Aldina Duarte. "Começar numa casa de fados torna o fadista mais consistente e original"
Entrevistas - Novembro 13, 2019
A comemorar 25 anos de carreira, a fadista Aldina Duarte lança novo disco. “Roubados” é uma homenagem à casa de fados onde a fadista não quer competir com os originais.
“Se queres ser fadista, e uma boa fadista, não tens de ter medo de errar e tens de ser tu”. Este é um dos ensinamentos que Aldina Duarte aprendeu na casa de fados. Foi lá que nasceu e cresceu como fadista. A celebrar 25 anos de carreira, lança agora um disco que presta homenagem a esse legado. Reuniu 12 fados que contam a história deste canto, Património da Humanidade.
Em entrevista à Renascença, diz que se sentiria satisfeita se “Roubados” pusesse mais gente a ouvir fadistas como “Hermínia Silva, Tony de Matos, a Lucília do Carmo”.
Porquê celebrar 25 anos com este disco e com uma homenagem à casa de fados?
O principal objetivo do disco era esse. Se vou celebrar 25 anos, tenho de fazer um tributo à casa de fados porque realmente é aí que o meu fado nasce e cresce. Acho que é fundamental para uma arte de tradição oral, como o fado haver espaços como as casas de fado para continuar no futuro a nascer e crescer no lugar próprio
A Aldina Duarte continua a frequentar a casa de fados, ao mesmo tempo que pisa outros palcos?
No meu caso, sim. Há outras pessoas que não, como é o caso do Camané. A verdade é que independentemente dos caminhos que cada um faça e para onde o fado os levar, eu acredito que começar numa casa de fados torna um fadista mais consistente e mais original. O quotidiano e a rotina é que nos vão formando a personalidade para que consigamos cantar nas mais variadas circunstâncias emocionais. Torna-nos interpretes mais profundos.
São 12 fados os que reúne neste disco. Com eles presta homenagem a cada um dos fadistas que os interpretou no passado. Como foi escolher cada um deles?
Tinha dois caminhos. Um era escolher sucessos dentro dos clássicos, fados que fossem famosos dentro e fora da casa de fados. Exemplo claro, podia ser «As Canoas do Tejo». Mas quando os fados começam a ficar famosos fora da casa de fados, as pessoas na casa de fados também começam a evitá-los.
Porque ficam viciados?
Ficam vincados, viciados e tão batidos que é muito raro ouvir hoje na casa de fado «As Canoas do Tejo». Os fados que saíram porta fora…
Não regressam à casa de fados?
Não, porque estão demasiado vincados e já não é bom para quem está a aprender. Estes não! Estes são os clássicos que são de facto sucesso nas casas de fados. Perduram. E alguns eu tive a oportunidade de os ouvir cantar pelos próprios.
Ficou-lhe essa memória musical?
Sim, não tem pare essa memória e essa aprendizagem. Há uma marca emocional e afetiva.
Com que fadistas, por exemplo?
O «Veio a Saudade» da Beatriz da Conceição é um dos fados que eu ouvi na primeira vez que ouvi fados ao vivo. Foi um dos fados que a Beatriz da Conceição cantou nessa noite. O «Arraial» pelo João Ferreira Rosa, a «Porta Maldita» pela Maria da Fé, enfim. Esses três são fados que ouvi muitas vezes pelos próprios. Quando ouço as gravações que fiz desses fados, têm um impacto diferente em mim. Até mesmo a «Praia de Outono» da Celeste Rodrigues que também tive oportunidade de ouvir. Aí é onde se alia a questão profissional e pessoal, porque eu tenho histórias pessoais muito fortes com essas pessoas. Faz-me falta continuar a aprender com estas pessoas, ouvindo-as.
Mas também cria versões suas destes fados. Como é que adormece essa memória auditiva dos outros fadistas?
A primeira coisa que todas estas pessoas me disseram foi: “Se queres ser fadista, e uma boa fadista, não tens de ter medo de errar e tens de ser tu. No dia em quiseres imitar alguém, nem sequer és fadista. Os fadistas que imitam mentem, e um fadista que mente, não é fadista. O fado não é permeável à mentira”. Claro que durante anos, não os cantei porque não tinha capacidade para os cantar, nem do ponto de vista técnico. Eu não sabia como usar a voz, não tinha musicalidade, nem personalidade suficientemente forte para agarrar essas histórias e para as tornar minhas, muito menos.
Nem na casa de fados?
Nem na casa de fados. Eu comecei por cantar o «Padre Nosso», é o único que canto, por isso é que o desfiz completamente ao ponto de o transformar numa oração fadista, como se estivesse sozinha a cantar que era como eu me sentia no início. Sentia-me sozinha a cantar, não me parecia com ninguém.
Só agora 25 anos depois é que sente que tem essa voz e maturidade para dar corpo a estes fados.
Sim, honestamente, agora sinto. Não me passa pela cabeça competir com os originais. Se me passar, peço aos meus amigos que me internem! Alguma vez me passa pela cabeça competir com um naipe de mestres da história do fado?!
