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Origem e estrutura do Fado

Tudo isto e fado! - Setembro 14, 2021


António Arroio (19) dá uma versão diferente:
"Afigura-se-me - diz - que o fado procede do estado dos espíritos resultante das lutas que vão desde a guerra civil até à terminação da Patuleia, portanto desde 1830 a 1847. Até aí, a canção popular e a modinha dos salões tinham um carácter absolutamente diferente. O estilo do fado, a maneira como ele é e deve ser executado, confirma o meu modo de ver. Nada há, em tal matéria, que possa ser-lhe comparado como expressão do mais anárquico e mais inferior, do mais exagerado mau gosto romântico".


Mas este ponto de vista é demasiado simplista. O estado dos espíritos resultante das lutas liberais e subsequentes terá, na verdade, exercido certa influência no pessimismo do fado, mas daí a este proceder dele vai a sua distância.


Miguel Queriol (20) afirma que "na proa dos navios de guerra, à mistura com a vida do marinheiro e outras canções em que a triste sina ou misérias da vida arrastavam ao infortúnio", já se cantava o fado antes da Severa. E Pinto de Carvalho (21), indo mais longe, escreve:
"Para nós, o fado tem uma origem marítima, origem que se lhe vislumbra no seu ritmo onduloso como os movimentos cadenciados da vaga, balanceante como o jogar de bombordo a estibordo nos navios sobre a toalha líquida florida de fosforescências fugitivas ou como o vaivém das ondas batendo no costado, ofeguento como o arfar do Grande Azul desfazendo a sua túnica franjada de rendas espumosas, triste como as lamentações fluctívogas do Atlântico que se convulsa glauco com babas de prata, saudoso como a indefinível nostalgia da pátria ausente.


"Das suas notas mestas e lentas, de uma gravidade de legenda, de uma suavidade tépida, parece emanar uma estranha emoção, impregnada, a um tempo, de melancolia e de amor, de bonito sofrimento e de moribundo sorriso. O fado nasceu a bordo, aos ritmos infinitos do mar, nas convulsões dessa alma do mundo, na embriagues murmurante dessa eternidade de água".


E em apoio da sua poética tese, Pinto de Carvalho invoca os pareceres coincidentes de Oliveira Martins e Luís Augusto Palmeirim, acrescentando:
"É indubitável que o fado só posteriormente a 1840 apareceu nas ruas de Lisboa. Até então, o único fado que existia, o fado do marinheiro, cantava-se à proa das embarcações, onde andava de mistura com as cantigas de levantar ferro, a canção do degredado e outras cantilenas undívagas. O fado do marinheiro foi o que serviu de modelo aos primeiros que se tocaram e cantaram em terra" (22).


A fazer-se fé na afirmação de Queriol, parece, portanto, que antes da Severa (1820-1846) já o fado andava embarcado, e tal afirmação não pode ser subestimada, dado o facto de aquele ter sido contemporâneo da fadista. Já, porém, não merece o mesmo crédito Pinto de Carvalho quando diz que até 1840 "o único fado que existia" era o fado do marinheiro. Na verdade, sabe-se, de fonte segura, que já antes desse ano a Severa cantava outros fados, alguns da sua autoria. De qualquer forma, a hipótese de o fado se ter afirmado a bordo tem a sua verosimilhança, e teria sido a marinhagem que o difundiu em Alfama (zona da sua preferência quando em terra, dada a proximidade do Cais de Santarém, então utilizado para os embarques e desembarques), dali irradiando para os outros bairros populares: Madragoa, Mouraria, Bairro Alto e Alcântara. Teria sido, aliás, no mar, durante as longas viagens do período da navegação à vela, que o fado adquiriu a sua expressão peculiar, resultante da saudade, sentimento próprio dos que se viam meses e meses afastados da Pátria e dos entes queridos - a toada nostálgica que o caracterizou e que, apesar da sua evolução, ainda mantém.

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