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Katia Guerreiro: “O fado fez-me aprender muita coisa na vida”

Interviews - Setembro 22, 2018
Katia Guerreiro, uma das mais famosas embaixadoras do fado em Portugal e no estrangeiro apresenta o novo álbum Sempre. A fadista falou com o GPS sobre o seu novo projecto.

Com uma vida dividida entre duas paixões, a Medicina e o fado, Katia Guerreiro apresenta o novo álbum Sempre. Fruto da parceria com o compositor José Mário Branco, este novo projecto da fadista segue a corrente tradicionalista típica do seu fado.

Já actuou em palcos de todo o mundo e é considerada uma das embaixadoras do fado no estrangeiro. Foi condecorada com a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique pela Presidência da República e com a Ordem das Artes e Letras pelo Governo Francês.

Com uma carreira de quase vinte anos, salienta que o fado lhe possibilitou um crescimento pessoal e profissional. Ao longo dos anos já fez parceria com artistas como Plácido Domingos, Maria Bethânia, Rui Veloso, Celeste Rodrigues, entre outros. Sobre o álbum Sempre, salienta que a colaboração com José Mário Branco foi a concretização de um sonho com vários anos.

O seu novo disco tem direcção musical de José Mário Branco, com quem tem também um dueto. Como surgiu esta parceria?

Eu já tinha vontade de trabalhar com o José Mário Branco há muitos anos só que achei sempre que seria muito improvável que ele aceitasse trabalhar comigo. Por variadíssimas razões, mas a principal é porque achava que, como o José Mário trabalhou sempre muito estreitamente com o Camané, nunca iria aceitar trabalhar comigo. A verdade é que a determinada altura eu estava muito angustiada porque queria um productor musical para o meu disco e não sabia o que é que havia de fazer. Estava a falar com um grande amigo meu que está na Colômbia e [ele disse:] "Sempre falaste do José Mário Branco porque é que não o convidas?

Nós tínhamos tido uma experiência recente na gravação do filme Alfama em Si do Diogo Varela Silva em que a direcção musical foi toda do José Mário e, portanto, aí tive oportunidade de falar com ele.

[Após essa experiência] como fiquei um bocadinho mais à vontade com ele, liguei-lhe a convidá-lo para produzir o meu próximo disco. Houve ali um silêncio e às tantas conversámos muito sobre fado, sobre o que é que cada um de nós entendia sobre fado, percebemos que estávamos de acordo em muita coisa até que eu disse "Vamos tentar fazer um disco juntos!".

Depois enquanto estávamos a acabar os ensaios e já quase a entrar em estúdio disse ao José Mário "Tenho de lhe pedir uma coisa. Grave comigo". Ele respondeu: "Não, eu já não canto há muito tempo". Tentámos e correu muito bem. Até porque nós os dois entendemos que o Quem Diria era um bocadinho o retrato da nossa história. De um encontro tão improvável que resulta numa história de amor, no nosso caso numa amizade imensa e de uma admiração muito grande que temos mutuamente.

Este disco marca algum tipo de mudança na sua carreira?

É um passo evolutivo. Neste caso é uma mudança no sentido em que eu passo a ter dois guias muito importantes: um que é o José Mário Branco, que é um guia musical e filosófico muito importante e a Manuela de Freitas que é uma guia emocional e poética extraordinária. A partir deste momento eu sinto que me posso entregar nas mãos de alguém e deixar de ser eu a tomar as rédeas de tudo. Acabo por ficar muito mais descansada e posso focar-me exclusivamente na interpretação. O José Mário ajuda-me muito nisso. Ajuda-me a simplificar muito as coisas. Aprendi muito com ele.

Em termos de evolução há uma forma despreocupada de cantar. Sem me preocupar demasiadamente com o resultado, porque é ele quem se preocupa, não sou eu. [Risos]

Nos agradecimentos do seu novo álbum escreveu: " despimo-nos de preconceitos, fizemos deste disco um hino à verdade, à beleza, ao rigor e ao respeito pelo fado". Foram estes os conceitos por detrás da escolha dos temas?

