Ricardo Ribeiro: "Andamos à procura de conquistar o céu, mas ainda não ganhamos a terra"
Entrevistas - Outubro 30, 2023
“Terra Que Vale O Céu” é o novo disco do fadista Ricardo Ribeiro. Aos 42 anos, e depois de ter sido pai, o fadista regressa à essência do Fado.
Diz que o Fado é como se fosse mais um membro do seu corpo. Quando canta, vem tudo de dentro. E isso está em todos os 14 fados novos que gravou em “Terra Que Vale o Céu”.
No seu novo disco, Ricardo Ribeiro também escreveu músicas e rodeou-se de muitos amigos para as letras e composições. Carminho, Fernando Tordo, Nuno Júdice, Amélia Muge ou Maria do Rosário Pedreira também assinam este álbum.
O fadista que confessa gostar de restaurar móveis e que admite que ao ler poemas, por vezes, a música assalta-lhe a cabeça, fala também da dimensão mediterrânica da sua música. Em entrevista à Renascença, diz que o entristece ver o drama que se passa no Mar Mediterrâneo
Este disco, “Terra Que Vale o Céu” é um regresso ao fado? No disco anterior, “Respeitosa Mente”, de 2019 fizeste outro tipo de incursões. Sentiste o chamamento do fado?
O Fado é como se fosse mais um membro do meu corpo. É como se tivesse mais que um nariz, ou mais um braço. Apesar de ter parecido, quando gravei o “Respeitosa Mente”, há 4 anos, que não havia Fado ou que não era Fado, não! Era um disco declaradamente de Fado.
Mas, perdoa-me a minha prepotência e arrogância, eu acho que tudo aquilo que faço sabe a fado, e, portanto, é uma coisa que já vem de muito pequeno. Claro que agora foi o momento ideal, e o tempo oportuno para gravar um disco assim.
O que é que o nome “Terra Que Vale a Céu” diz sobre este disco? Diz muito este momento do teu percurso de vida?
Sim. “Terra Que Vale o Céu” tem muito a ver, porque andamos sempre muito à procura daquilo que está no céu, e andamos sempre muito à procura de conquistar o céu, mas ainda não ganhamos a terra.
Aí não concordo com o grande poeta Luís de Macedo, que diz que querer a terra é ter falhado o céu. Eu, primeiro quero ganhar a terra, para depois conquistar o céu. E é ganhar a terra, mas nas questões mais prementes da Humanidade. No fundo é a concórdia, a fraternidade entre os homens e a tolerância.
Eu, às vezes, tenho um bocadinho de receio da palavra tolerância, porque pode dar oportunidade à superioridade. Eu prefiro dizer a palavra “aceitar”. Aceitar o outro como ele é, na sua essência.
Quando começas a escavar a terra do teu peito, começas a encontrar as coisas que são verdadeiramente importantes dentro do ser humano. É ser cada vez mais Homem e menos animal, menos egocêntrico, menos territorial.
É isso que te interessa nesta fase da tua carreira?
Eu acho que é sempre isso que me interessa. Até morrer vai-me interessar isso. Acho que me interessa tudo aquilo que esteja relacionado com a existência da vida
Sobre este disco, Rui Vieira Nery diz que fala de “um fado novo que sabe antigo”. Como explicas esta duplicidade de modernidade e herança?
Não sei muito bem explicar. É uma coisa que tem muito a ver com o que se passa dentro de mim. Não sei muito bem explicar. Acho que a arte não necessita ser explicada.
Eu ouço música muito variada e há muita coisa que me influencia. Por exemplo, eu tenho um hobby que é recuperar peças de mobiliário, ou peças que acho bonitas, mas estão degradadas. Gosto de fazer restauros. E é exatamente isso, porque tenho esses interesses.
Musicalmente tenho interesses dos mais variados. Claro, que muitos são ligados ao Mediterrâneo e ao Oriente, desde a música sefardita, à música árabe ou à música grega.
Estes interesses também influenciam o disco que é muito ligado ao Mediterrâneo. Daí, talvez, seja que o Rui teve a gentileza de dizer essa frase bonita, porque é efetivamente sendo antigo é novo. Estou muito ciente da minha época.
No disco contas com muitos amigos, muitos cúmplices na composição e escrita das letras. Vais buscar os poetas, como o Nuno Júdice, a Maria do Rosário Pedreira, mas tens também muitos companheiros do Fado. Quem é este bando de cúmplices?
É muita gente que admiro, e que me conhece. É muito mais fácil quando conheces, quando as pessoas te conhecem, escrever e compor de uma forma que se coaduna com a minha sensibilidade
Torna-se mais verdadeiro o fado?
