Carlos Leitão: "Simples é o meu melhor disco"
Entrevistas - Fevereiro 24, 2022
Carlos Leitão lança "Simples", o quarto disco do fadista lisboeta com alma alenteja, que será
editado amanhã 25 de Fevereiro.
O disco conta com 10 letras da sua autoria e uma de Tiago Torres da Silva. Conta ainda com composições de Paulo de Carvalho, António Zambujo e João Filipe.
A ideia vinha a ganhar consistência com os anos, ser simples é coisa difícil e dá trabalho, e acho que todo o contexto pandémico me reforçou ainda mais as convicções estéticas que tenho relativamente ao fado, ainda que o nome “Simples” me ocorresse curiosamente um mês antes da pandemia, num voo para Lisboa. Quis que assim fosse, desde o acompanhamento musical à concepção gráfica, e a verdade é que este é o meu melhor disco, talvez por tudo isso.
Quase todos os temas, excepto um [letra de Tiago Torres da Silva], contam com letra da tua autoria. É mais fácil, enquanto intérprete, cantares aquilo que escreves?
Não creio ser uma questão de facilidade, mas antes de maior genuinidade para unir todas linhas com que me coso, ainda que a escrita do Tiago me agrade muitíssimo, daí não ser inédita esta colaboração num disco meu. Escrevo, musico e canto há muitos anos, e é difícil alguém conhecer-me melhor do que eu próprio, mas é um processo que pode ser muito duro porque abrem-se portas indesejáveis, muitas vezes.
Os nomes dos temas são também eles muito simples. Em termos de desafio, o que foi menos simples neste disco?
Ser simples. Esse é cada vez mais um dos maiores desafios da minha vida, e não apenas da profissional. Quando se consegue ser simples na música, o resultado é balsâmico.
No prelúdio que assinas no disco, referes que ser simples “é a coisa mais difícil que existe”, mas “também a mais bela de todas as coisas”. Enquanto artista, sentes que já tens a maturidade de simplificar tudo sem receio?
Acho que o risco maior é mesmo não simplificar. Sempre gostei que os meus temas crescessem a partir da génese, e isso aconteceu sempre entre mim e uma viola. No fado, por ser uma música geneticamente simples, tendemos muitas vezes a engalaná-lo e a acrescentar-lhe berloques, sem que com isso a coisa saia necessariamente beneficiada. Mais do que maturidade, é uma questão de estética, e eu gosto de ser fiel à minha. Com a idade, o que se perde em receio, ganha-se em convicção.
Sendo tu um lisboeta com alma alentejana, o primeiro tema deste disco [A Praça] relembra a memória da Praça principal de Arraiolos. O Alentejo continua a ser essencial para a tua felicidade?
O Alentejo é determinante em tudo aquilo que sou, até pela sua própria simplicidade, regula-me.
[A Rua]: No enquadramento que fazes sobre este tema, recuas à tua infância. O que é que ainda existe desse miúdo, no homem em que te tornaste?
A boa educação com que me moldaram o crescimento, o exacto valor da camaradagem e da partilha. E, apesar de tudo, ainda existe o miúdo, e faço questão que “esse” não cresça.
[A saudade]: Neste tema falas na tua “verdade romântica sobre a saudade” e que ela “nos domina e condiciona”. Qual a tua relação com a saudade e como foi sendo construída?
Uma vez, numa entrevista de rádio, ouvi a Maria Teresa Horta dizer que “a saudade é o desejo da presença”, e eu gosto de a pensar assim. Existe sempre, na alegria e na doença, é um casamento que tem os seus dias felizes e outros nem tanto. Entre o choro e o riso, temo-nos dado relativamente bem, gosto de a desejar utopicamente na presença de quem já não está, muito mais do que a lamentar nas partidas.
[A Lisboa]: Aqui aborda-se a capital numa vertente entre o passado e o futuro. Como analisas a actual Lisboa e o papel que o fado tem nela?
