Lina: "Não faço as coisas a pensar nas críticas, boas ou más..."
Interviews - Janeiro 30, 2024
Lina Rodrigues está de volta. Fado Camões é o novo trabalho da fadista, um álbum que, tal como o nome indica, explora a poesia de Luís Vaz de Camões.
Começo, precisamente, por lhe pedir para me descrever Fado Camões.
Este álbum reúne a lírica de Camões com os fados tradicionais. A lírica de Camões, não são propriamente 'Os Lusíadas', mas também os sonetos. Os sonetos são versos que Camões fez, que tem, a meu ver, a estrutura ideal para os fados tradicionais e, por isso, decidi juntá-los não só pela sua estrutura, mas também pela temática que o Camões utilizou nos seus poemas, que estão completamente ligados à ao fado.
Os amores e desamores de Camões…
Os amores e os desamores e as questões sobre sobre o mundo. O questionar-se a si próprio, os amores de infância, os amores de criação, todos esses sentimentos que são actuais.
Porquê Luís Vaz de Camões? Já havia esse interesse? Como é que surgiu este olhar diferente para a poesia de Camões?
Surgiu ainda em concertos com o Raül Refree. Eu termino um trabalho e começo logo a pensar no que é que poderei fazer a seguir. Queria, sempre quis, que os meus álbuns tivessem um conceito que não fosse só gravar músicas avulso, mas que houvesse um fio condutor que fizesse ligação entre as músicas. No fundo, uma obra e não apenas um disco de música.
Quando me deparei com a biografia da Amália Rodrigues, li que Amália considerava Camões o maior fadista que existe e que Camões não era para estar fechado numa gaveta, nem numa estante.
Essa ideia ficou aí a ser “cozinhada”?
Ficou a ser cozinhada. Fui pesquisar um bocadinho mais sobre a lírica de Camões e percebi que, de facto, tem toda a ligação com com o fado tradicional e com a temática do fado tradicional.
O que é que foi necessário para esta adaptação das letras de Camões, dos poemas a esta composição? Vi que tinha trabalhado com a Amélia Muge neste processo.
Sim, a Amélia Muge foi o meu braço direito, o meu apoio neste trabalho. Fico feliz por ela pertencer ao meu universo e a este universo da música, que me tem apoiado bastante e acima de tudo, que me tem incentivado a não desistir.
Houve momentos em que pensei: se calhar, não consigo fazer isto, não consigo fazer isto sozinha. E a verdade é que houve alguns momentos em que eu consegui fazer sozinha. Um trabalho de introspecção e de sentir ao mergulhar na lírica de Camões. Eu emocionei-me ao ler os versos do Camões e se essa emoção existe no presente, porque não trazer a tradição e o passado dos versos do Camões para o futuro?
Em relação à forma, como é que foi feito todo o processo, qual é que foi o critério?
Foi, no fundo, um trabalho estrutural de juntar versos de quintilhas, sextilhas, quadras, sonetos… folhear um livro da lírica de Camões e - como sou conhecedora dos fados tradicionais - cantá-los, à medida que vou lendo os versos, assim percebia se havia musicalidade ou não.
A forma como os versos encaixavam na estrutura do fado tradicional?
Exatamente.
Uma das novidades deste álbum é a colaboração com o produtor e músico britânico Justin Adams. O que é que o Justin Adams traz a este disco?
Ele traz, também, esta sonoridade da música árabe, porque ele viveu a infância com o pai no Egipto. Traz também as influências africanas… A meu ver, era o produtor ideal, uma vez que eu queria gravar a lírica de Camões e, por isso, passar pelos locais onde ele esteve, na Índia, em África, na Galiza.
Foi óptimo trabalhar com ele, tive a oportunidade de fazer também parte, de certa forma, da produção deste álbum. É uma pessoa super generosa e de muito fácil trato, muito bem-disposto.
O que é que Justin Adams sabia sobre o fado e sobre a Lina?
Ele sabia muito pouco, não sabia muito sobre fado. Aliás, tanto o Justin Adams como o John Baggott assustaram-se um pouco, porque o fado tradicional tem dois acordes, três no máximo… e pessoas com tanta musicalidade, onde a música é tão rica de acordes e harmonias, o fado é uma música simples.
Então, a questão deles era, como é que nós vamos adornar, como é que vamos fazer para que seja diferente, tenha musicalidade, seja apelativo e sentimental, emocional. Mas perceberam logo no primeiro dia de estúdio que era possível com apenas dois ou três acordes que se sentisse essa emoção.
Foi um trabalho emocionalmente enriquecedor.
Já no seu trabalho anterior quebra algumas amarras do fado tradicional. Neste álbum vai nessa continuidade. Há uma necessidade de dar uma nova roupagem ao fado?
Não tem a ver com dar a nova roupagem, a ver com a liberdade no canto. Aquilo que sinto quando ouço e quando ouço aquilo que fiz até agora, tanto com o Raul Rëfree como agora, neste álbum.