Mas aqui canta alguém que não foi só fadista, porque canta o tema «Vendaval» de Tony de Matos?
Pois é, até porque eu participei na biografia do Tony de Matos à guitarra e à viola. Marcou-me muito! Eu acho que aquele disco de fados do Tony de Matos à guitarra e à viola mostra a grandeza daquele artista. Só vi fazer isso grandes cantores como a Ella Fitzgerald ou o Frank Sinatra. Eles submetem-se à canção para a servir e não para se exibirem. Isso para mim foi a gota de água para venerar o Tony de Matos. Vale a pena ouvi-lo.
Outro dos fados deste “Roubados” e que tem uma versão peculiar é o que canta em dueto com o António Zambujo, o «Rosa Enjeitada» eternizado pela voz de Maria Teresa de Noronha.
É o fado mais desconstruído. Identifico-me com a Maria Teresa de Noronha numa coisa que me dá muita força que é ter sido uma pessoa que fez uma obra só á volta do fado tradicional. A «Rosa Enjeitada» é como aqueles autores com os quais não se concorda, mas que por qualquer razão, a verdade é que ele a põe a pensar. Vai lá sempre, mesmo sabendo que não concorda. É um tema que me gera uma luta e sentimentos muito contraditórios. Ora ouço a história daquela mulher como uma desgraça inadmissível, como se ela estivesse condenada, mas depois de repente também digo, caramba se não fosse este fado, a «Rosa Enjeitada» era completamente invisível!
Gera sentimentos contraditórios?
Gera!
Por isso resolveram fazer esta versão diferente?
Foi. Tirei a segunda parte da letra, porque não gosto e não acho que seja bem construída. Mas gosto muito da primeira parte. Gosto da ideia de ser um tema contado na primeira e terceira pessoa. Achei que era o princípio para fazer um dueto, que a letra fosse para duas vozes e era o caso. Depois disse, como a segunda parte é a que não gosto sobre as mulheres coitadas naquela altura apaixonavam-se e se ele fosse embora ficavam marcadas para toda a vida, fui buscar um homem que fala para ela. E estão ali os dois, taco a taco. Ela assume como é, e ele responde. Acho que consegui que ela ficasse no lugar que ela merece.
Teve a intenção com os fados escolhidos para este disco, fazer uma espécie de história do fado?
Da minha história no fado. Se eu quero fazer um disco de tributo e se acho que a minha personalidade está formada no essencial, deixa-me aproveitar para divulgar. Esta arte vive do testemunho. É uma questão também de justiça. Quem me dera se o resultado deste disco for que mais pessoas vão ouvir a Hermínia Silva, o Tony de Matos ou a Lucília do Carmo…isso é que é a grande vitória deste disco!
Em entrevista à Renascença, diz que se sentiria satisfeita se “Roubados” pusesse mais gente a ouvir fadistas como “Hermínia Silva, Tony de Matos, a Lucília do Carmo”.
Porquê celebrar 25 anos com este disco e com uma homenagem à casa de fados?
O principal objetivo do disco era esse. Se vou celebrar 25 anos, tenho de fazer um tributo à casa de fados porque realmente é aí que o meu fado nasce e cresce. Acho que é fundamental para uma arte de tradição oral, como o fado haver espaços como as casas de fado para continuar no futuro a nascer e crescer no lugar próprio
A Aldina Duarte continua a frequentar a casa de fados, ao mesmo tempo que pisa outros palcos?
No meu caso, sim. Há outras pessoas que não, como é o caso do Camané. A verdade é que independentemente dos caminhos que cada um faça e para onde o fado os levar, eu acredito que começar numa casa de fados torna um fadista mais consistente e mais original. O quotidiano e a rotina é que nos vão formando a personalidade para que consigamos cantar nas mais variadas circunstâncias emocionais. Torna-nos interpretes mais profundos.
São 12 fados os que reúne neste disco. Com eles presta homenagem a cada um dos fadistas que os interpretou no passado. Como foi escolher cada um deles?
Tinha dois caminhos. Um era escolher sucessos dentro dos clássicos, fados que fossem famosos dentro e fora da casa de fados. Exemplo claro, podia ser «As Canoas do Tejo». Mas quando os fados começam a ficar famosos fora da casa de fados, as pessoas na casa de fados também começam a evitá-los.
Porque ficam viciados?
Ficam vincados, viciados e tão batidos que é muito raro ouvir hoje na casa de fado «As Canoas do Tejo». Os fados que saíram porta fora…
Não regressam à casa de fados?
Não, porque estão demasiado vincados e já não é bom para quem está a aprender. Estes não! Estes são os clássicos que são de facto sucesso nas casas de fados. Perduram. E alguns eu tive a oportunidade de os ouvir cantar pelos próprios.
Ficou-lhe essa memória musical?