Lisboa é uma cidade única e o fado é uma das mais apaixonantes músicas do mundo, seria uma pena que não aproveitássemos essa sinergia e não a oferecêssemos em salva de prata a quem nos visita. Nesse campo, as casas de fado têm um papel fundamental. No Clube de Fado, onde trabalho, a aposta é cada vez maior nesse sentido, proporcionar uma experiência de qualidade entre a cidade, o fado e claro, a gastronomia por forma a que se torne inesquecível. Não deturpando a raiz, está meio caminho feito.
[O Biltre]: O tema que mais me surpreendeu e divertiu. De toda a tua discografia, este pode ser considerado o tema mais divertido?
Acho que sim. Todos nós conhecemos um biltre (e se for só um, já não é nada mau!), escrevi esta letra a sorrir, imaginando os tantos mariolas alpinistas que por aí andam. Soube-me bem descrevê-los com boa disposição, através de trocadilhos e da ironia, é sempre melhor tratar um biltre de forma respeitosa, até por uma questão de pedagogia. Ainda por cima, o Paulo de Carvalho aceitou o convite e cantámo-lo juntos.
Terminas o disco com uma dedicatória a Beatriz da Conceição [À Bia]. Se tivesses de descrevê-la como fadista, o que mais destacarias?
A autenticidade e o repertório tornaram-na numa das maiores referências de sempre para tanta gente, e isso é difícil de se alcançar. A letra do Tiago Torres da Silva e a música do Paulo de Carvalho sugeriram-me um ambiente tertuliante, simples, partilhado, e foi assim que o trabalhámos convocando toda a gente que participou no disco para cantar comigo. É especial.
Entretanto, tens já marcado o concerto de apresentação do disco. Em termos daquilo que será o espectáculo ao vivo, quais as grandes mudanças, para o que vinhas fazendo?
Será o prolongamento do que fizemos no disco, dar primazia à palavra e deixar que o acompanhamento musical seja o suporte das viagens que fizermos juntos, no palco e na plateia. Com este disco, volto a assumir a viola em alguns temas que me sejam mais intimistas, mas talvez o melhor seja as pessoas aceitarem o convite e irem no dia 15 de Março, pelas 21h ao Teatro Maria Matos, em Lisboa. Partimos juntos na viagem e logo se vê onde ela nos leva.
Para terminar, o que mudou em ti depois destes dois anos de pandemia?
Ando a ver se me descomplico e a tentar que não me moam muito, para isso bem bastam estes dois anos.
Pegando no nome do disco, “Simples”, pergunto se foi fácil concretizar este disco e se a ideia esteve logo definida naquilo que querias para o teu quarto disco a solo?
A ideia vinha a ganhar consistência com os anos, ser simples é coisa difícil e dá trabalho, e acho que todo o contexto pandémico me reforçou ainda mais as convicções estéticas que tenho relativamente ao fado, ainda que o nome “Simples” me ocorresse curiosamente um mês antes da pandemia, num voo para Lisboa. Quis que assim fosse, desde o acompanhamento musical à concepção gráfica, e a verdade é que este é o meu melhor disco, talvez por tudo isso.
Quase todos os temas, excepto um [letra de Tiago Torres da Silva], contam com letra da tua autoria. É mais fácil, enquanto intérprete, cantares aquilo que escreves?
Não creio ser uma questão de facilidade, mas antes de maior genuinidade para unir todas linhas com que me coso, ainda que a escrita do Tiago me agrade muitíssimo, daí não ser inédita esta colaboração num disco meu. Escrevo, musico e canto há muitos anos, e é difícil alguém conhecer-me melhor do que eu próprio, mas é um processo que pode ser muito duro porque abrem-se portas indesejáveis, muitas vezes.
Os nomes dos temas são também eles muito simples. Em termos de desafio, o que foi menos simples neste disco?
Ser simples. Esse é cada vez mais um dos maiores desafios da minha vida, e não apenas da profissional. Quando se consegue ser simples na música, o resultado é balsâmico.
No prelúdio que assinas no disco, referes que ser simples “é a coisa mais difícil que existe”, mas “também a mais bela de todas as coisas”. Enquanto artista, sentes que já tens a maturidade de simplificar tudo sem receio?