Exatamente. Não quer dizer que eu cantar Gil Vicente com uma música do Alain Oulmain não o seja, mas é a questão que eu contei histórias a cada um deles, e eles, cada um, fez o seu tema. Depois houve outros que não ficaram, porque não era o seu momento.
Por exemplo, um tema do Artur Pinheiro que eu já tinha guardado há muito tempo, chegou agora o momento. O próprio tema deu-me a oportunidade de o cantar. Até aqui, não me tinha dado essa oportunidade. Isto pode ser uma coisa meia louca, mas há coisas que nós não possuímos, são elas que nos possuem. Na música, isso é o prato do dia.
Depois há estes amigos todos, desde o Francisco Guimarães à Amélia Muge de quem eu nunca tinha cantado nada. Já o Fernando Tordo somos grandes amigos. Ele escreveu-me três cantigas para mim. Eu faço delas o que quero, e gravei esta. As outras canto ao vivo. Esta é a relação com os poetas.
Tem a ver também com as tuas leituras?
Sim, eu leio muito. Apesar de agora estar a fazer um estudo para mim, uma coisa muito minha, sobre o António Telmo, Leonardo Coimbra e o Álvaro Ribeiro. São três filósofos da Filosofia portuguesa e que, nomeadamente o Álvaro Ribeiro, é um indivíduo que eu gosto particularmente.
Deixa-me fazer um pequeno reparo. No disco, não está um poema, mas está no booklet do disco que é um poema do que o Manuel Alegre muito gentilmente fez para mim.
Não é para cantar o poema. Chama-se Ricardo Ribeiro. É como ele me define, e, tem uma parte que diz a ele que sou o “tronco negro do Faraó”, ou seja, é a minha voz que tem a ver com o tronco negro do Faraó.
Lá está, nós somos um país do Atlântico, mas somos um povo puramente mediterrânico. E eu tenho sempre mais os olhos postos no Mediterrâneo, e no Oriente. Esse Oriente, como diz o Fernando Pessoa, lá do Oriente, de onde vem Deus.
Mas esse Mar Mediterrâneo, hoje em dia tem sido também palco de muita tragédia humana. Isso angustia-te?
A tragédia tem acompanhado a Humanidade. É importante tudo, e o seu oposto. A vida dá-se por contrastes. Nós só conhecemos o resistente, porque há o mole. E vice-versa.
No mundo tem de haver destruição, para haver criação, e, portanto, faz parte do ciclo natural. Só não faz parte do ciclo natural a forma como o Homem emprega isso, e como abusa disso para com o seu semelhante. Enquanto um homem quiser dominar outro homem, nunca haverá paz.
Voltemos a este disco “Terra Que Vale O Céu”. É álbum em que também puseste “a mão na massa”, não só dás a voz, mas também escreveste algumas músicas. O que achas que trazes com essa parte da composição ao disco?
Não sei. Não gosto muito de avaliar ou julgar isso como triunfo e derrota. São dois impostores! E são consequências daquilo que fazemos.
Eu para mim o importante, é aquilo que faço, e não a consequência do que faço. Isto pode parecer “papo para boi dormir” como se costuma dizer, mas não é.
Eu sou mesmo assim, naturalmente e dou provas disso por atos, não por palavras.
O produtor musical deste disco, o Carlos Manuel Proença, a quem serei eternamente grato, está sempre a instigar-me para gravar, porque acha bonito.
Não sou compositor, sou apenas um curioso, mas eles disseram, não tires a música, porque isso tem tudo a ver, e é muito bonito, e, portanto, fiz essas canções, e elas aí estão. Perdi o medo? Sim!
Compões à guitarra? Como é esse processo de laboratório?
Maioritariamente compunha à guitarra, ou, às vezes quando vejo um poema, por exemplo, o poema do António Boto, quando o vi, comecei a ler, li duas outras vezes e a música apareceu rapidamente na cabeça. Depois voltei para casa e peguei na guitarra e ficou feito, em menos de nada.
Agora este disco fará o seu caminho, tens concertos? O que é que tens planeado para levar este disco ao teu público?
Agora, a qualquer momento eu toco este disco. Aonde quer que vá, vou cantar este disco, e, depois, dia 11 de abril do próximo ano, será o concerto no Centro Cultural de Belém.
Entretanto, tenho alguns concertos, em Espinho, mas há um concerto que gostava também de falar que não tem a ver com este disco, mas que é comigo, o Camané, o Mário Laginha e o João Paulo Esteves da Silva. Vamos estar no Coliseu de Lisboa, no próximo dia 22 de dezembro.
