EnglishPortuguês

Amália - Com que voz

Records - Julho 10, 2019
Valentim de Carvalho / 2019
Ouvi sempre, aos que mais conhecimento e bom gosto tinham para o dizer, que "o melhor disco português de sempre é o Com que Voz."

E mesmo a expressão "tudo é relativo...", quase sempre ouvida depois da atribuição de pódios similares, só vem lembrar, numa espécie de contradição de si mesma, que os valores absolutos afinal sempre existem. O lugar cimeiro de Com que Voz entre os discos nacionais é um deles. Posso parecer redundante, mas nunca será demais afirmá-lo: em Portugal nunca um cantor do nível vocal e interpretativo de Amália, se é que houve mais algum, gravou um álbum com esta coerência artística, esta elevação poética e este requinte musical, ainda para mais feito no auge das suas capacidades.

Foi o primeiro LP de Amália só com música de Alain Oulman e o tempo transformá-lo-ia no símbolo maior da revolução que fizeram na nossa música. É, desse prisma, o mais perfeito álbum que nos deixou a também mais moderna e inteligente dos cantores portugueses.

Em discos anteriores Amália tinha já ultrapassado convenções e barreiras artísticas, e tinha atingido cumes de perfeição musical, mas em nenhum, como em Com que Voz, se aliaram de forma assim lapidar duas características que tornaram a sua arte tão única: a vocalidade sem par, aliada à maneira muito original que tinha de dizer as palavras, e a genial acentuação que dava à própria frase musical.

Se o disco dos discos de Amália foi gravado em poucos dias, grande parte deste repertório foi esculpido durante anos, como o demonstram as seminais versões de alguns fados, até há pouco tempo inéditas, reunidas nas edições de Fado Português e Fados 67.

Por outro lado, a sensação de prodígio aqui conseguida viria iluminar uma série de sessões de gravação, na esperança de fazer outro LP com fados de Alain Oulman e talvez repetir o milagre. Num capítulo intitulado "à maneira do Com que Voz" é reunida aqui a sua primeira parte, com todo o material, algum dele inédito, gravado na proximidade das sessões do álbum, e que mantém o ambiente poético e até a impressão digital sonora própria deste disco, para além de alguns, infelizmente poucos, takes alternativos. A segunda parte dessas sessões será em breve publicada num disco dedicado a ensaios de estúdio inéditos de 1970, nos quais Amália experimentou pela primeira vez muitos dos fados gravados mais tarde para o LP Cantigas numa Língua Antiga.

Voltando ao Com que Voz, disse-me Hugo Ribeiro que Alain Oulman se tinha emocionado profundamente nas gravações do disco, "ele que não era homem de chorar". O excepcional técnico de som, que viu sempre no Com que Voz a sua obra maior, lamentava também nunca o nome de Fontes Rocha ter sido referido nas autorias, "o Fontes fez aquelas introduções todas, só as melodias dos fados é que eram do Alain".

Senhor Ribeiro, passados cinquenta anos sobre as sessões que originaram esta "sua" obra-prima - aquelas em que o Alain chorou -, não tentamos fazer justiça apenas a Fontes Rocha, também lhe agradecemos, a si, infinitamente, ter carregado nos botões que gravaram o Com que Voz. Como agradecemos ter ligado os fios que ofereceram ao futuro tantas obras-primas, todas apaixonadamente trazidas por si até nós.
Frederico Santiago


Related Articles


Voe mais alto com o Directório do Fado!
Não procure mais... está tudo aqui!

Social Network

     

Newsletter

Subscribe our Newsletter.
Stay updated with the Fado news.

Portal do Fado

© 2006-2024  All rights reserved.