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Mara Pedro: "Sabe muito bem o reconhecimento daquilo que faço em palco."

Entrevistas - Dezembro 12, 2018
Mara Pedro é uma das meninas dos olhos de Viseu. Fadista desde tenra idade, rende a sua voz ao vibrato das cordas da guitarra portuguesa pelo nosso país e em terras forasteiras. Hoje, conversa connosco no Escriba.

Olá, Mara. Antes de mais, quero agradecer o facto de participares no nosso humilde espaço. Com que idade encontraste no fado a tua paixão?
Eu é que agradeço este convite para esclarecer um pouco da minha história. Tudo começou por volta dos 4 anos de idade, quando tive a minha primeira apresentação em palco para um público de 400 pessoas. De uma forma muito sequencial, tive a minha primeira descarga de adrenalina, sentia o estômago apertado, com enorme medo de errar (hoje chamo a isso: sentido de responsabilidade), subi as escadas rumo ao palco, comecei a cantar e como por magia todos esses medos ficaram silenciados por calma e alegria. As expressões do público ficaram gravadas em mente até hoje, percebi desde esse momento que queria voltar a sentir aquilo.

Consegues revelar-nos três grandes inspirações?
As inspirações para alguém que canta, seja qual for o tipo de música, porque qualquer um envolve a tentativa de transmitir sentimentos fortes e mensagens transparentes de histórias de vida, não têm de ser apenas musicais. Diria que a minha primeira inspiração é Amália Rodrigues; em segundo a minha família e por último o palco. Moldaram em boa parte aquilo que sou, por isso considero-as como inspirações mais importantes.

O primeiro contacto que tive com o teu nome ocorreu há cerca de 10 anos, no concurso “Uma Canção Para Ti.” Mais tarde, contas com uma participação no “Portugal Got Talent.” O que representaram para ti estas experiências? Tiveram algum impacto na tua carreira?
Foram experiências muito positivas. Já tinha participado antes, em concursos apenas de fado, mas nunca com a mesma visibilidade, nem com pessoas da minha idade. Penso que estes programas permitiram que o meu nome começasse a não soar estranho para as pessoas e ser associado a bom reconhecimento de uma figura muito jovem, que interpretava algo tão poderoso como o Fado.

Já colocaste três álbuns (Doce Fado, Fado Alma do Mundo e Fado Sorriso) na tua vitrine criativa, entre os 11 aos 15 anos. Como descreves cada um dos teus trabalhos?
Doce Fado, foi o meu primeiro CD, vejo-o mais como o primeiro registo dos fados que mais gostava e quis gravar. Fado Alma do Mundo foi um cd experiência, um misto com a cultura espanhola, lindíssimo, produzido por um músico/compositor argentino, cheio de talento, Daniel Adzemian e gravado na Catalunha. Finalmente Fado Sorriso, começa a desenhar mais a forma como me apresento ao público nos meus espetáculos, a minha energia alegre. Com temas inéditos, um deles o próprio Fado Sorriso, composição de Custódio Castelo, que entrou no ouvido e teve muito boa afluência.

Esta é uma pergunta árdua para todos os criadores. Costumo dizer que, para nós artistas, as obras são como filhos da alma. Se tivesses que eleger um álbum e um tema, quais escolherias?
Penso que por esta mesma razão, consideramos as obras como filhos, é quase impossível escolher a música ou o álbum que nos marca mais. As músicas marcam as épocas e a vida de cada pessoa e para nós, artistas que as interpretamos, não é diferente, contudo cantar cada um dos temas que costumo cantar é sempre um misto de boas sensações que não se diferenciam.

A tua agenda encontra-se manifestamente preenchida, com variados concertos em Portugal e alguns no estrangeiro. De que maneira é que uma menina de 19 anos faz a gestão emocional e profissional de tamanho compromisso conciliado com estudos académicos?
Tenho um espírito dinâmico, penso que isso também ajuda a dissipar o stress mental das tarefas e responsabilidades que sou posta à prova. Sempre tentei conciliar os estudos com a música sem abdicar do tempo passado em família ou com amigos. Não sou da opinião que para ter sucesso temos de nos entregar a 100% somente a uma área, é verdade que a música exige dedicação, mas ao mesmo tempo é necessário um equilíbrio para que a carreira se mantenha estável ao longo dos anos.

Acabaste por te converter num nome incontornável da cultura viseense. O teu nome ecoa pelas ruas da cidade faz muito tempo e parece perdurar. Como te sentes em relação a esse amor que Viseu nutre por ti? És muito abordada pelas pessoas?
É sem dúvida muito reconfortante o carinho do público da minha terra. Sou abordada algumas vezes e sabe muito bem o reconhecimento daquilo que faço em palco pelas outras pessoas. Sentir que nos admiram e agradecem como se fossemos da família.

Imaginas a rua Mara Pedro, à semelhança do fadista viseense Hilário?
Augusto Hilário, imortalizou-se com as suas quadras; pelo conhecido “Fado do Hilário”, foi e continua a ser muito adorado na nossa cidade e não só, merecendo todo esse reconhecimento que o construiu, sem o desejar. Fazia-o com alegria, como própria escapatória ao rigor (a boémia) e com paixão. Não o fazia por um nome na rua. Chama-se loucura, deve ser característica de todo o verdadeiro artista, mas é algo que fazemos por felicidade própria, por ver essa mesma felicidade no rosto de alguém, é tudo que ambiciono, não um nome, mas momentos.

