Amália - Coliseu Lisboa, 3 de Abril de 1987
Discos - Setembro 23, 2017
O primeiro tinha sido apenas dois anos antes, também no Coliseu dos Recreios, e mais de três décadas (pasme-se!) após ter começado a fazê-los por todo o mundo – também nessa dimensão concertística que acrescentou ao Fado, o percurso de Amália foi pioneiro e irrepetível.
Desde o seu início em 1939, a carreira nacional de Amália e o público lisboeta não podiam deixar de sofrer com a mentalidade tacanha vigente, que não reconhecia num fadista a dignidade artística suficiente para o recital, reservando ao fado e aos fadistas o “castiço” da verbena ou da casa de fados, a atracção de revista ou a festa de homenagem (onde, ao lado de artistas de outros géneros até poderia estar envolvido num concerto). A seguir ao 25 de Abril, também alguma cegueira política, que desprezava o fado e, muito em particular, a grandeza de Amália, tentou colá-la de forma indelével ao regime anterior, justificando-se apenas nalguma simpatia que a cantora por ele tivesse tido e, acima de tudo, fazendo tábua rasa do seu ímpar protagonismo na história da música popular no mundo. Se pensarmos nessa pouca noção que, ainda hoje, se tem por cá de Amália ter sido uma das maiores cantoras universais, foram escassas as homenagens que Portugal lhe ofereceu, destacando-se pela sua importância a que o Presidente da República Mário Soares lhe prestou, distinguindo-a com a Grã-Cruz da Ordem de Sant’Iago da Espada, com o especial simbolismo de ter sido conferida em cena aberta, neste mesmo Coliseu, em 1990. O preço dessa demora de quarenta anos foi Amália só ter dado concertos em Lisboa numa fase já distante do seu apogeu vocal. Amália já tinha ultrapassado os 60 anos e ninguém esperava que tivesse conservado a voz dos anos sessenta, mas dominava ainda tudo o resto que tinha feito a sua arte, sendo esse timbre já desvanecido, apenas uma das faces (talvez a mais brilhante) do todo que era o seu génio.
O público de 1987 aplaudiu à loucura não apenas a imagem que tinha de Amália, mas a própria cantora, ainda perfeita na percepção do ritmo de um espectáculo e atingindo, pela avassaladora comunhão que conseguia com esse mesmo público, alguns dos momentos mais emotivos da sua carreira. Aplaudiu também a voz dos anos oitenta, capaz de tantos prodígios, e cujo timbre lhes dava uma dimensão ainda mais trágica da finitude. Também o gosto pelos desafios se mantinha em Amália. No Coliseu, a 3 de Abril de 1987, perto dos 67 anos, faz duas estreias absolutas: “Soledad”, um fado de Alain Oulman e “Arraial de Santo António”, uma marcha acompanhada por um agrupamento inédito num concerto seu, o cavalinho. E canta dois fados que não tinham sido ainda publicados em disco: “Prece” e “Obsessão”. Passados trinta anos sobre essa noite, ei-la de novo, pela primeira vez na integralidade e com o som original, captado por Hugo Ribeiro e preservado em bobines multipista no arquivo da Valentim de Carvalho.
Quem nunca assistiu ao vivo a um concerto da Amália (e eu nunca assisti a nenhum), só pode ter uma vaga ideia das emoções que neles eram vividas, ou delas ter um vislumbre, através das gravações. Estes registos dão-nos a prova física da capacidade do seu génio e a matéria para podermos continuar certos do impacto que teve nos seus contemporâneos. Mas é também possível conseguir viver isso ainda, de forma real, apenas através do som gravado.
Desde o seu início em 1939, a carreira nacional de Amália e o público lisboeta não podiam deixar de sofrer com a mentalidade tacanha vigente, que não reconhecia num fadista a dignidade artística suficiente para o recital, reservando ao fado e aos fadistas o “castiço” da verbena ou da casa de fados, a atracção de revista ou a festa de homenagem (onde, ao lado de artistas de outros géneros até poderia estar envolvido num concerto). A seguir ao 25 de Abril, também alguma cegueira política, que desprezava o fado e, muito em particular, a grandeza de Amália, tentou colá-la de forma indelével ao regime anterior, justificando-se apenas nalguma simpatia que a cantora por ele tivesse tido e, acima de tudo, fazendo tábua rasa do seu ímpar protagonismo na história da música popular no mundo. Se pensarmos nessa pouca noção que, ainda hoje, se tem por cá de Amália ter sido uma das maiores cantoras universais, foram escassas as homenagens que Portugal lhe ofereceu, destacando-se pela sua importância a que o Presidente da República Mário Soares lhe prestou, distinguindo-a com a Grã-Cruz da Ordem de Sant’Iago da Espada, com o especial simbolismo de ter sido conferida em cena aberta, neste mesmo Coliseu, em 1990. O preço dessa demora de quarenta anos foi Amália só ter dado concertos em Lisboa numa fase já distante do seu apogeu vocal. Amália já tinha ultrapassado os 60 anos e ninguém esperava que tivesse conservado a voz dos anos sessenta, mas dominava ainda tudo o resto que tinha feito a sua arte, sendo esse timbre já desvanecido, apenas uma das faces (talvez a mais brilhante) do todo que era o seu génio.
O público de 1987 aplaudiu à loucura não apenas a imagem que tinha de Amália, mas a própria cantora, ainda perfeita na percepção do ritmo de um espectáculo e atingindo, pela avassaladora comunhão que conseguia com esse mesmo público, alguns dos momentos mais emotivos da sua carreira. Aplaudiu também a voz dos anos oitenta, capaz de tantos prodígios, e cujo timbre lhes dava uma dimensão ainda mais trágica da finitude. Também o gosto pelos desafios se mantinha em Amália. No Coliseu, a 3 de Abril de 1987, perto dos 67 anos, faz duas estreias absolutas: “Soledad”, um fado de Alain Oulman e “Arraial de Santo António”, uma marcha acompanhada por um agrupamento inédito num concerto seu, o cavalinho. E canta dois fados que não tinham sido ainda publicados em disco: “Prece” e “Obsessão”. Passados trinta anos sobre essa noite, ei-la de novo, pela primeira vez na integralidade e com o som original, captado por Hugo Ribeiro e preservado em bobines multipista no arquivo da Valentim de Carvalho.
Quem nunca assistiu ao vivo a um concerto da Amália (e eu nunca assisti a nenhum), só pode ter uma vaga ideia das emoções que neles eram vividas, ou delas ter um vislumbre, através das gravações. Estes registos dão-nos a prova física da capacidade do seu génio e a matéria para podermos continuar certos do impacto que teve nos seus contemporâneos. Mas é também possível conseguir viver isso ainda, de forma real, apenas através do som gravado.
Frederico Santiago
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Nem isso nem marketing, nem fogo de artificio, ou prémiozecos de "pacotilha"! Citação