Sinto que é uma necessidade minha de sentir os espaços entre a voz, sentir os ambientes mais do que até quais é que são os instrumentos, se é piano, se não é piano, se é guitarra, se não é guitarra. Acho que eu vejo a música como um todo.
Essa é minha necessidade de sentir que estou a cantar à capela muitas vezes, é proporcionada por estes momentos de silêncio e de saborear as palavras.
No fado, a importância da palavra é enorme. Por isso, tenho esta necessidade de me sentir livre a cantar.
“O que temo e o que desejo” é interpretado com Rodrigo Cuevas, como é que chegou a esta a esta colaboração?
Eu já conhecia o Rodrigo Cuevas, o primeiro trabalho dele foi produzido pelo Raul Rëfree e tive a oportunidade de ver um concerto dele no museu de Oriente, em Lisboa.
Conheci-o pessoalmente e depois isto surgiu naturalmente.
Pelo facto de Camões ter escrito em galaico-português, remeteu-me à Galiza e à música tradicional. Pensei no Rodrigo Cuevas, uma vez que ele tem este interesse e é mestre na música folclórica e na música tradicional. Ele é asturiano e, portanto, fazia todo o sentido convidar o Rodrigo Cuevas. Felizmente, ele aceitou.
Este poema é a junção de dois poemas, um em português e outro em galaico-português, que eu descobri e que fala sobre o desejo e aquilo de que tenho medo.
Acho que fazia todo o sentido fazer uma ligação entre a vida e a morte. E foi uma óptima junção. Foi muito bom trabalhar com ele em estúdio, ele é fantástico.
A 13 de de Janeiro, o jornal Le Monde dizia que a Lina era uma das 12 personalidades a não perder em 2024, nesse mesmo artigo, sublinhava “a intensidade arrebatadora do fado da artista portuguesa, que empresta a sua voz ao poeta Luís Vaz de Camões”, a quem o Télérama, também em Janeiro, designou de o “príncipe dos poetas” e acrescentou que o fado da Lina é “encantador”. Como é que olha para esta crítica?
Eu não lido muito bem com elogios, fico envergonhada. Obviamente que fico extremamente feliz com todos estes elogios e espero, de facto, merecê-los e continuar a merecê-los e, no fundo, fazer aquilo que sinto.
Não faço as coisas a pensar nas críticas, boas ou más, eu faço aquilo que faço porque sinto, porque quero ir por ali, porque é esse o caminho que eu acho que devo seguir e são essas as minhas convicções na música. Estes elogios são, para mim, gloriosos. Fico muito feliz.
Este álbum reúne a lírica de Camões com os fados tradicionais. A lírica de Camões, não são propriamente 'Os Lusíadas', mas também os sonetos. Os sonetos são versos que Camões fez, que tem, a meu ver, a estrutura ideal para os fados tradicionais e, por isso, decidi juntá-los não só pela sua estrutura, mas também pela temática que o Camões utilizou nos seus poemas, que estão completamente ligados à ao fado.
Os amores e desamores de Camões…
Os amores e os desamores e as questões sobre sobre o mundo. O questionar-se a si próprio, os amores de infância, os amores de criação, todos esses sentimentos que são actuais.
Porquê Luís Vaz de Camões? Já havia esse interesse? Como é que surgiu este olhar diferente para a poesia de Camões?
Surgiu ainda em concertos com o Raül Refree. Eu termino um trabalho e começo logo a pensar no que é que poderei fazer a seguir. Queria, sempre quis, que os meus álbuns tivessem um conceito que não fosse só gravar músicas avulso, mas que houvesse um fio condutor que fizesse ligação entre as músicas. No fundo, uma obra e não apenas um disco de música.
Quando me deparei com a biografia da Amália Rodrigues, li que Amália considerava Camões o maior fadista que existe e que Camões não era para estar fechado numa gaveta, nem numa estante.
Essa ideia ficou aí a ser “cozinhada”?
Ficou a ser cozinhada. Fui pesquisar um bocadinho mais sobre a lírica de Camões e percebi que, de facto, tem toda a ligação com com o fado tradicional e com a temática do fado tradicional.
O que é que foi necessário para esta adaptação das letras de Camões, dos poemas a esta composição? Vi que tinha trabalhado com a Amélia Muge neste processo.
Sim, a Amélia Muge foi o meu braço direito, o meu apoio neste trabalho. Fico feliz por ela pertencer ao meu universo e a este universo da música, que me tem apoiado bastante e acima de tudo, que me tem incentivado a não desistir.
Houve momentos em que pensei: se calhar, não consigo fazer isto, não consigo fazer isto sozinha. E a verdade é que houve alguns momentos em que eu consegui fazer sozinha. Um trabalho de introspecção e de sentir ao mergulhar na lírica de Camões. Eu emocionei-me ao ler os versos do Camões e se essa emoção existe no presente, porque não trazer a tradição e o passado dos versos do Camões para o futuro?
