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Mariza em concerto: o seu fado em nós

Concerts - Março 16, 2019
A fadista subiu ontem ao palco do Coliseu dos Recreios, em Lisboa. Uma noite que levaremos sempre ao peito.

Sala cheia para receber Mariza. A fadista, que esteve em digressão por várias cidades europeias, chegou a "casa" para mostrar o seu mais recente disco, ao qual deu o seu nome. É o sétimo de uma carreira que já não tem fronteiras, não fosse Mariza conhecida em grande parte do mundo por onde tem viajado com o nosso fado na voz.

A cantora subiu ontem ao palco do Coliseu dos Recreios, em Lisboa, com a graça e o sorriso de quem está no lugar certo a fazer o que sabe sem que a alma lhe escape da voz. Esteve no palco com o fado em si, mas também com as suas raízes africanas e lembranças de sons que a inspiram vindos do Brasil. Na homenagem que prestou a Elis Regina ou no samba que, a dada altura, orquestrou os seus movimentos perante uma plateia rendida, fizeram desta noite um ponto de encontro de culturas.

O concerto não poderia ter começado de forma mais intimista. Desde logo, Mariza convidou subtilmente o público a entrar na relação íntima que mantém com a música e na sua relação de cumplicidade com os músicos que a acompanham. Sem microfone, virada para os seus músicos e para um espelho que a refletia para a plateia, a voz de Mariza chegou longe quando cantou 'Loucura' com uma simplicidade absoluta. Um longe que se fez perto o suficiente para provocar arrepios a quem assistia ao momento em silêncio. Afinal estava-se a cantar o fado.

José Manuel Neto, na guitarra portuguesa, Pedro Jóia, na guitarra acústica, Yami Aloelela, na viola baixo, Hugo Marques Vicky, na percussão, e João Frade, no acordeão, foram os cúmplices de uma noite de amor e confissões.

Passando por várias canções da sua carreira, sem esquecer o disco mais recente, Mariza revisitou o álbum, de 2015, "Mundo" com 'Sem Ti' e celebrou o seu fado com 'Fado Meu Fado' do disco "Transparente", de 2005. A acompanhar a celebração, confessou-nos que falar de fado é também falar de palco, de viagens, de cansaço, de sorrisos e de destino, o seu incluído.

Em paz com isso, era então chegada a altura de levar ao palco "Mariza", o disco lançado no ano passado. Com a garra e intensidade de ‘Semente Viva’, a fadista preparou-nos para outro grande momento que viria a seguir, o tão aguardado ‘Quem me dera’, tema escrito pelo músico Matias Damásio e que serviu de cartão de visita ao novo álbum. As vozes ainda tímidas da plateia começaram a ouvir-se, aos primeiros acordes, e logo cresceram no refrão. Aí sim, todo o Coliseu já estava a cantar. Mariza exclamou "o meu coração já é vosso", o público aplaudiu.

Será este um dos discos mais pessoais da cantora? Talvez, se pensarmos na intimidade que pode existir entre um poema e quem o escreve e, neste caso, canta. Essa relação tão íntima foi palpável no tema ‘Oração’, escrito pela mão da cantora. Foi o poema da noite cantado por Mariza, de olhos fechados e coração aberto. Mariza, que confessou que nem sempre canta esta canção, consagrou, mais uma vez, a sua verdade no palco.

No Coliseu dos Recreios, ouviram-se também homenagens que ecoaram de diferentes pontos do mundo. Primeiro, às origens moçambicanas da cantora e aos ritmos quentes e ondulantes de Cabo Verde no tema 'Beijo de Saudade' e depois à cantora brasileira, Elis Regina, uma das artistas mais acarinhadas por Mariza. Ouviu-se, pela voz da fadista, 'Canto de Ossanha' tão bem revestido com arranjos de músicos de excelência, também estes merecedores de grandes ovações do público.

Num tom mais melancólico, seguiu-se o clássico 'Chuva', composto por Jorge Fernando e que integra o disco de estreia da fadista, "Fado em Mim". Como nos confidenciou Mariza, em tom de brincadeira, é a tal canção que, se faltar no alinhamento, merece uma entrada no "livro de reclamações" de quem segue a cantora. Entende-se. Haverá alguém que não sinta a saudade daquela forma?

Ainda não recuperados da intensidade emocional de ‘Chuva’, seguiu-se ‘Barco Negro’, fado celebrizado por Amália Rodrigues e escrito pelo escritor David Mourão Ferreira. Sente-se o respeito que Mariza tem por este símbolo máximo do fado e respeita-se a Mariza por honrá-lo tão bem sempre que o canta. O mesmo com 'Rosa Branca'.

Mariza já soma perto de vinte anos de estrada, mas cedo conquistou o seu lugar na história que se conta do fado. Fado que é tão seu, que é tão nosso. E se achamos que tudo isto do fado é triste, a recriação de 'Trigueirinha', mais um dos temas do novo disco, deu-lhe toda a alegria.

O lugar de Mariza no fado está bem guardado, mas também é verdade que o que vimos ontem no Coliseu de Lisboa foi uma Mariza de outros lugares, mas muito feliz por estar em casa. 'Oh gente da minha terra' foi a prova disso mesmo e a canção que serviu a despedida.

No final do concerto, quem lá esteve saiu com a voz e a verdade de Mariza ao peito.
Agora, Mariza segue rumo ao norte para três concertos no Coliseu do Porto, nos dias 17, 18 e 19.
Sílvia Mendes /Foto:Rúben Viegas


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