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Cuca Roseta: “Com o fado descobri a peça do puzzle que faltava à minha vida”

Entrevistas - Novembro 18, 2017
Entre a alegria e a introspeção, entre a cor e esse lugar escuro onde cabe a melancolia. Assim é ‘Luz’, o novo disco da fadista.

No ano passado, dizia que o disco a seguir a ‘Riû’ seria um regresso a casa e isso está bem patente neste álbum em temas como ‘Rosinha da Serra D’Arga’ ou ‘Alecrim’. Mas também há uma Cuca que continua a abraçar esta espécie de ‘world fado’, muito influenciada, por exemplo, pela música brasileira ou pelo flamenco. É possível manter um pé em Portugal e outro no mundo quando se canta fado?
É possível porque o fado já não é nosso. O fado é a cara de Portugal, mas também já é do Mundo. O fado é património imaterial da humanidade. Nós chegamos ao Japão e já encontramos uma japonesa a cantar fado. Chegamos à Holanda e vemos uma cantora holandesa muito famosa a cantar fado. O que eu trago para o meu trabalho são as influências das músicas que ouço. Eu gosto de jazz, de bossa nova ou de música africana e acabo por ser influenciada por isso, até na escolha dos compositores que convido para trabalharem comigo. Este disco ‘Luz’ é, por isso, quase uma conclusão de todos os discos que ficaram para trás. Traz um bocadinho do ‘Riû’ que era esse world fado, vai também ao ‘Raiz’ e vai buscar fados que eu cantei a vida toda e que ainda não tinha conseguido gravar.



Os fados da Cuca são sempre muito positivos, nada miserabilistas, nada tristes. Sente que a sua música já tem uma luz própria?
Eu não sinto isso por mim, mas sinto-o pelas palavras dos outros. Nos meus concertos há muitas pessoas que vêm ter comigo para me dizer que passaram a gostar de fado depois de me ouvirem.

E porque é que acha que isso acontece. O que acha que o seu fado tem de diferente?
Geralmente as pessoas dizem-me que não gostam daqueles fados mais pesados e que, apesar dos meus concertos serem muito intensos e nostálgicos, não se focam nas coisas negativas. Dizem que o meu fado é mais fresco [risos].

E acha que é?
Eu não deixo de falar sobre a tristeza, mas para mim há sempre uma luz ao fundo do túnel.

Mas um fado positivo é necessariamente menos introspetivo?
Não. E é isso que eu acho que acaba por ser interessante. Apesar de eu ver sempre o lado positivo das coisas, um concerto meu não deixa de ser também muito emocional e sentimental. O importante é levantarmo-nos quando caímos e não ficarmos no chão a queixarmo-nos. Este é o meu lema de vida e é isso que eu passo para o meu fado. Para mim há sempre um final feliz.

Quando canta temas tão diferentes como o divertido ‘Balelas’ ou o romântico e quase dramático ‘Ai o Amor’ consegue-se cantar com a mesma profundidade e emoção?
Eu sou uma contadora de histórias e neste caso uma é completamente diferente da outra. A história do ‘Ai O Amor’ é uma história profunda e que puxa o meu lado mais intenso. O ‘Balelas’ é uma história que não me custa contar, cheia de cor e que me faz sentir livre. Mas o fado sempre teve estes dois lados. Eu sei que lá fora, o fado é conhecido pelo seu lado triste, mas existem fados festivos. Eu acho, por exemplo, que um concerto de fado precisa disso. Precisa de ir ao fundo e depois precisa de trazer também alguma leveza, até para se poder respirar.

Mas os fados positivos parecem ser sempre mais a sua cara!
[Risos] É engraçado porque há muitas pessoas que me dizem isso. Às vezes perguntam-se eu eu não quero mudar de estilo, se não quero cantar mais pop ou jazz.

Mas ainda vê isso como uma possibilidade?
Não. A verdade é que muitos não sabem que, antes de ser fadista, eu cantei covers em bares. E posso dizer que não sentia o que sinto quando canto fado. Quando eu canto um ‘Balelas’ ou um ‘Amor Ladrão’ a seguir sinto mesmo necessidade de ir ao meu lado mais profundo. E depois é engraçado porque estes são os temas que tocam mais as pessoas. São aqueles em que as pessoas se levantam para bater palmas.

Os outros são temas de descompressão?
Exatamente. E essa é a dinâmica de um espetáculo meu. Por isso é que, no final dos meus espetáculos, as pessoas vêm dizer-me que fizeram uma viagem, que choraram, que riram, que se emocionaram, que sonharam... e eu adoro ouvir isso.

Dizia que, quando começou a cantar fado, começou a sentir coisas que não sentia antes. Que coisas são essas?
Quando comecei a cantar fado senti que descobri a peça do puzzle que faltava à minha vida. Eu andei em Direito, em Psicologia, depois fiz uma pós-graduação em Marketing, a seguir quis tirar Antropologia mas faltava sempre qualquer coisa. Como eu andava sempre a cantar, as pessoas mais próximas diziam-me sempre porque é que eu não seguia o canto. Mas eu achava sempre que era um risco...

