Origem e estrutura do Fado
History of Fado - Setembro 14, 2021
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Quanto à pretensa responsabilidade árabe ou moura na génese do fado, carece, com efeito, de fundamento, apesar do crédito que lhe deram alguns autores, entre eles Teófilo Braga (2) e mais modernamente Mascarenhas Barreto (3) que, porém, se esqueceram de explicar a razão por que os árabes só deram origem ao fado em Portugal, e não na Espanha, onde estiveram também radicados e permaneceram mais tempo, até 1492, mais exactamente. Mas, além de Ernesto Vieira, também Alberto Pimentel (4) e Pinto de Carvalho (5) se ocuparam dessa questão, desfazendo o equívoco, pelo que não há necessidade de insistir nela.
A verdade é que o fado constitui um fenómeno poético-musical complexo, que não pode deixar de se relacionar, nas suas raízes longínquas, com os cantares provençais, e designadamente com o plang, canção elegíaca, em duas das suas formas mencionadas no tratado poético do século XIV incluído no Cancioneiro da Biblioteca Nacional (Cód. 10 991, ed. fac-similada, Lisboa, 1982): cantiga de amigo (cantiga de mulher, como é predominantemente o fado de Lisboa) e cantiga de amor (cantiga de homem, como é o fado de Coimbra); e também com os contenses e tourneyment, quando reveste a forma de desgarrada, com dois ou mais intervenientes. Difundidas por trovadores e jograis, foram de facto essas cantigas que influenciaram grandemente a poesia e a música populares portuguesas, o que já acontecia no reinado de D. Sancho I. E compreende-se: "O conde D. Henrique trouxe consigo numerosos senhores franceses; são bem conhecidas as influências do clero, nomeadamente através das reformas monacais de Cluny e Cister, que se relacionam com as origens francesas da dinastia portuguesa e se estendem ao próprio ritual e à adopção da escrita carolíngia, em substituição da anterior escrita visigótica; muitos portugueses frequentavam a peregrinação a Santa Maria de Rocamador, no Sul de França, e muitos trovadores occitânicos vieram peregrinar a Santiago de Compostela; e diversas vagas de emigração, como a provocada pelas lutas civis do tempo de D. Afonso II, levaram senhores portugueses a França, destacando-se entre elas, pelas influências literárias bem conhecidas que trouxe, a que acompanhou na sua juventude o futuro Afonso III. Os casamentos de D. Afonso Henriques, D. Sancho I e D. Afonso III com princesas criadas em cortes cultural e até politicamente ligadas com a Provença, respectivamente Sabóia, Aragão (unida com a Catalunha) e Bolonha, devem também ter facilitado a influência occitânica" (6).
Rodney Gallop (7), que esteve em Portugal como secretário da embaixada de Inglaterra e que estudou o assunto, escreve: "Pela minha parte não posso considerar o fado senão como síntese, estilizada por séculos de lenta evolução, de todas as influências musicais que afectaram o povo de Lisboa. A tradição nacional é evidente, pelo parentesco já apontado com certos cantares regionais, ao qual ainda voltarei. No ritmo sincopado pode discernir-se a influência de danças exóticas, da África ou do Brasil, populares em Lisboa desde que o batuque foi introduzido, no século XVI, nos dias do oitavado, da arrepia, do guinéu, do zabel macau, do charamba, do sarambeque, do canário e da fofa, até ao 'doce lundum chorado' de Tolentino. Este, como dança e como canção, parece haver sido o predecessor imediato do fado. O charamba, a fofa e o lundum ainda hoje se cantam e dançam nos Açores, onde Francisco de Lacerda os recolheu do povo.