Lina no Teatro da Trindade: por ares nunca dantes sussurrados
Concerts - Fevereiro 01, 2024
Apresentou-se num Teatro da Trindade com lotação esgotada, o álbum Fado Camões, novo triunfo artístico de Lina, artista de alma sobredotada que fez por merecer cada um dos aplausos com que o seu público a presenteou.
Teatro da Trindade - Lisboa - 30/01/2024
Ladeada por Ianina Khmelik (violino, piano e sintetizadores) e Pedro Viana (guitarra portuguesa), Lina apresentou os méritos do álbum com que agora sucede ao muito aplaudido trabalho que há um par de anos assinou em estreita colaboração com o produtor espanhol Raül Refree. E como em estratégia vencedora não se mexe, a fadista portuguesa volta a procurar para lá das nossas fronteiras o tipo de desprendimento estético e artístico que lhe tem permitido abordar a funda tradição fadista de ângulos inusitados. Em Lina_ Raül Refree, a obra de Amália Rodrigues foi ponto de partida e de chegada para uma sentida homenagem que se distinguiu, antes de mais nada, pela extrema qualidade apresentada, mas também pela criativa dispensa das fórmulas há muito usadas neste tipo de reportório.
Desta feita, Lina recorreu aos préstimos de Justin Adams, músico e produtor com longo historial e para Fado Camões, que cruza a lírica camoniana com melodias resgatadas ao fado tradicional, Adams criou também uma envolvência musical que, embora admita a presença parcimoniosa da guitarra portuguesa, contorna de forma muito interessante os mais canónicos trejeitos do género. É fado, ainda, mas não como habitualmente se apresenta.
Ora, essas criativas tomadas de posse dos moldes tradicionais em disco resolvem-se em palco de forma igualmente original: Lina veste branco e não o negro fúnebre tantas vezes visto no fado, há vídeo que projecta texturas no fundo de cena e luz com recorte teatral que oferece ao espaço uma certa solenidade — embora, claro, o belíssimo enquadramento arquitetónico do histórico Teatro da Trindade já possua ele mesmo esse carácter nobre.
Depois há os músicos: Ianina Khmelik desdobra-se entre o seu violino processado, quase sempre fonte de texturas, mas num par de momentos com arrebatamento solista, sintetizador que por vezes se traveste de órgão de igreja e piano acústico de rigor espartano. Pedro Viana, dotado de amplos recursos guitarrísticos, também sabe ser inventivo no seu instrumento, mostrando-se capaz de viajar entre arremedos fadistas puros e mais abstractas paisagens.
E depois há Lina que é imensa no domínio da sua voz — o momento a capella de “Quando Eu Era Pequenina” fechou o concerto da melhor maneira e envolveu o público numa espessa névoa de emoções que, foi possível ver, deixou muitos olhos com brilho de lágrima. Intérprete que entende o mais fundo significado dessa mesma condição, Lina toma a matéria da poética de Camões e as melodias tradicionais como tela para se expressar em gestos vigorosos, mas sem necessitar de expelir fogo de artifício gratuito. Pelo contrário: a sua voz que pode ser relâmpago entende que basta ser simples vela de luz trémula para ainda assim nos iluminar a todos. O ar que respira alimenta-lhe o grito e o sussurro. E isso chega.
De Fado Camões cantou tudo. É verdade que (desta vez…) não houve Rodrigo Cuevas na fantástica “O Que Temo E O Que Desejo”, com Lina a assumir o português do lado de cá e também o do lado de lá da fronteira que nos separa da Galiza e a deleitar-se no irresistível balanço da canção. Mas houve John Baggott — apresentado como “músico que toca com Massive Attack e Portishead” — a sentar-se ao piano para fazer na versão ao vivo de “Desamor” a mesma magia que já tinha conjurado em estúdio; e também Justin Adams, que tocou guitarra eléctrica em “Quando Vos Veria”, num belíssimo momento de interacção com as cordas de aço de Pedro Viana.
Mesmo no final, voltou-se a Amália. E antes da última e comovente peça já mencionada, que é tesouro do nosso cancioneiro, escutaram-se “Dura Memória”, fado com poema de Camões que Amália gravou pela primeira vez numa aprsentação na RTP em 1961, e a tremenda “Gaivota”, que Lina faz voar de forma muito própria. É assim que se chega perto da perfeição, carregando na humanidade que nos faz estremecer a todos.
