Novo fado – o que é isso?
Archive - Dezembro 20, 2021
Há muito que se vem falando num suposto “novo fado”. Talvez já tenha dado a entender na primeira frase qual a minha opinião sobre o assunto. Mas deixem lá ver se consigo explicar-me bem.
Há trinta e poucos anos, quando comecei a cantar, logo ouvi dizer que éramos a “nova geração”, o “novo fado”. Antes de nós, já a chamada geração de 60 o fora…e antes dessa, muitas outras.
De facto, é inegável – e já aqui o disse várias vezes – que a geração de 90 foi profícua em músicos e cantores. Mas será ela responsável pelo que apelidam de “novo fado”? E o que é isso do “novo fado”?
Como canção urbana que é, fruto de variadas influências e constantes mutações, o Fado sempre se foi renovando ao longo dos tempos, ainda que sabendo – e bem – conservar as características únicas que o fizeram ser considerado, precisamente há dez anos, Património Imaterial da Humanidade pela Unesco.
Por isso sempre me fez alguma “espécie” o que se tem vindo a afirmar nos últimos anos, que o que estas últimas gerações têm vindo a fazer é que é o “novo fado”. Para mim (e para muitos outros com quem tenho conversado sobre o tema) o Fado é sempre novo. Como? Porque se renova de cada vez que é (bem) cantado.
Até de Carlos do Carmo li que disse precisamente o mesmo: um fadista que se preze, nunca canta o mesmo tema duas vezes da mesma forma. É assim que deve ser, porque se o Fado é emoção, intuição, se vive do momento…de cada vez que o cantamos, haverá sempre algo de diferente no que sentimos, alguma frase que nesse instante nos diz mais, que mexe connosco. E o mesmo tema, o mesmo poema, pode e deve ser interpretado por diferentes fadistas e músicos de forma diversa. Essa é, aliás, uma das maiores virtudes desta extraordinária forma de expressão musical.
Mas não haverá nada de verdadeiramente novo no Fado? Não terá de facto mudado tanto que alguns o considerem agora diferente, mais atual, mais “moderno”? Naturalmente que sim. Mas talvez não pelas razões que muitos pensarão. Como escreveu Tiago Torres da Silva num tema cantado pela saudosa Celeste Rodrigues para o meu projeto Brincar aos Fados:
“Não é por pôr uma tuba
Acrescentar bateria
Que uma geração derruba
O que outrora se fazia”
Aliás, muito do que agora se considera novo, já antes foi feito. Veja-se o exemplo (óbvio) do constante experimentalismo de Amália Rodrigues, que tanto influenciou – e continuará sempre a influenciar – as novas gerações.
Ou o da querida Maria da Fé, que na década de 60 lançou um álbum chamado “Pop-Fado”, acompanhada de banjo, contrabaixo e bateria (!). Já se fez de tudo um pouco e não são de agora estas supostas “inovações”. Quem disser o contrário ou para si mesmo chamar os louros de uma qualquer inovação, que seja honesto consigo e com os outros e, no mínimo, se vá informar primeiro.
O que existe de novo no Fado é apenas e só o que sempre existiu: novos artistas, novas influências, novas abordagens das eternas temáticas do Fado. O sentimento é o mesmo, as emoções também…a forma como as abordamos, como as comunicamos aos outros é que vai mudando. E isso acontece, como disse acima, todos os dias, em cada canto do mundo onde estão um fadista e seus músicos.
No entanto, temos assistido nos últimos anos a uma viragem quase dramática no Fado, que em muitos casos coloca em risco a sua própria identidade. Não sou avesso – longe disso – a que se experimente, a que se busquem diferentes sonoridades. Mas que seja feito com honestidade.
Ou seja, regressando a Amália, ela que tanto fez de diferente, que nos seus concertos fora do país, num tempo totalmente diferente – e nessa altura, em alguns países que visitava, poucos sabiam sequer onde ficava Portugal – cantava outras músicas, procurando aproximar-se do público e cativá-lo…
E depois havia sempre um momento em que dizia: agora vou cantar a música do meu país, o Fado. E era mesmo Fado que cantava, “pois toda ela era Fado”. Essa coerência, essa honestidade, juntamente com o seu infindável talento, é que fizeram dela uma referência mundial da música. Daí eu afirmar há anos que deverá sempre haver genuinidade e transparência no que se toca e canta…e se não for Fado, que haja coragem de o dizer. Quanto mais não seja para não enganar as pessoas que nos ouvem, que já tão baralhadas estão quanto a esta temática.
O Fado é uma música viva, em constante evolução e mutação. Também há anos que digo (e no outro dia li o meu amigo Camané dizer exactamente o mesmo) que todas as experiências feitas de “dentro para fora”, isto é, tudo quanto for feito pela própria “tribo” do Fado, será sempre bem-vindo. Porque isso significa que é a própria comunidade a sentir essa necessidade.
Mas quando é feito “de fora para dentro” (por agentes, editoras e afins…ou até por outros músicos que pouco ou nada percebem de Fado ou mesmo, em alguns casos, nem dele gostam), de uma maneira geral por motivações meramente economicistas (porque julgam assim poder levar o Fado a palcos maiores e com isso terem mais lucro), já é perverso, falso e fundamentalmente prejudicial ao próprio Fado.
Daí sentir-se que há uma certa perda de identidade, de genuinidade que levam, inevitavelmente, a uma confusão generalizada e, em última instância (como aliás já sucedeu em Itália com a Canzone Napoletana, quase desaparecida) numa diluição nesse limbo musical a que genericamente se chama pop.
Valham-nos, mais uma vez e sempre, as casas de Fado, para mostrar a portugueses e estrangeiros, o que realmente É o Fado.