Sim, não tem pare essa memória e essa aprendizagem. Há uma marca emocional e afetiva.
Com que fadistas, por exemplo?
O «Veio a Saudade» da Beatriz da Conceição é um dos fados que eu ouvi na primeira vez que ouvi fados ao vivo. Foi um dos fados que a Beatriz da Conceição cantou nessa noite. O «Arraial» pelo João Ferreira Rosa, a «Porta Maldita» pela Maria da Fé, enfim. Esses três são fados que ouvi muitas vezes pelos próprios. Quando ouço as gravações que fiz desses fados, têm um impacto diferente em mim. Até mesmo a «Praia de Outono» da Celeste Rodrigues que também tive oportunidade de ouvir. Aí é onde se alia a questão profissional e pessoal, porque eu tenho histórias pessoais muito fortes com essas pessoas. Faz-me falta continuar a aprender com estas pessoas, ouvindo-as.
Mas também cria versões suas destes fados. Como é que adormece essa memória auditiva dos outros fadistas?
A primeira coisa que todas estas pessoas me disseram foi: “Se queres ser fadista, e uma boa fadista, não tens de ter medo de errar e tens de ser tu. No dia em quiseres imitar alguém, nem sequer és fadista. Os fadistas que imitam mentem, e um fadista que mente, não é fadista. O fado não é permeável à mentira”. Claro que durante anos, não os cantei porque não tinha capacidade para os cantar, nem do ponto de vista técnico. Eu não sabia como usar a voz, não tinha musicalidade, nem personalidade suficientemente forte para agarrar essas histórias e para as tornar minhas, muito menos.
Nem na casa de fados?
Nem na casa de fados. Eu comecei por cantar o «Padre Nosso», é o único que canto, por isso é que o desfiz completamente ao ponto de o transformar numa oração fadista, como se estivesse sozinha a cantar que era como eu me sentia no início. Sentia-me sozinha a cantar, não me parecia com ninguém.
Só agora 25 anos depois é que sente que tem essa voz e maturidade para dar corpo a estes fados.
Sim, honestamente, agora sinto. Não me passa pela cabeça competir com os originais. Se me passar, peço aos meus amigos que me internem! Alguma vez me passa pela cabeça competir com um naipe de mestres da história do fado?!
Mas aqui canta alguém que não foi só fadista, porque canta o tema «Vendaval» de Tony de Matos?
Pois é, até porque eu participei na biografia do Tony de Matos à guitarra e à viola. Marcou-me muito! Eu acho que aquele disco de fados do Tony de Matos à guitarra e à viola mostra a grandeza daquele artista. Só vi fazer isso grandes cantores como a Ella Fitzgerald ou o Frank Sinatra. Eles submetem-se à canção para a servir e não para se exibirem. Isso para mim foi a gota de água para venerar o Tony de Matos. Vale a pena ouvi-lo.
Outro dos fados deste “Roubados” e que tem uma versão peculiar é o que canta em dueto com o António Zambujo, o «Rosa Enjeitada» eternizado pela voz de Maria Teresa de Noronha.
É o fado mais desconstruído. Identifico-me com a Maria Teresa de Noronha numa coisa que me dá muita força que é ter sido uma pessoa que fez uma obra só á volta do fado tradicional. A «Rosa Enjeitada» é como aqueles autores com os quais não se concorda, mas que por qualquer razão, a verdade é que ele a põe a pensar. Vai lá sempre, mesmo sabendo que não concorda. É um tema que me gera uma luta e sentimentos muito contraditórios. Ora ouço a história daquela mulher como uma desgraça inadmissível, como se ela estivesse condenada, mas depois de repente também digo, caramba se não fosse este fado, a «Rosa Enjeitada» era completamente invisível!
Gera sentimentos contraditórios?
Gera!
Por isso resolveram fazer esta versão diferente?
Foi. Tirei a segunda parte da letra, porque não gosto e não acho que seja bem construída. Mas gosto muito da primeira parte. Gosto da ideia de ser um tema contado na primeira e terceira pessoa. Achei que era o princípio para fazer um dueto, que a letra fosse para duas vozes e era o caso. Depois disse, como a segunda parte é a que não gosto sobre as mulheres coitadas naquela altura apaixonavam-se e se ele fosse embora ficavam marcadas para toda a vida, fui buscar um homem que fala para ela. E estão ali os dois, taco a taco. Ela assume como é, e ele responde. Acho que consegui que ela ficasse no lugar que ela merece.
Teve a intenção com os fados escolhidos para este disco, fazer uma espécie de história do fado?
Da minha história no fado. Se eu quero fazer um disco de tributo e se acho que a minha personalidade está formada no essencial, deixa-me aproveitar para divulgar. Esta arte vive do testemunho. É uma questão também de justiça. Quem me dera se o resultado deste disco for que mais pessoas vão ouvir a Hermínia Silva, o Tony de Matos ou a Lucília do Carmo…isso é que é a grande vitória deste disco!
Artigos Relacionados
Comentar