Se o Capitólio era uma prova, Teresinha Landeiro passou
Concertos - Abril 06, 2019


Ao longo dos últimos anos tem havido uma pressa, talvez demasiada, em encontrar estrelas de súbita ascensão no fado. O que em tempos demorava anos, moldando vozes e estilos, agora quer-se quase instantâneo, por vezes com a perversa ideia de fabricar um apogeu e passar ao seguinte, deixando pelo caminho um rasto de desilusão e cinzas. De nada disto pode ser acusada Teresinha Landeiro, que não tendo um típico passado fadista (nasceu em Azeitão, há 23 anos, sem passar pelos concursos ou noites fadistas), tem vindo a trilhar um caminho sóbrio, nos ainda curtos anos que leva no fado. A sua voz, marcada por uma jovialidade evidente que vai de par com a idade, já começa a ganhar alguns tons distintivos, embora isso ainda não lhe garanta a “voz própria” que um dia (se assim continuar) terá.
No Capitólio, numa sala bem composta e com vários fadistas na plateia, ela soube portar-se à altura, com sobriedade na maioria dos fados, festiva sem exageros nas marchas e gaiata em Raminhos de violeta ou Amor aos molhos, este um dos vários fados com letra de sua autoria – e aqui está, nela, uma marca já distintiva: o atrever-se a escrever vários dos fados que canta, um deles até letra e música, incluído num lote de “três à escolha” para os quais ela pediu os votos do público, via Facebook, ali mesmo por telemóvel ou mais tarde já em casa. Dois eram dela, o primeiro ainda sem nome, e o terceiro foi Súplica (de Ferrer Trindade e Frederico de Brito), cantado ou gravado por fadistas como Teresa Siqueira ou Camané. O mais votado terá direito a um videoclipe, a gravar até final do mês.
Votações à parte, a noite foi preenchida em grande parte com os fados e marchas gravados em Namoro, o seu disco de estreia, lançado em 2018. E foi visível, nalguns deles, uma evolução interpretativa, que se saúda, ainda que outros tenham sido parcialmente “traídos” por algum nervosismo. Abrindo com o Fado Perseguição, em Teus olhos nos meus (com letra dela), seguiram-se Naquele dia (onde Teresinha ousou, com bom resultado, juntar palavras suas a quadras de Fernando Pessoa, com música do Fado São Miguel, de Armandinho), Raminhos de violeta, O riso que me deste (de Teresa Tarouca, com música de Pedro de Castro) e um bem achado Santo António traiçoeiro, escrito por Teresinha.
Isto antes daquele que terá sido um dos momentos altos da noite, e talvez o melhor: o fado Longe demais, de Beatriz da Conceição (com letra de Jorge Rosa e música de Francisco José Gonçalves), a que Teresinha Landeiro deu uma interpretação sentida e de excelente nível. Veio depois Malmequer (que ela gravou em 2012 no disco colectivo Saudade No Futuro, Fados dos 8 aos 17 anos) e Gota abandonada, criação de Lenita Gentil também gravada por Maria Amélia Proença, a que Teresinha deu uma interpretação digna de boa nota antes de deixar o palco entregue aos músicos que a acompanham (Pedro de Castro, na guitarra portuguesa; André Ramos, na viola de fado; e Francisco Gaspar, na viola-baixo) para uma muito boa e aplaudida rapsódia instrumental.
O regresso de Teresinha começou festivo, com Amor aos molhos (este com mais um músico em palco, Ruca Rebordão, na bateria), forma de introduzir os três fados que ela sujeitou à votação do público, como atrás se referiu. Depois, a fechar, três marchas, só interrompidas pelo fado Sonhos Meus, precisamente o que abre o disco Namoro, no Fado Carlos da Maia (sextilhas): Lisboa marcha assim, É de Lisboa (popularizada por Amália Rodrigues) e Noite de Santo António. Os muitos aplausos trouxeram a fadista de novo ao palco, para cantar, em homenagem a Celeste Rodrigues, um fado que esta criou, O meu xaile (grafado originalmente “o meu chaile”). E fê-lo primeiramente a capella, com a audiência em completo silêncio, juntando-se-lhe depois os músicos: mais um grande momento, pela interpretação e pela memória. Depois? Amor aos molhos, outra vez em tom de festa, com os quatro músicos em palco.
Se o Capitólio era uma prova, Teresinha Landeiro passou. Sem ocupar o lugar de ninguém (e tantos foram os fadistas que ali a aplaudiram), o fado já lhe reservou um lugar entre os seus. Seja na casa de fados ou num palco maior, ela conta e contam com ela. Com os anos que tem pela frente, e a vontade e dedicação que demonstra, não há-de demorar a ter a tal “voz própria” que a distinga e afirme. Para já, tem sido um prazer ouvi-la, a crescer sem vedetismos e tendo por guia uma declarada paixão juvenil pelo fado.
Nuno Pacheco/Público