezível, como uma música para velhos.
Mas é preciso uma certa maturidade para apreciar e gostar de fado?
Claro que sim, mas eu também acho que era mais difícil a minha geração gostar de fado aos 15 anos do que é hoje em dia, até porque as referências que se tinham de fado em casa eram discos gravados com má qualidade. Põe lá uma miúda de 15 anos que acabou de ouvir um concerto ao vivo dos Bon Jovi em ‘double surround’ a ouvir uma gravação do Marceneiro! A evolução do som e da forma de gravar foi muito importante. Eu acho que qualquer criança tem no imaginário ser artista, mas cantar uma música que não dá estrelato se calhar não tem interesse. Há uns anos, um miúdo preferia ser como a Britney Spears ou Justin Bieber. O que eu acho é que quando apareceu esta nova geração de fadistas a fazer sucesso, as crianças também começaram a pensar em ser fadistas.
Quando é que acha que aumentou o interesse do público pelo fado?
Acho que tudo mudou com a morte da Amália. Esse acontecimento veio quase trazer um peso de responsabilidade a todos os portugueses. Acho que percebemos que tinha morrido um ícone e que era preciso fazer alguma coisa. Depois do desaparecimento da Amália, os portugueses sentiram uma necessidade enorme de segurar esta música, que é nossa. Depois disso vieram as novas gerações de fadistas, é verdade, mas acho que tudo foi despoletado pela morte da Amália. O povo agigantou-se.
Voltando ao disco, o Marco Rodrigues continua a convidar muitos autores mas continua sem escrever. É por insegurança?
(risos) É por insegurança e preguiça ao mesmo tempo. Estas coisas têm de ser trabalhadas. Ninguém aprende a escrever de um dia para o outro. A primeira vez que tentei, correu muito mal. Não houve nenhum cliché que eu tivesse deixado de fora: "sol", "saudade", "mar", "gaivota", "alma"… (risos). Mas houve uma vez, depois de ter visto uma exposição da Paula Rego, que tentei escrever um poema sobre uma tela e a coisa até nem correu mal. Mas o que eu gosto é de compor música.
O Marco Rodrigues é um dos grandes cabeças de cartaz da edição deste ano do Caixa Alfama. Tendo em conta que a sua carreira leva apenas uma década, acha que tudo aconteceu muito rápido?
Não. Acho que tudo tem acontecido no momento certo. É verdade que um homem fadista tem menos visibilidade do que uma mulher e ainda por cima elas hoje são todas lindíssimas e encantadoras (risos), mas eu não me posso queixar. Há, de facto, a ideia de que o fado é muito uma canção de mulher e eu sinto isso até na casa de fados onde canto, onde há estrangeiros que vêm ter comigo impressionados porque não estavam à espera de ouvir um homem. Mas as coisas têm corrido bem. Não há nenhum homem no fado que tenha sido nomeado para um Grammy latino como eu fui. Neste momento estou a passar a fase mais feliz e tranquila da minha vida, até do ponto de vista pessoal, porque fui pai há ano e meio.
Sente que há menos rivalidade dentro do próprio fado, que o meio está mais solidário?
Algumas das características que o fado tem não são boas. O fado nasceu num meio muito pequeno em que toda a gente se conhece. E depois, num meio pequeno, às vezes, há pessoas que sofrem mais com o sucesso das outras do que com o seu próprio insucesso. Eu sei que quando faço um disco destes, há pessoas que vão olhar para ele não de forma muito positiva. Mas o fado também só evoluiu porque os fadistas e as novas gerações não se alimentam disso. Há muito trabalho para se ocuparem com essas coisas. Há uma forma de estar mais leve.
O Marco continua a frequentar as casas de fado. É um ponto de honra? É lá que se encontra a genuinidade do fado?
Eu acho que qualquer fadista que saia das casas de fado acaba por ir lá parar de novo. As casas de fado têm uma importância enorme. Quando cheguei a Lisboa nos anos 90, o fado estava deitado ao abandono e quem o segurou foram os bairros, as casas de fado e os fadistas que nelas cantavam. Foram eles que seguraram este património.
"APAIXONEI-ME PELO FADO NA PRIMEIRA VEZ QUE O OUVI"
Neste momento o Marco Rodrigues deve ser herói em Amarante [terra onde nasceu]!
(risos) No ano passado fiz um concerto incrível em Amarante. Foi a primeira vez que lá cantei desde que saí, aos oito anos. Há muita gente que já sabia que estava ali o fadista que nasceu em Amarante e foi uma noite incrível.
Como é que veio parar a Lisboa?
Vim para Lisboa quando os meus pais se divorciaram. Vim com a minha mãe quando ainda nem sequer tinha a escolaridade obrigatória.
Mas já tinha a música em mente?
Não. Eu tinha 15 anos. Eu gostava muito de cantar, mas quando cheguei a Lisboa nem gostava de fado. Sabia apenas que havia uma Amália Rodrigues que era muito conhecida e que era um ícone.
E como é que ganha uma Grande Noite do Fado?
Foi a minha mãe que me inscreveu. Um dia virou-se para mim e disse que eu tinha duas semanas para me preparar para uma eliminatória. Escolhi um fado do Fernando Farinha, aprendi a cantá-lo, passei à eliminatória, fui à final e ganhei.
E aí apaixonou-se pelo fado?
Não. Eu apaixonei-me pelo fado, na primeira vez que o ouvi ao vivo. Foi com o Pedro Moutinho. Aquela ambiência, o som da guitarra portuguesa, a atenção das pessoas… tudo aquilo foi arrebatador.
E como é que a sua mãe vê a sua carreira?
Ela tem muito orgulho em mim.
E vai ficar a dever-lhe para o resto da vida tê-lo metido nisto!
Eu já lhe devo tanta coisa, muitas dores de cabeça, embora nem tenha sido um filho complicado.
Neste momento o Marco Rodrigues deve ser herói em Amarante [terra onde nasceu]!
(risos) No ano passado fiz um concerto incrível em Amarante. Foi a primeira vez que lá cantei desde que saí, aos oito anos. Há muita gente que já sabia que estava ali o fadista que nasceu em Amarante e foi uma noite incrível.
Como é que veio parar a Lisboa?
Vim para Lisboa quando os meus pais se divorciaram. Vim com a minha mãe quando ainda nem sequer tinha a escolaridade obrigatória.
Mas já tinha a música em mente?
Não. Eu tinha 15 anos. Eu gostava muito de cantar, mas quando cheguei a Lisboa nem gostava de fado. Sabia apenas que havia uma Amália Rodrigues que era muito conhecida e que era um ícone.
E como é que ganha uma Grande Noite do Fado?
Foi a minha mãe que me inscreveu. Um dia virou-se para mim e disse que eu tinha duas semanas para me preparar para uma eliminatória. Escolhi um fado do Fernando Farinha, aprendi a cantá-lo, passei à eliminatória, fui à final e ganhei.
E aí apaixonou-se pelo fado?
Não. Eu apaixonei-me pelo fado, na primeira vez que o ouvi ao vivo. Foi com o Pedro Moutinho. Aquela ambiência, o som da guitarra portuguesa, a atenção das pessoas… tudo aquilo foi arrebatador.
E como é que a sua mãe vê a sua carreira?
Ela tem muito orgulho em mim.
E vai ficar a dever-lhe para o resto da vida tê-lo metido nisto!
Eu já lhe devo tanta coisa, muitas dores de cabeça, embora nem tenha sido um filho complicado.
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