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Origem e estrutura do Fado

Tudo isto e fado! - Setembro 14, 2021


Pinto de Carvalho (11), mais explícito, informa:
"O fado tem duas espécies de dança: bater o fado e a dança propriamente dita. Bater o fado é uma dança ou meneio particular, em que entram duas pessoas ou três: uma que apara (ou duas, às vezes) e que deve estar quieta e o mais firme possível, e outra que bate, dando regularmente as pancadas com a parte inferior das coxas nas coxas das pernas do que apara, e meneando-se com requebros obscenos". E cita, depois, alguns célebres batedores do fado, como o Conde de Vimioso, José Crisóstomo Veloso Horta, Mercadet, o padre Mateus, o guitarrista Josué dos Santos, o Augusto da Emília dos Caniços, o José da Bolacheira, a Borboleta, a Ana do Porto, a Ana de Setúbal, a Emília Midões, a Amélia do Paixão e a Lucinda do Bairro Alto.


Clarificando: o fado batido não passava de uma função em que os intervenientes batiam, cadenciadamente, com o ventre contra ventre ou, melhor, em que um batia e o outro ou outros aparavam o choque, efectuando o batedor os tais "requebros obscenos". Tal função foi caindo gradualmente em desuso e, no princípio do século XX, já eram raros os batedores do fado, apesar da feição mais decente que o fado batido adquirira.


Quanto à dança do fado, Luís Moita (12) transcreve da obra de Manuel António de Almeida, Memórias de um Sargento de Milícias, a seguinte versão dela:
"Ora, uma só pessoa, homem ou mulher, dança no meio da casa por algum tempo, fazendo passos os mais dificultosos, tomando as mais airosas posições, acompanhando tudo isso com estalos que dá com os dedos e vai depois aproximando-se de qualquer que lhe agrade; faz-lhe diante negaças e reviravoltas e finalmente bate palmas, o que quer dizer que a escolheu para substituir o seu lugar".


Por sua vez, Pinto de Carvalho (13), dando uma versão diferente, informa que a dança do fado consistia em o bailarino efectuar evoluções trepidantes, ao ritmo da música, por entre doze ovos (que não devia partir) dispostos no chão. E informa mais que, por 1850, existiam bailarinos do fado e do fandango notabilíssimos, entre os quais o Salvador Mexerico, frequentador dos botequins da Ribeira Nova (em especial, o dos Macacos e o do Caraças), o Teodósio, os irmãos Castanholas, o fadista Manuel Ratão, "grande jogador de pau do Campo de Santana", e o Mexilhão canteiro.

Voltando, porém, ao fado, canção, diz Aubrey Bell (14), que se debruçou também sobre a sua origem:
"O fado é uma forma degenerada, relativamente moderna e mais subjectiva, do romance, melancólico como o solau antigo, composto por fadistas profissionais; é mais moderno mesmo do que a modinha dos fins do século XVIII, pois data apenas do primeiro terço do século XIX. É essencialmente urbano, e lisboeta sobretudo; ainda hoje (1916) não penetrou em grande parte do Sul do País. Pode constar de quadras, quintilhas ou décimas".


Ora o romance era uma narrativa, geralmente de carácter histórico, em versos simples, popularizada entre nós no período da Renascença e com raízes na poesia trova-doresca provençal. Entre outros acontecimentos, o desaparecimento de D. Sebastião serviu de tema ao romance. Diz Alberto Pimentel (15) que no século XVI se "generalizaram na voz do povo as canções que lastimavam a ingente derrota do rei e do exército em Alcácer Quibir". E acrescenta que "Miguel Leitão de Andrada, na Miscelânea, traz uma dessas canções, letra e música, mas dá-lhe o nome de romance', e tudo faz crer na sua origem popular".


A palavra "fado" (do latim fatum), originalmente apenas significava sorte, destino, predestinação, e nesse sentido foi empregue por Camões e Bocage. E de notar, no entanto, que, como observa Camilo (Cousas Leves e Pesadas, Porto, 1867), já o renascentista Sá de Miranda usava o verbo fadejar no sentido de cantar. "Fado" aparece depois com a seguinte acepção na sétima edição do Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de António de Morais Silva (1878):
"Fado, poema do vulgo, de carácter narrativo, em que se narra uma história real ou imaginária de desenlace triste, ou se descrevem os males, a vida de uma certa classe, como no fado do marujo, da freira, etc. Música popular com ritmo e movimento particulares, que se toca ordinariamente na guitarra e que tem por letra os poemas chamados fados".


Andando já na linguagem corrente com esta acepção, o dicionário define, pois, o fado como "poema do vulgo, de carácter narrativo", relacionando-o, intencionalmente ou não, com o romance ou xácara. E, na verdade, há entre ambas as expressões poético--melódicas uma correlação que não passou despercebida a Aubrey Bell e que é flagrante sobretudo na inflexão magoada comum a uma e à outra.

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