... que ainda assim decidiu seguir!
O caminho levou- -me por aí. O engraçado é que, quando eu cantava pop ou jazz, facilmente me fartava. Lembro-me de estar a cantar nos restaurantes das Docas ou no Musicais e de me sentir cansada. O fado eu canto-o sempre com prazer, seja com febre, com duas horas de sono, com viagens ou depois de 90 concertos. Eu até posso estar no camarim antes do espetáculo completamente extenuada, mas quando subo ao palco sinto uma força que é difícil de explicar. É como uma paixão. Eu acho que o fado não é para se mostrar a voz, mas sim o lado interior e espiritual de quem canta. Aqui não há máscaras.

É a tal luz?
Sim. Eu já sabia que este disco se chamava ‘Luz’. É uma luz espiritual e interior que se encontra facilmente a cantar fado.

E esta luz também tem alguma coisa a ver com o facto de ter voltado a ser mãe?
Houve muitas pessoas que julgaram isso. Pode ser [risos] mas a ideia era mais a da espiritualidade.

Mas já tem uma nova fã lá por casa?
[Risos] É engraçado porque a Benedita (20 meses) reage desde sempre à minha música. Só ainda não sabemos se ela canta bem. Quando era mais bebé, eu começava a tocar viola e ela adormecia. Quando ia aos meus concertos ela ficava muito tranquila. O João, o meu marido, dizia que assim que eu começava a cantar ela adormecia e que isso se calhar não era bom sinal [risos]. Mas eu acho que é uma coisa que a acalma. Hoje em dia, eu estou sempre em casa a tocar piano e ela quer vir sempre para o meu colo tocar comigo. E também já faz uns sons a querer cantar. Eu acho que ela é muito musical, só não sei se vai ser afinada.

Seria um desgosto para si se não fosse?
Não. Eu acho que ela deve ser afinada porque o João também é e canta muito bem, apesar de não o fazer publicamente. E depois a minha família também é toda muito afinada. Se ela não for é uma desgraça [risos].

E a distância do João [preparador físico a trabalhar com o Wolfes em Inglaterra] como é que tem lidado com ela?
Ele vem cá muitas vezes. É melhor do que quando estava na Arábia Saudita. Agora, com dois dias de folga, ele consegue vir a casa e todos os meses nos temos conseguido ver. Antes chegávamos a estar três meses separados. Agora, ou ele vem cá ou eu vou lá com os miúdos. Mas é complicado quando queremos partilhar alguma coisa com alguém que gostamos muito e essa pessoa está longe. Temos de falar através do Skype.

Como é que fez com este disco?
O João faz sempre parte de tudo e para este disco não foi diferente. Eu enviava-lhe os temas para ouvir e ele dava-me a opinião. Eu gosto de o ouvir porque ele não é um grande conhecedor de fado. Aliás, fui eu que fiz com que ele gostasse de fado. Ele chegou a ser DJ nas Bahamas e sempre lidou com música comercial. Por isso, eu gosto de ouvir a opinião dele, porque é uma opinião fora do fado. Nós, aliás, temos gostos musicais bem diferentes. Eu ouço música antiga e ele ouve muito música moderna. É ele que me mostra muitas das coisas novas que se vão fazendo. E isso é bom, senão eu ficava eternamente a ouvir o Frank Sinatra, o Nat King Cole ou a Edith Piaff [risos]. 



Passam dez anos sobre o filme ‘Fados’ do Carlos Saura, o filme que a mostrou ao Mundo. Este tempo correu melhor do que estava à espera?
Muito melhor. Eu nunca quis ser cantora. Eu fazia-o por prazer pessoal. Era apenas um hobby. Entretanto, apareceu o Gustavo Santaollala [produtor do primeiro disco] que era um dos maiores do Mundo e foi uma surpresa. Eu na altura já estava licenciada em Psicologia mas a verdade é que nem consegui começar a trabalhar porque comecei a viajar pelo Mundo. E a cada ano que passa tenho cada vez mais concertos.

Acha que foi o filme que deu esse ‘input’, ou acha que as coisas consigo iam acabar por acontecer?

Eu acho que o filme foi, sem dúvida, a minha grande rampa de lançamento. Eu ainda estava muito fresca no fado e de repente apareço ali ao lado de nomes como o Carlos do Carmo, o Chico Buarque, o Caetano Veloso ou a Mariza.

Cantou a ‘Rua do Capelão’!
Sim. E isso foi marcante porque era só eu com uma guitarra portuguesa numa versão muito minimalista. A minha carreira poderia ter despoletado com outra coisa qualquer, mas hoje ninguém me tira do currículo ter feito um filme com o Carlos Saura. 
CM


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