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O regresso triunfal de Paulo Bragança ao palco do CCB, 22 anos depois

Concerts - Outubro 27, 2019
Conta-se que um dia, ao ouvir Mísia cantar, Amália Rodrigues terá dito: “Esta ao menos não imita ninguém.”

A afirmação, que se aplica com justiça a Mísia (e que esta continua a confirmar, ao longo dos anos), pode aplicar-se também a Paulo Bragança. A forma como ele interpreta o fado não é comparável à de nenhum outro fadista, e isto não é um juízo valorativo, é constatar um facto.

Chamarem-lhe “fadista punk”, ou “anjo caído” do fado, pode ajudar à propaganda que procura defini-lo, mas fica aquém do que é a sua expressividade emocional. Que ele, aliás, explora ao limite, com a sobriedade que entende imprimir-lhe e sem deslizes assinaláveis. O seu regresso ao palco do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, cumpridos exactamente 22 anos sobre o seu primeiro concerto naquela sala (25 de Outubro de 1997, agora em 25 de Outubro de 2019), cumpriu o que ele prometera: foi um concerto austero, intenso e muito centrado na música, sem distracções para lá das sóbrias luzes, e mesmo assim muito assente em jogos de sombras e no relevo dado à voz e aos instrumentos, alinhados num friso com cinco plataformas paralelas acima do nível do palco: Luís Coelho (guitarra portuguesa), Tiago Silva (viola de fado), André M. Santos (guitarra clássica), Alexandre Tavares (guitarra eléctrica) e Jorge Carreiro (contrabaixo).

O começo, na penumbra, com Paulo Bragança a dizer um texto poético em voz off, abriu caminho a uma entrada fulgurante, com Entrega (Carlos Gonçalves e Pedro Homem de Mello): “Descalço venho dos confins da infância/ Que a minha infância ainda não morreu./ Atrás de mim em face ainda há distância,/ Menino Deus, Jesus da minha infância,/ Tudo o que tenho, e nada tenho, é teu.” E descalço vinha Paulo Bragança, que logo aos primeiros temas colocou alta a fasquia: depois de Entrega, Rosa da noite e Mistérios do fado.

A imagem que Paulo Bragança deixou dos seus primeiros tempos não se desfez, apurou-se. Nela podem ecoar memórias dos anos 80, da pop de António Variações ao negrume dos Joy Division, mas isso dependerá muito das referências de quem ouve. Certo é que, na pose, na colocação da voz, na gestão dos tempos e dos silêncios (e com que habilidade, e noção de sedução, ele os explora!), Paulo Bragança permanece sem par no seu género. As pontes que ele agora estabelece, rumando dos fados à Irlanda, onde viveu mais de uma década (com Caoineadh na dtrí mhuíre, só voz e nove adufes, com o grupo feminino Adufe & Alguidar), ou à Roménia, país onde também viveu uns meses e pelo qual se apaixonou (cantou três canções em romeno, que talvez grave um dia), assentam no novo caminho que constrói e que já foi fixando num disco, Cativo.

O resto da noite andou pelo fado ou canções a ele sujeitas: Biografia do fado, o Fado falado de Villaret alterado ao seu modo (foi com ele, disse, que abriu o concerto de há 22 anos), Soldado, Para que quero eu olhos (da tradição coimbrã), Remar, remar (dos (Xutos & pontapés), Cansaço (de Amai, já aí dando novos tons a este belíssimo fado de Amália) e Descalço (que fechava o seu primeiro disco, Notas Sobre a Alma, de 1992).

O encore, com a plateia a aplaudi-lo de pé, fez-se com mais um tema do primeiro disco, Lisboa a namorar (de Rosa Lobato de Faria). Um final efusivo para um espectáculo onde Paulo Bragança nos soube dar, e com novas notas sobre a alma, o melhor de si.


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