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Mariza e a saudade do que ainda está por vir

Concertos - Maio 31, 2019
Cantora portuguesa fez apresentação inédita em Porto Alegre para encerrar passagem pelo Brasil

Quando Mariza fez silêncio entre dois versos do fado Semente Viva, estava claro que havíamos chegado ao momento mais emblemático do concerto que encerrou, em Porto Alegre, a turnê da fadista portuguesa pelo Brasil. Foram apenas alguns segundos, em termos objetivos, mas que, pela profundidade do impacto, mostraram a potência da música que ouvíamos: ali estava a marca maior do "ser português", a saudade.

A voz que ecoara nas três primeiras canções da noite e agora entoava a quarta, nos havia deixado qual os marinheiros que partiam das terras portuguesas nas míticas histórias das navegações. Deixavam em quem ficava a combinação da tristeza com o desejo da volta. E, quando Mariza retomou o canto, foi como se anunciasse que o resto da apresentação conteria, ao mesmo tempo, o alento da ausência e a perspectiva de um fim. Nada mais lusitano, nada mais fado do que isso.



Desde o começo da apresentação, que mesclava repertório de seu álbum mais recente com sucessos anteriores, a cantora já havia estabelecido a que viera: o conhecido fado Loucura – única canção entoada sem amplificação – mostrou a força de uma das vozes mais conhecidas do canto em língua portuguesa e que já se apresentou mundo afora. “Poetas do meu país/ Troncos da mesma raiz/ Da vida que nos juntou/ E se vocês não estivessem a meu lado/ Então não havia fado”, dizia a letra que deu o tom da noite.

A filha de pai português e mãe moçambicana que começou a cantar aos cinco anos completa neste ano duas décadas de carreira e, pela primeira vez, interpreta uma canção com poema de sua autoria.

— Não é fácil cantar minhas próprias palavras — abriu-se sobre Oração.

A voz e o canto de Mariza – que já conhecíamos bem das gravações – receberam como complemento a impressionante presença cênica da artista nesta primeira passagem da fadista pela capital gaúcha. De pé, sozinha no centro do palco, sentada sobre a plataforma onde estavam os instrumentistas, de cócoras sob um holofote, dançando: não importava como estivesse, se fotografada, sem dúvida seria flagrada numa pose emblemática e forte, tal a elegância e precisão com que se movimentava.

A desenvoltura em cena também se traduziu em momentos de interação com o público e de bom humor: instigou quem acorreu ao Teatro do Bourbon Country a acompanhá-la em Trigueirinha, canção que usou para abrir o momento em que fazia a transição de um modo melancólico de ver o amor para outro mais alegre.

Também o figurino contribuía para a imagem dela no palco: o vestido escuro, com pontos brilhosos, leve, semi-transparente e longo até o chão, dava a sensação de que Mariza flutuava pelo chão ao se mover. Mas nada se compara ao momento em que, de costas para a plateia, ergueu saia e sambou durante a canção Amor Perfeito. A plateia, claro, reagiu efusivamente.

No bis, Mariza interpretou uma impressionante versão do Canto de Ossanha, composição de Vinicius de Moraes e Baden Powell. Dissera ela, antes, que é uma das músicas que lhe ficaram “tatuadas na alma” com a voz de Elis Regina – cantora que ela ouvia desde a infância em discos de vinil. Pois essa exatamente é a sensação que se tem depois do concerto, mas agora numa versão com um sotaque ibérico.

Impressionou a sensibilidade da cantora ao anunciar Melhor de Mim: ela descreveu a canção como um meio para se suportar momentos ruins com a perspectiva da melhora – uma saudade do que ainda não se viveu, talvez. Estava, como havia dito ela instantes antes, feita a ponte entre Porto Alegre e Portugal. Nunca uma canção caiu tão bem: a nação portuguesa se vê num momento de otimismo, e somente a sensibilidade de uma artista deste calibre conseguiria nos ofertar de modo tão generoso um norte para os momentos confusos e difíceis por que nós brasileiros passamos neste 2019.

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