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Origem e estrutura do Fado

Tudo isto e fado! - Setembro 14, 2021


"Por outro lado não há nada, absolutamente nada, de exótico no que respeita à construção formal, linha melódica e base harmónica do fado, cujas afinidades vão todas para a música da Europa central. A forma estritamente geométrica do fado, talhado simetricamente em frases de quatro versos, liga-o sem possibilidade de dúvida à arte musical de França, Alemanha e Itália. A sua cadência bastante banal e pobre, e os tons maior e menor, nos quais está invariavelmente construído, denunciam a segunda metade do século XVIII, responsável por tais características. A confirmar esta suposição podemos apontar a grande popularidade gozada em Lisboa nesse período pela ópera italiana e música afim, executada nos teatros do Salitre e da Rua dos Condes.


"Para o músico é evidente que, no caso do fado, o acompanhamento precedeu a melodia, e não vice-versa, como normalmente acontece. Este acompanhamento consiste propriamente na repetição alternada, estritamente simétrica, dos acordes de tónica e de sétima de dominante. Excepcionalmente, em fados modernos, aparecem modulações bastante corriqueiras, como, por exemplo, do modo maior à tonalidade da dominante, ou do menor ao tom relativo maior. Nesta base harmónica, pré-existente, condicionada por ela, a ela subordinada, se enxerta a linha melódica vocal. Seria difícil cantar, e impossível conceber a melodia, sem tal base harmónica. Trata-se, em suma, dum cantar antes harmónico do que melódico. Daqui, certos intervalos nada naturais, como o de sétima e o de quarta aumenta".


Mas vejamos agora qual a relação entre o fado e o seu "predecessor imediato", no dizer daquele autor. O lundum, ou lundu, foi originalmente uma dança lasciva dos pretos congoleses, caracterizada pelo requebrar rítmico dos quadris, levada por aqueles para o Brasil. Dali veio para Portugal, trazida, ao que parece, por Domingos Caldas Barbosa, um mulato nascido na Baía em 1738 (ou talvez no Rio de Janeiro em 1740), que em Lisboa cursou o Colégio dos Jesuítas e foi beneficiado e capelão da Casa da Suplicação, além de poeta satírico. Revelando notável aptidão como tangedor de viola e guitarra, e contando com a protecção de D. José Luís de Vasconcelos e Sousa, Marquês de Belas e pelo casamento Conde de Pombeiro, em cujo palácio se reunia a Nova Arcádia, academia literária de que Caldas Barbosa fora um dos fundadores, facilmente se lhe abriram as portas das salas da aristocracia. E aí, além dos seus dotes poéticos, passou também a exibir os de instrumentista, acompanhando modinhas e lunduns da sua própria autoria, sendo estes dançados com passos medidos e requebros graciosos. O par masculino empunhava um lenço branco, que no final da dança passava para as mãos da dama, significando a aceitação por esta da corte que ele lhe fizera. Nas classes populares, porém, a dança mantinha o carácter lascivo originário, que na versão portuguesa chegava a ir mais além, tornando-se indecente. Sob os pontos de vista melódico e coreográfico, que afinidades haveria, pois, entre o lundum e o fado? Frederico de Freitas (8), referindo-se ao primeiro daqueles aspectos, escreve:
"Confrontando-se o ritmo da frase melódica do lundum com o fado, uma radical comum se nos depara. Efectivamente, o inciso ritmo-melódico é para ambos uma série de sete notas (correspondentes ao verso de redondilha maior), cujo discurso é quase semelhante. A diferenciação da semiografia rítmica, por tão subtil, parece ter escapado à observação dos estudiosos. Não obstante, ela é suficiente para alterar profundamente a afeição expressiva do todo".
E, logo a seguir, diz:
"Esta pequena alteração, consistindo apenas na mudança do grupo das três notas do primeiro tempo do primeiro compasso do lundum para o segundo tempo do equivalente compasso do fado, promove implicitamente uma modificação fundamental do ritmo acompanhante; assim, quando o andamento do lundum se desenvolve em ritmo semelhante ao da habanera, no fado abandona a síncopa e regressa ao ritmo simples e português da chula".

Como se vê, apesar do tal "radical comum", lundum e fado são coisas diferentes e inconfundíveis, e se alguma influência o primeiro teve no segundo foi no caso específico do fado dançado e batido, de que só restam hoje vagas reminiscências. Camilo Castelo Branco refere-se a este último no Eusébio Macário (9), onde escreve acerca de uma das suas personagens - o Fístula:
"Ele exultava com a perspectiva do Porto. Conhecia de fama o botequim do Pepino em Cima de Muro, onde o fado batido deitava à madrugada, com entreactos de facadas e muito banzé".

Mas em que consistiam, afinal, o fado, o fado dançado e o fado batido? Teófilo Braga (10) limitou-se a esta explicação: "... um canto (o fado), ritmado ao bater do passo de uma dança de meneio desenvolto, a que o local, tavernas ou espeluncas, imprime uma feição comovente e temerosa".
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