Quando escolhi uns poemas em detrimento de outros é porque tinham de ser muito verdade. Há sempre um momento certo para cantarmos determinadas coisas. Há poemas que eu canto que se tivessem sido escolhidos há uns anos atrás ou que se fossem escolhidos mais à frente podiam não ser sentidos e cantados da mesma forma.

Porquê a escolha do título Sempre para o seu novo álbum?

Este é o meu nono álbum. Ao longo de todos os álbuns que eu editei eu tive experiências diferentes, tive em momentos diferentes da minha vida, cruzei-me com pessoas diferentes. Agora tenho o José Mário Branco e continuo sempre a ser eu. Sou sempre eu quem está ali. Sou eu por inteiro. Sou aquilo que eu quis afirmar no meu terceiro álbum Tudo Ou Nada. Eu continuo a ser esse tudo ou nada. Eu entrego tudo, portanto hoje ao nono álbum que edito sou sempre eu.

Cada álbum seu conta uma história…

Contam. Se ouvirmos desde o primeiro disco até agora há um fio conductor. Não existem coisas díspares. Há uma linha que eu sigo desde o primeiro álbum. Acima de tudo há muita coerência.

As directrizes do fado sofreram algumas alterações nos últimos anos. Identifica-se com este fado mais atual?

Eu gosto de ouvir. O meu fado não tem nada a ver. Eu percebo que seja mais fácil de se ouvir e que aproxime mais pessoas por ser mais fácil. Não é o que eu faria. Mas gosto muito de ouvir e admiro muito dos artistas que estão a seguir esse caminho.

Com uma carreira de quase vinte anos e nove álbuns depois, quais considera os momentos mais marcantes da sua carreira?

Na verdade, o fado fez-me aprender muita coisa na vida. Fez-me aprender uma muita coisa sobre a humanidade, sobre a individualidade e sobre o que nós devemos respeitar do que cada um é e do que somos todos. Aquele cliché "Todos diferentes, todos iguais" é verdade.

Eu saio dos Açores e venho para Lisboa e de repente Lisboa faz-me ir para o mundo inteiro, com um valor cultural, o fado, o maior valor cultural que nós temos. O fado tem um instrumento português que é a guitarra portuguesa, é cantado em português e é ouvido em português. Os nossos poetas e os nossos escritores são traduzidos para outras línguas para serem compreendidos. O fado é compreendido mesmo sem que entendam a nossa língua. É demasiadamente visceral para que tenha necessidade de ser traduzido.

Quando comecei a ir para o estrangeiro, [comecei a] cantar para pessoas que não entendiam rigorosamente nada, mas que se emocionavam, se comoviam.

Eu tenho centenas de experiências que me marcaram ao longo da minha carreira. A conclusão é que somos efectivamente todos iguais, somos tão iguais que todos conseguimos sentir o fado muito profundamente. E o fado traduz a nossa vida de uma forma muito epidérmica, muito emotiva, muito intensa, muito sentida.

A partir do momento em que as pessoas conhecem o fado e reconhecem no fado tudo isto, as pessoas tornam-se mais completas, porque têm finalmente qualquer coisa que consiga expressar aquilo que nós temos por dentro. E o mesmo fado que eu canto perante uma pessoa em França e que canto perante outra pessoa no Japão ou em Lisboa tem significados diferentes para essas pessoas, porque elas têm a sua própria história de vida, o que vai fazer com que este fado se torne especial para elas. Sendo o mesmo é diferente para cada pessoa.

Cantar para o povo português tem sempre um "gosto" especial?

O espectáculo que eu vou fazer na Praça do Município é de celebração do lançamento do novo disco. Será um espectáculo cronológico, em que vou visitar cada um dos discos terminando neste álbum Sempre. Vai haver uma viagem temporal até chegarmos aos novos temas. É um pouco arriscado. Normalmente, começa-se por se apresentar as novidades, eu vou fazer exactamente o contrário. É arriscado, mas eu sou assim.


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