Acho que o risco maior é mesmo não simplificar. Sempre gostei que os meus temas crescessem a partir da génese, e isso aconteceu sempre entre mim e uma viola. No fado, por ser uma música geneticamente simples, tendemos muitas vezes a engalaná-lo e a acrescentar-lhe berloques, sem que com isso a coisa saia necessariamente beneficiada. Mais do que maturidade, é uma questão de estética, e eu gosto de ser fiel à minha. Com a idade, o que se perde em receio, ganha-se em convicção.
Sendo tu um lisboeta com alma alentejana, o primeiro tema deste disco [A Praça] relembra a memória da Praça principal de Arraiolos. O Alentejo continua a ser essencial para a tua felicidade?
O Alentejo é determinante em tudo aquilo que sou, até pela sua própria simplicidade, regula-me.
[A Rua]: No enquadramento que fazes sobre este tema, recuas à tua infância. O que é que ainda existe desse miúdo, no homem em que te tornaste?
A boa educação com que me moldaram o crescimento, o exacto valor da camaradagem e da partilha. E, apesar de tudo, ainda existe o miúdo, e faço questão que “esse” não cresça.
[A saudade]: Neste tema falas na tua “verdade romântica sobre a saudade” e que ela “nos domina e condiciona”. Qual a tua relação com a saudade e como foi sendo construída?
Uma vez, numa entrevista de rádio, ouvi a Maria Teresa Horta dizer que “a saudade é o desejo da presença”, e eu gosto de a pensar assim. Existe sempre, na alegria e na doença, é um casamento que tem os seus dias felizes e outros nem tanto. Entre o choro e o riso, temo-nos dado relativamente bem, gosto de a desejar utopicamente na presença de quem já não está, muito mais do que a lamentar nas partidas.
[A Lisboa]: Aqui aborda-se a capital numa vertente entre o passado e o futuro. Como analisas a actual Lisboa e o papel que o fado tem nela?
Lisboa é uma cidade única e o fado é uma das mais apaixonantes músicas do mundo, seria uma pena que não aproveitássemos essa sinergia e não a oferecêssemos em salva de prata a quem nos visita. Nesse campo, as casas de fado têm um papel fundamental. No Clube de Fado, onde trabalho, a aposta é cada vez maior nesse sentido, proporcionar uma experiência de qualidade entre a cidade, o fado e claro, a gastronomia por forma a que se torne inesquecível. Não deturpando a raiz, está meio caminho feito.
[O Biltre]: O tema que mais me surpreendeu e divertiu. De toda a tua discografia, este pode ser considerado o tema mais divertido?
Acho que sim. Todos nós conhecemos um biltre (e se for só um, já não é nada mau!), escrevi esta letra a sorrir, imaginando os tantos mariolas alpinistas que por aí andam. Soube-me bem descrevê-los com boa disposição, através de trocadilhos e da ironia, é sempre melhor tratar um biltre de forma respeitosa, até por uma questão de pedagogia. Ainda por cima, o Paulo de Carvalho aceitou o convite e cantámo-lo juntos.
Terminas o disco com uma dedicatória a Beatriz da Conceição [À Bia]. Se tivesses de descrevê-la como fadista, o que mais destacarias?
A autenticidade e o repertório tornaram-na numa das maiores referências de sempre para tanta gente, e isso é difícil de se alcançar. A letra do Tiago Torres da Silva e a música do Paulo de Carvalho sugeriram-me um ambiente tertuliante, simples, partilhado, e foi assim que o trabalhámos convocando toda a gente que participou no disco para cantar comigo. É especial.
Entretanto, tens já marcado o concerto de apresentação do disco. Em termos daquilo que será o espectáculo ao vivo, quais as grandes mudanças, para o que vinhas fazendo?
Será o prolongamento do que fizemos no disco, dar primazia à palavra e deixar que o acompanhamento musical seja o suporte das viagens que fizermos juntos, no palco e na plateia. Com este disco, volto a assumir a viola em alguns temas que me sejam mais intimistas, mas talvez o melhor seja as pessoas aceitarem o convite e irem no dia 15 de Março, pelas 21h ao Teatro Maria Matos, em Lisboa. Partimos juntos na viagem e logo se vê onde ela nos leva.
Para terminar, o que mudou em ti depois destes dois anos de pandemia?
Ando a ver se me descomplico e a tentar que não me moam muito, para isso bem bastam estes dois anos.
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