Termino citando a sempre inteligente acutilância do meu querido Jaime Santos, quando sobre este tema conversávamos à porta do Fado ao Carmo: “Querem inovar? Cantem Fados, porra!”
De facto, é inegável – e já aqui o disse várias vezes – que a geração de 90 foi profícua em músicos e cantores. Mas será ela responsável pelo que apelidam de “novo fado”? E o que é isso do “novo fado”?
Como canção urbana que é, fruto de variadas influências e constantes mutações, o Fado sempre se foi renovando ao longo dos tempos, ainda que sabendo – e bem – conservar as características únicas que o fizeram ser considerado, precisamente há dez anos, Património Imaterial da Humanidade pela Unesco.
Por isso sempre me fez alguma “espécie” o que se tem vindo a afirmar nos últimos anos, que o que estas últimas gerações têm vindo a fazer é que é o “novo fado”. Para mim (e para muitos outros com quem tenho conversado sobre o tema) o Fado é sempre novo. Como? Porque se renova de cada vez que é (bem) cantado.
Até de Carlos do Carmo li que disse precisamente o mesmo: um fadista que se preze, nunca canta o mesmo tema duas vezes da mesma forma. É assim que deve ser, porque se o Fado é emoção, intuição, se vive do momento…de cada vez que o cantamos, haverá sempre algo de diferente no que sentimos, alguma frase que nesse instante nos diz mais, que mexe connosco. E o mesmo tema, o mesmo poema, pode e deve ser interpretado por diferentes fadistas e músicos de forma diversa. Essa é, aliás, uma das maiores virtudes desta extraordinária forma de expressão musical.
Mas não haverá nada de verdadeiramente novo no Fado? Não terá de facto mudado tanto que alguns o considerem agora diferente, mais atual, mais “moderno”? Naturalmente que sim. Mas talvez não pelas razões que muitos pensarão. Como escreveu Tiago Torres da Silva num tema cantado pela saudosa Celeste Rodrigues para o meu projeto Brincar aos Fados:
“Não é por pôr uma tuba
Acrescentar bateria
Que uma geração derruba
O que outrora se fazia”
Aliás, muito do que agora se considera novo, já antes foi feito. Veja-se o exemplo (óbvio) do constante experimentalismo de Amália Rodrigues, que tanto influenciou – e continuará sempre a influenciar – as novas gerações.
Ou o da querida Maria da Fé, que na década de 60 lançou um álbum chamado “Pop-Fado”, acompanhada de banjo, contrabaixo e bateria (!). Já se fez de tudo um pouco e não são de agora estas supostas “inovações”. Quem disser o contrário ou para si mesmo chamar os louros de uma qualquer inovação, que seja honesto consigo e com os outros e, no mínimo, se vá informar primeiro.
O que existe de novo no Fado é apenas e só o que sempre existiu: novos artistas, novas influências, novas abordagens das eternas temáticas do Fado. O sentimento é o mesmo, as emoções também…a forma como as abordamos, como as comunicamos aos outros é que vai mudando. E isso acontece, como disse acima, todos os dias, em cada canto do mundo onde estão um fadista e seus músicos.
No entanto, temos assistido nos últimos anos a uma viragem quase dramática no Fado, que em muitos casos coloca em risco a sua própria identidade. Não sou avesso – longe disso – a que se experimente, a que se busquem diferentes sonoridades. Mas que seja feito com honestidade.
Ou seja, regressando a Amália, ela que tanto fez de diferente, que nos seus concertos fora do país, num tempo totalmente diferente – e nessa altura, em alguns países que visitava, poucos sabiam sequer onde ficava Portugal – cantava outras músicas, procurando aproximar-se do público e cativá-lo…
E depois havia sempre um momento em que dizia: agora vou cantar a música do meu país, o Fado. E era mesmo Fado que cantava, “pois toda ela era Fado”. Essa coerência, essa honestidade, juntamente com o seu infindável talento, é que fizeram dela uma referência mundial da música. Daí eu afirmar há anos que deverá sempre haver genuinidade e transparência no que se toca e canta…e se não for Fado, que haja coragem de o dizer. Quanto mais não seja para não enganar as pessoas que nos ouvem, que já tão baralhadas estão quanto a esta temática.
O Fado é uma música viva, em constante evolução e mutação. Também há anos que digo (e no outro dia li o meu amigo Camané dizer exactamente o mesmo) que todas as experiências feitas de “dentro para fora”, isto é, tudo quanto for feito pela própria “tribo” do Fado, será sempre bem-vindo. Porque isso significa que é a própria comunidade a sentir essa necessidade.
Mas quando é feito “de fora para dentro” (por agentes, editoras e afins…ou até por outros músicos que pouco ou nada percebem de Fado ou mesmo, em alguns casos, nem dele gostam), de uma maneira geral por motivações meramente economicistas (porque julgam assim poder levar o Fado a palcos maiores e com isso terem mais lucro), já é perverso, falso e fundamentalmente prejudicial ao próprio Fado.
Daí sentir-se que há uma certa perda de identidade, de genuinidade que levam, inevitavelmente, a uma confusão generalizada e, em última instância (como aliás já sucedeu em Itália com a Canzone Napoletana, quase desaparecida) numa diluição nesse limbo musical a que genericamente se chama pop.
Valham-nos, mais uma vez e sempre, as casas de Fado, para mostrar a portugueses e estrangeiros, o que realmente É o Fado.
Termino citando a sempre inteligente acutilância do meu querido Jaime Santos, quando sobre este tema conversávamos à porta do Fado ao Carmo: “Querem inovar? Cantem Fados, porra!”
Rodrigo Costa Félix
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