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Pedro Jóia: "O Zeca tinha essa sabedoria: fazer música simples."

Interviews - Junho 01, 2020
O novo disco do guitarrista Pedro Jóia é feito das músicas de José Afonso. Chama-se "Zeca".

O tempo de confinamento não impediu que aparecesse muita música nova. Hoje, temos o regresso à edição do Pedro Jóia com um "Zeca". De onde é que vem esta ideia de trabalhar as músicas do Zeca?

A ideia é antiga, mas não a concretizei antes por vicissitudes várias da vida de artista: tournés aqui e concertos além... De forma que organizar as coisas foi sempre um bocadinho mais difícil.

Mas antiga, no sentido de editar mesmo, ou só no sentido de trabalhar as músicas e apresentar?

Num primeiro plano, no sentido de abordá-las sem grande compromisso de edição. Cheguei a tocar algumas - uma ou duas - em concertos, no passado, mas com arranjos diferentes. Mas, de facto, trabalhar de forma sistemática e como um todo, e organizar os arranjos, foi uma coisa mais recente, deste ano.

É difícil escolher temas do Zeca para tratar de forma instrumental?

É muito difícil, porque todos nós - a nossa geração e a geração anterior pelo menos - conhecemos muito bem a música do José Afonso. Faz parte da nossa história musical coletiva. Selecionar dez temas e dizer "vou gravar estes porque estes são os mais representativos para mim na obra dele" ou porque "estes são os que guitarristicamente funcionam melhor para mim" ou porque "são aqueles que têm as melodias mais emblemáticas uma vez que não vou usar as palavras"... Foi um processo difícil. Tive que juntar um pouco dessas três vertentes na escolha dos dez temas.

E as pessoas vão ouvir as músicas interpretadas pelo Pedro Jóia e sentir-se tentadas a cantarolar por cima ou não?

Eu espero que sim. De tal forma que, juntamente com o pessoal - que foi incrível - da Sony, dissemos na altura que seria importante pormos as letras no disco. Foi a Ani Fonseca que me sugeriu, e eu achei muito bem. Acho que fazia todo o sentido Apesar de ser um disco instrumental. As pessoas olham para o disco e sentem-se quase na obrigação de cantar aquela melodia ao vivo. Mas, claro: na música do Zeca, é muito difícil de dissociar a letra da música, porque são canções muito fortes.

É uma música, do ponto de vista do instrumentista, complexa?

Não é. Ou seja, num primeiro plano as melodias são simples e de facto o Zeca tinha essa sabedoria: fazer música simples.

Simples, no sentido de ser orelhuda (n.d.r. que entra facilmente no ouvido)?

Pedro Jóia - Orelhuda, sim. Não digo lógicas. Muitas vezes, não são lógicas. Vão para sítios que nós não esperamos. Mas são de uma engenharia simples, digamos. Depois, o tratamento harmónico que os vários músicos que, ao longo dos anos, trabalharam com ele lhe foram conferindo, já é outra conversa. Às tantas, chegamos a um tipo de arranjo do Zé Mário Branco, depois nos discos de 70, que já é uma complexidade de arranjo, uma coisa já bastante bastante encorpada. Mesmo a música antiga do Zeca - o período de Coimbra, do Rui Pato ou mesmo anterior -, a simplicidade aparente das linhas escondia sempre qualquer coisa mais complexa lá atrás.

Podemos se calhar passar ao concreto. Quais foram as músicas...


Por exemplo, estou a lembrar-me da "Balada do Outono", que, se não me engano, é do ano de 63: é uma melodia das mais emblemáticas dele: "a água das fontes calei, ó ribeira chorei, que eu não volto a cantar". Portanto, a melodia aparentemente é simples, é uma alusão à canção de Coimbra bastante forte. Mas a engenharia não é assim tão simples porque ele divide a melodia em três segmentos diferentes, aparentemente parecidos uns com os outros, mas são diferentes. Isso é o tipo de forma que o Zeca usava muito nas suas canções.

Consegue perceber-se se a música foi composta para sublinhar as palavras? É possível perceber isso?

Engraçado... Eu, de facto, nunca tinha pensado nessa questão, mas é uma questão que se põe sempre ao nível das canções. Eu não sei se o Zeca começava com a música ou com as palavras mas era uma coisa que eu gostava de saber. Hei de perguntar ao Fausto (n.d.r. Fausto Bordalo Dias, colaborou com José Afonso), ou à Zélia (n.d.r. Zélia Afonso, a viúva de José Afonso).

Balada de outono é uma. E mais?


A "Balada de Outono" é uma das mais antigas - cronologicamente - deste disco, tal como "O menino do bairro negro". Mas depois, passei por canções mais recentes como "Venham Mais Cinco", "Traz outro amigo", e também coisas de 70, dos discos gravados em Paris e produzidos pelo Zé Mário, já com uma complexidade diferente. Canções também mais politizadas como "Os vampiros", "A morte saiu à rua", porque o Zeca atesta esta faceta que é indissociável da sua personalidade. Era um homem interventivo socialmente e, é por isso que nós gostamos muito dele.

Não sabemos sequer onde é que é mais justo arrumar: se na canção política de intervenção, se no fado de Coimbra, se na canção tradicional portuguesa.

Mesmo no fado de Coimbra, ele tem uma importância tremenda. O Zeca era tudo isso junto, e ainda bem. Ainda bem que o Zeca reunia num só homem toda essa riqueza.

Estava pronto o disco, antes destes momentos esquisitos que agora vivemos?


Já estava tudo feito. O disco estava completamente feito em janeiro, fevereiro. E ainda tivemos tempo de fazer um programa especial para televisão, pouco antes de isto tudo começar. Em termos de material promocional, conseguimos tudo a tempo e horas.

E agora, mostrá-lo ao vivo?

Vamos ter mais calma. Mas eu acho que as coisas também estão a andar mais depressa do que nós julgamos. Já há certas mudanças. Há 15 dias, as salas tinham que ter uma fila de intervalo e três lugares vazios. Agora já é diferente. Já não há filas de intervalo e já há apenas um lugar. Daqui a pouco, está tudo bem e estamos todos juntos.

Pode sempre fazer um concerto num avião, onde não há limites...

(risos)

O Pedro precisou de muita ajuda para fazer o disco ou esteve sozinho?

Tive a preciosa colaboração o meu grande amigo José Salgueiro, percussionista, meu querido amigo há muitos anos, que inclusive conheceu o Zé Afonso. Tive a preciosa ajuda do Fausto ao incentivar-me para este disco e com quem muito conversei sobre o Zeca. Tive a preciosa ajuda da Zélia, mulher do Zeca, a qual fui pondo sempre a par do que ia gravando, e, portanto, estive sempre bem rodeado por essas pessoas, todas elas muito próximas.

Algumas destas músicas já passavam pelo repertório do Pedro Jóia?


Algumas, sim. "A morte saiu à rua", por exemplo. Eu já toquei noutros tempos, muito pontualmente e com uma abordagem diferente.
TSF


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