Em relação à forma, como é que foi feito todo o processo, qual é que foi o critério?
Foi, no fundo, um trabalho estrutural de juntar versos de quintilhas, sextilhas, quadras, sonetos… folhear um livro da lírica de Camões e - como sou conhecedora dos fados tradicionais - cantá-los, à medida que vou lendo os versos, assim percebia se havia musicalidade ou não.
A forma como os versos encaixavam na estrutura do fado tradicional?
Exatamente.
Uma das novidades deste álbum é a colaboração com o produtor e músico britânico Justin Adams. O que é que o Justin Adams traz a este disco?
Ele traz, também, esta sonoridade da música árabe, porque ele viveu a infância com o pai no Egipto. Traz também as influências africanas… A meu ver, era o produtor ideal, uma vez que eu queria gravar a lírica de Camões e, por isso, passar pelos locais onde ele esteve, na Índia, em África, na Galiza.
Foi óptimo trabalhar com ele, tive a oportunidade de fazer também parte, de certa forma, da produção deste álbum. É uma pessoa super generosa e de muito fácil trato, muito bem-disposto.
O que é que Justin Adams sabia sobre o fado e sobre a Lina?
Ele sabia muito pouco, não sabia muito sobre fado. Aliás, tanto o Justin Adams como o John Baggott assustaram-se um pouco, porque o fado tradicional tem dois acordes, três no máximo… e pessoas com tanta musicalidade, onde a música é tão rica de acordes e harmonias, o fado é uma música simples.
Então, a questão deles era, como é que nós vamos adornar, como é que vamos fazer para que seja diferente, tenha musicalidade, seja apelativo e sentimental, emocional. Mas perceberam logo no primeiro dia de estúdio que era possível com apenas dois ou três acordes que se sentisse essa emoção.
Foi um trabalho emocionalmente enriquecedor.
Já no seu trabalho anterior quebra algumas amarras do fado tradicional. Neste álbum vai nessa continuidade. Há uma necessidade de dar uma nova roupagem ao fado?
Não tem a ver com dar a nova roupagem, a ver com a liberdade no canto. Aquilo que sinto quando ouço e quando ouço aquilo que fiz até agora, tanto com o Raul Rëfree como agora, neste álbum.
Sinto que é uma necessidade minha de sentir os espaços entre a voz, sentir os ambientes mais do que até quais é que são os instrumentos, se é piano, se não é piano, se é guitarra, se não é guitarra. Acho que eu vejo a música como um todo.
Essa é minha necessidade de sentir que estou a cantar à capela muitas vezes, é proporcionada por estes momentos de silêncio e de saborear as palavras.
No fado, a importância da palavra é enorme. Por isso, tenho esta necessidade de me sentir livre a cantar.
“O que temo e o que desejo” é interpretado com Rodrigo Cuevas, como é que chegou a esta a esta colaboração?
Eu já conhecia o Rodrigo Cuevas, o primeiro trabalho dele foi produzido pelo Raul Rëfree e tive a oportunidade de ver um concerto dele no museu de Oriente, em Lisboa.
Conheci-o pessoalmente e depois isto surgiu naturalmente.
Pelo facto de Camões ter escrito em galaico-português, remeteu-me à Galiza e à música tradicional. Pensei no Rodrigo Cuevas, uma vez que ele tem este interesse e é mestre na música folclórica e na música tradicional. Ele é asturiano e, portanto, fazia todo o sentido convidar o Rodrigo Cuevas. Felizmente, ele aceitou.
Este poema é a junção de dois poemas, um em português e outro em galaico-português, que eu descobri e que fala sobre o desejo e aquilo de que tenho medo.
Acho que fazia todo o sentido fazer uma ligação entre a vida e a morte. E foi uma óptima junção. Foi muito bom trabalhar com ele em estúdio, ele é fantástico.
A 13 de de Janeiro, o jornal Le Monde dizia que a Lina era uma das 12 personalidades a não perder em 2024, nesse mesmo artigo, sublinhava “a intensidade arrebatadora do fado da artista portuguesa, que empresta a sua voz ao poeta Luís Vaz de Camões”, a quem o Télérama, também em Janeiro, designou de o “príncipe dos poetas” e acrescentou que o fado da Lina é “encantador”. Como é que olha para esta crítica?
Eu não lido muito bem com elogios, fico envergonhada. Obviamente que fico extremamente feliz com todos estes elogios e espero, de facto, merecê-los e continuar a merecê-los e, no fundo, fazer aquilo que sinto.
Não faço as coisas a pensar nas críticas, boas ou más, eu faço aquilo que faço porque sinto, porque quero ir por ali, porque é esse o caminho que eu acho que devo seguir e são essas as minhas convicções na música. Estes elogios são, para mim, gloriosos. Fico muito feliz.
Related Articles
Add Comment