Ladeada por Ianina Khmelik (violino, piano e sintetizadores) e Pedro Viana (guitarra portuguesa), Lina apresentou os méritos do álbum com que agora sucede ao muito aplaudido trabalho que há um par de anos assinou em estreita colaboração com o produtor espanhol Raül Refree. E como em estratégia vencedora não se mexe, a fadista portuguesa volta a procurar para lá das nossas fronteiras o tipo de desprendimento estético e artístico que lhe tem permitido abordar a funda tradição fadista de ângulos inusitados. Em Lina_ Raül Refree, a obra de Amália Rodrigues foi ponto de partida e de chegada para uma sentida homenagem que se distinguiu, antes de mais nada, pela extrema qualidade apresentada, mas também pela criativa dispensa das fórmulas há muito usadas neste tipo de reportório.
Desta feita, Lina recorreu aos préstimos de Justin Adams, músico e produtor com longo historial e para Fado Camões, que cruza a lírica camoniana com melodias resgatadas ao fado tradicional, Adams criou também uma envolvência musical que, embora admita a presença parcimoniosa da guitarra portuguesa, contorna de forma muito interessante os mais canónicos trejeitos do género. É fado, ainda, mas não como habitualmente se apresenta.
Ora, essas criativas tomadas de posse dos moldes tradicionais em disco resolvem-se em palco de forma igualmente original: Lina veste branco e não o negro fúnebre tantas vezes visto no fado, há vídeo que projecta texturas no fundo de cena e luz com recorte teatral que oferece ao espaço uma certa solenidade — embora, claro, o belíssimo enquadramento arquitetónico do histórico Teatro da Trindade já possua ele mesmo esse carácter nobre.
Depois há os músicos: Ianina Khmelik desdobra-se entre o seu violino processado, quase sempre fonte de texturas, mas num par de momentos com arrebatamento solista, sintetizador que por vezes se traveste de órgão de igreja e piano acústico de rigor espartano. Pedro Viana, dotado de amplos recursos guitarrísticos, também sabe ser inventivo no seu instrumento, mostrando-se capaz de viajar entre arremedos fadistas puros e mais abstractas paisagens.
E depois há Lina que é imensa no domínio da sua voz — o momento a capella de “Quando Eu Era Pequenina” fechou o concerto da melhor maneira e envolveu o público numa espessa névoa de emoções que, foi possível ver, deixou muitos olhos com brilho de lágrima. Intérprete que entende o mais fundo significado dessa mesma condição, Lina toma a matéria da poética de Camões e as melodias tradicionais como tela para se expressar em gestos vigorosos, mas sem necessitar de expelir fogo de artifício gratuito. Pelo contrário: a sua voz que pode ser relâmpago entende que basta ser simples vela de luz trémula para ainda assim nos iluminar a todos. O ar que respira alimenta-lhe o grito e o sussurro. E isso chega.
De Fado Camões cantou tudo. É verdade que (desta vez…) não houve Rodrigo Cuevas na fantástica “O Que Temo E O Que Desejo”, com Lina a assumir o português do lado de cá e também o do lado de lá da fronteira que nos separa da Galiza e a deleitar-se no irresistível balanço da canção. Mas houve John Baggott — apresentado como “músico que toca com Massive Attack e Portishead” — a sentar-se ao piano para fazer na versão ao vivo de “Desamor” a mesma magia que já tinha conjurado em estúdio; e também Justin Adams, que tocou guitarra eléctrica em “Quando Vos Veria”, num belíssimo momento de interacção com as cordas de aço de Pedro Viana.
Mesmo no final, voltou-se a Amália. E antes da última e comovente peça já mencionada, que é tesouro do nosso cancioneiro, escutaram-se “Dura Memória”, fado com poema de Camões que Amália gravou pela primeira vez numa aprsentação na RTP em 1961, e a tremenda “Gaivota”, que Lina faz voar de forma muito própria. É assim que se chega perto da perfeição, carregando na humanidade que nos faz estremecer a todos.
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