É um concerto que a mim me traz muito entusiasmado. Estou muito contente, por estar com estas três pessoas. Para mim é extraordinário. Dois dos pianistas que mais admiro e o fadista que eu mais admiro. Portanto, é um motivo de grande satisfação.
Já estão a ensaiar e a pensar o que irão fazer?
Já! E temos até música original!
No seu novo disco, Ricardo Ribeiro também escreveu músicas e rodeou-se de muitos amigos para as letras e composições. Carminho, Fernando Tordo, Nuno Júdice, Amélia Muge ou Maria do Rosário Pedreira também assinam este álbum.
O fadista que confessa gostar de restaurar móveis e que admite que ao ler poemas, por vezes, a música assalta-lhe a cabeça, fala também da dimensão mediterrânica da sua música. Em entrevista à Renascença, diz que o entristece ver o drama que se passa no Mar Mediterrâneo
Este disco, “Terra Que Vale o Céu” é um regresso ao fado? No disco anterior, “Respeitosa Mente”, de 2019 fizeste outro tipo de incursões. Sentiste o chamamento do fado?
O Fado é como se fosse mais um membro do meu corpo. É como se tivesse mais que um nariz, ou mais um braço. Apesar de ter parecido, quando gravei o “Respeitosa Mente”, há 4 anos, que não havia Fado ou que não era Fado, não! Era um disco declaradamente de Fado.
Mas, perdoa-me a minha prepotência e arrogância, eu acho que tudo aquilo que faço sabe a fado, e, portanto, é uma coisa que já vem de muito pequeno. Claro que agora foi o momento ideal, e o tempo oportuno para gravar um disco assim.
O que é que o nome “Terra Que Vale a Céu” diz sobre este disco? Diz muito este momento do teu percurso de vida?
Sim. “Terra Que Vale o Céu” tem muito a ver, porque andamos sempre muito à procura daquilo que está no céu, e andamos sempre muito à procura de conquistar o céu, mas ainda não ganhamos a terra.
Aí não concordo com o grande poeta Luís de Macedo, que diz que querer a terra é ter falhado o céu. Eu, primeiro quero ganhar a terra, para depois conquistar o céu. E é ganhar a terra, mas nas questões mais prementes da Humanidade. No fundo é a concórdia, a fraternidade entre os homens e a tolerância.
Eu, às vezes, tenho um bocadinho de receio da palavra tolerância, porque pode dar oportunidade à superioridade. Eu prefiro dizer a palavra “aceitar”. Aceitar o outro como ele é, na sua essência.
Quando começas a escavar a terra do teu peito, começas a encontrar as coisas que são verdadeiramente importantes dentro do ser humano. É ser cada vez mais Homem e menos animal, menos egocêntrico, menos territorial.
É isso que te interessa nesta fase da tua carreira?
Eu acho que é sempre isso que me interessa. Até morrer vai-me interessar isso. Acho que me interessa tudo aquilo que esteja relacionado com a existência da vida
Sobre este disco, Rui Vieira Nery diz que fala de “um fado novo que sabe antigo”. Como explicas esta duplicidade de modernidade e herança?
Não sei muito bem explicar. É uma coisa que tem muito a ver com o que se passa dentro de mim. Não sei muito bem explicar. Acho que a arte não necessita ser explicada.
Eu ouço música muito variada e há muita coisa que me influencia. Por exemplo, eu tenho um hobby que é recuperar peças de mobiliário, ou peças que acho bonitas, mas estão degradadas. Gosto de fazer restauros. E é exatamente isso, porque tenho esses interesses.
Musicalmente tenho interesses dos mais variados. Claro, que muitos são ligados ao Mediterrâneo e ao Oriente, desde a música sefardita, à música árabe ou à música grega.
Estes interesses também influenciam o disco que é muito ligado ao Mediterrâneo. Daí, talvez, seja que o Rui teve a gentileza de dizer essa frase bonita, porque é efetivamente sendo antigo é novo. Estou muito ciente da minha época.
No disco contas com muitos amigos, muitos cúmplices na composição e escrita das letras. Vais buscar os poetas, como o Nuno Júdice, a Maria do Rosário Pedreira, mas tens também muitos companheiros do Fado. Quem é este bando de cúmplices?
É muita gente que admiro, e que me conhece. É muito mais fácil quando conheces, quando as pessoas te conhecem, escrever e compor de uma forma que se coaduna com a minha sensibilidade
Torna-se mais verdadeiro o fado?
Exatamente. Não quer dizer que eu cantar Gil Vicente com uma música do Alain Oulmain não o seja, mas é a questão que eu contei histórias a cada um deles, e eles, cada um, fez o seu tema. Depois houve outros que não ficaram, porque não era o seu momento.