Como te sentes ao atuar na Feira de São Mateus, o palco mais simbólico e emblemático da nossa cidade?
Não só é simbólico para a cidade, mas também é muito simbólico para mim. Costumo dizer por brincadeira que tenho muito respeito por aquele palco. Lembro-me da primeira vez que cantei na Feira de São Mateus, com 9 anos, estava completamente aterrorizada ao início. Por ser a “menina da cidade” veio mesmo muita gente, mais do que esperava, para ver e apoiar e eu ali cheia de nervos. Quando entrei, vi as pessoas com cartazes a gritarem o meu nome e por breves instantes, antes de dizer fosse o que fosse que tinha ensaiado, fiquei com um nó na garganta, com uma vontade de chorar de alegria e abraçar aquela gente toda. Enchi-me de garra para cantar. O público da minha terra é maravilhoso. Para eles vou sempre estar a 100%, mesmo que na minha cabeça eu pense que podia ter cantado aquele verso assim ou assado.

Existem outros nomes do fado em Viseu que merecem reconhecimento?
Sem dúvida, fadistas de mais idade que também fizeram o seu bom trabalho para a cidade. Uma delas que conheci recentemente no Rio de Janeiro, mas que continua a fazer espetáculos, levando o nome da nossa cidade a outros públicos. Com 45 anos de carreira, tive oportunidade de cantar com a fadista Maria Alicina, uma senhora cheia de histórias e muito querida.

Regressando aos teus feitos. Coleccionas galardões e prémios desde tenra idade. A saber: o Concurso “Alverca dá voz ao Fado”, Festival da Canção “Clave de Prata” ambos em Lisboa, o Concurso Fado Amador em Olhos de Água, Algarve, o Concurso de Fado de Vila Real de Santo António, Prémio Revelação do Fado, no auditório Pedro Ruivo, em Faro, o Prémio Artista Revelação, em Armação de Pera e o Prémio Revelação na Música – Anim´Arte. Seria este um prenúncio para uma grande carreira? Que sentimentos predominam quando fazes esta retrospectiva?
Permanece um sentimento ambíguo de orgulho e ao mesmo tempo de pés na terra, porque ainda há tanto para fazer e tantos públicos a quem quero cantar. Pequenos passos é o que tem tornado este meu caminho, ainda pequeno, mas sólido.

Vivemos numa época de valores cada vez mais caducos. Lamentavelmente, a cultura é vítima de um certo relativismo que todos devemos combater. Portugal concentra em si pedras culturais do mesmo castelo. O fado é, indiscutivelmente, um dos símbolos da pátria, que Lisboa entregou no jeito delicado da Menina e Moça, embora seja sempre o seu berço. Ainda existe algum preconceito para com fadistas não lisboetas?
Presenciei algumas vezes esse preconceito, que por vezes é mais desconfiança de alguém que não é do meio fadista jovem, ser capaz de cantar tamanha herança. Acabam felizmente por se desfazer quando começo a cantar. Os valores que os poemas do fado nos ensinam, vencem qualquer preconceito ou relativismo.

Ao cantares fado cantas Portugal ou cantas a Mara?
Canto um pouco dos dois. Canto o meu país, porque nisso sou muito patriota, mas com um toque da minha identidade.

De que forma te assumes enquanto fadista: conservadora ou inovadora?
A música está e deve estar em constante renovação e remodelação para haver um crescimento cultural de um estilo próprio. Perdoem-me os puristas, mas a historia da música e do fado, em particular, está marcado de nomes que quiseram inovar e que por essa razão internacionalizaram o nosso fado e o tornaram hoje património da humanidade. É importante continuar a criar novas obras, com alma de fado para não se tornar algo estanque que ninguém quer ouvir. Merece ser ouvido, merece ser chorado ou aplaudido durante o instrumental.

Até hoje, qual foi o maior momento da tua carreira? Um álbum, um concerto, um prémio?
É difícil mencionar um momento, quando todos para mim são importantes e tiveram tanto significado. Para além do prémio que recebi o ano passado, IPMA (international portuguese music awards) em que tive a oportunidade de agradecer em público à comunidade portuguesa e aos meus pais, por todo o esforço que têm feito para me acompanhar, há também em concerto que me marca muito e quero partilhar. O concerto que fiz numa igreja na Lituânia, apenas para lituanos, em que cantei o hino da Lituânia. As guitarras a acompanhar e o eco do local, fizeram as pessoas levantar-se e tanto eu como os músicos ficámos emocionados. Mais uma prova de que a música é intercultural.

Expõe connosco um verso que cantes que te defina.
“Ninguém foge ao seu destino/ Nem para o que está guardado/ Pois por um condão divino/ Há quem nasça pequenino/ Para cumprir um grande fado.”

Queres partilhar connosco os teus próximos projectos?
Em breve irei apresentar o meu novo disco, com músicas da minha autoria e por essa razão estou francamente ansiosa por mostrá-lo.

Que mensagem desejas endereçar aos teus seguidores?
Quero deixar a mensagem de que é possível sermos o provável e o improvável ao mesmo tempo, a vida são probabilidades matemáticas e temos infinitas combinações para experimentar, se não ficarmos satisfeitos, experimentamos outra chave e outra chave e novamente outra, até nos sentirmos realizados. Desde que o nosso corpo e mente aguentem, podemos ser ou fazer o que quisermos.


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