Por exemplo, um tema do Artur Pinheiro que eu já tinha guardado há muito tempo, chegou agora o momento. O próprio tema deu-me a oportunidade de o cantar. Até aqui, não me tinha dado essa oportunidade. Isto pode ser uma coisa meia louca, mas há coisas que nós não possuímos, são elas que nos possuem. Na música, isso é o prato do dia.
Depois há estes amigos todos, desde o Francisco Guimarães à Amélia Muge de quem eu nunca tinha cantado nada. Já o Fernando Tordo somos grandes amigos. Ele escreveu-me três cantigas para mim. Eu faço delas o que quero, e gravei esta. As outras canto ao vivo. Esta é a relação com os poetas.
Tem a ver também com as tuas leituras?
Sim, eu leio muito. Apesar de agora estar a fazer um estudo para mim, uma coisa muito minha, sobre o António Telmo, Leonardo Coimbra e o Álvaro Ribeiro. São três filósofos da Filosofia portuguesa e que, nomeadamente o Álvaro Ribeiro, é um indivíduo que eu gosto particularmente.
Deixa-me fazer um pequeno reparo. No disco, não está um poema, mas está no booklet do disco que é um poema do que o Manuel Alegre muito gentilmente fez para mim.
Não é para cantar o poema. Chama-se Ricardo Ribeiro. É como ele me define, e, tem uma parte que diz a ele que sou o “tronco negro do Faraó”, ou seja, é a minha voz que tem a ver com o tronco negro do Faraó.
Lá está, nós somos um país do Atlântico, mas somos um povo puramente mediterrânico. E eu tenho sempre mais os olhos postos no Mediterrâneo, e no Oriente. Esse Oriente, como diz o Fernando Pessoa, lá do Oriente, de onde vem Deus.
Mas esse Mar Mediterrâneo, hoje em dia tem sido também palco de muita tragédia humana. Isso angustia-te?
A tragédia tem acompanhado a Humanidade. É importante tudo, e o seu oposto. A vida dá-se por contrastes. Nós só conhecemos o resistente, porque há o mole. E vice-versa.
No mundo tem de haver destruição, para haver criação, e, portanto, faz parte do ciclo natural. Só não faz parte do ciclo natural a forma como o Homem emprega isso, e como abusa disso para com o seu semelhante. Enquanto um homem quiser dominar outro homem, nunca haverá paz.
Voltemos a este disco “Terra Que Vale O Céu”. É álbum em que também puseste “a mão na massa”, não só dás a voz, mas também escreveste algumas músicas. O que achas que trazes com essa parte da composição ao disco?
Não sei. Não gosto muito de avaliar ou julgar isso como triunfo e derrota. São dois impostores! E são consequências daquilo que fazemos.
Eu para mim o importante, é aquilo que faço, e não a consequência do que faço. Isto pode parecer “papo para boi dormir” como se costuma dizer, mas não é.
Eu sou mesmo assim, naturalmente e dou provas disso por atos, não por palavras.
O produtor musical deste disco, o Carlos Manuel Proença, a quem serei eternamente grato, está sempre a instigar-me para gravar, porque acha bonito.
Não sou compositor, sou apenas um curioso, mas eles disseram, não tires a música, porque isso tem tudo a ver, e é muito bonito, e, portanto, fiz essas canções, e elas aí estão. Perdi o medo? Sim!
Compões à guitarra? Como é esse processo de laboratório?
Maioritariamente compunha à guitarra, ou, às vezes quando vejo um poema, por exemplo, o poema do António Boto, quando o vi, comecei a ler, li duas outras vezes e a música apareceu rapidamente na cabeça. Depois voltei para casa e peguei na guitarra e ficou feito, em menos de nada.
Agora este disco fará o seu caminho, tens concertos? O que é que tens planeado para levar este disco ao teu público?
Agora, a qualquer momento eu toco este disco. Aonde quer que vá, vou cantar este disco, e, depois, dia 11 de abril do próximo ano, será o concerto no Centro Cultural de Belém.
Entretanto, tenho alguns concertos, em Espinho, mas há um concerto que gostava também de falar que não tem a ver com este disco, mas que é comigo, o Camané, o Mário Laginha e o João Paulo Esteves da Silva. Vamos estar no Coliseu de Lisboa, no próximo dia 22 de dezembro.
É um concerto que a mim me traz muito entusiasmado. Estou muito contente, por estar com estas três pessoas. Para mim é extraordinário. Dois dos pianistas que mais admiro e o fadista que eu mais admiro. Portanto, é um motivo de grande satisfação.
Já estão a ensaiar e a pensar o que irão fazer?
Já! E temos até música original!
Artigos Relacionados
Comentar